WhatsApp fere a Constituição e o Marco Civil da Internet

Por Marco Antonio Araujo Junior Não costumo comentar decisão judicial, especialmente quando não tenho acesso aos autos, mas como o assunto envolve duas áreas …

Por Marco Antonio Araujo Junior
Não costumo comentar decisão judicial, especialmente quando não tenho acesso aos autos, mas como o assunto envolve duas áreas do Direito que gosto muito - Direito do Consumidor e Direito Eletrônico - impossível não dar um "pitaco".
Bloquear um serviço de comunicação de toda uma população porque não teria o aplicativo (fornecedor do serviço) informado dados de um usuário supostamente criminoso me parece autoritário e desproporcional.
Não encontro fundamento para isso na Constituição Federal, no Marco Civil da Internet e menos ainda no Código de Defesa do Consumidor.
Se houve descumprimento de decisão judicial por parte do aplicativo, que é o que se sustenta, que se aplique multa diária pesada contra o aplicativo (astraintes), sem prejuízo de processo para apurar crime de descumprimento por parte de seus representantes legais.
O que não pode ocorrer, em primeira análise, é a suspensão do serviço como forma de ameaça. Isso é inadmissível!
Os prejudicados, sem dúvida, serão os consumidores.
Mas pode surgir uma pergunta: a relação do WhatsApp com o usuário é relação de consumo?
Entendo que sim. Embora haja gratuidade aparente, estamos falando de remuneração indireta, já que é sabido que o WhatsApp pertence ao Facebook, que faz uso de todos os seus dados, inclusive com finalidade comercial.
Quem nunca adicionou uma pessoa ao WhatsApp e dias depois recebeu sugestão do Facebook para adicioná-la como amigo na sua página?
Feitiçaria? Destino? Não? tecnologia a serviço do Facebook.
Outra discussão pode surgir: mas se é serviço, pode ser considerado essencial e ter a garantia da continuidade prevista no CDC?
O Marco Civil da Internet garantiu que o acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, podendo, no meu entendimento, se aplicar o conceito de essencialidade do CDC ao serviço prestado pelo aplicativo, cabendo assim a garantia da continuidade e da não suspensão da prestação do serviço, também prevista no Marco Civil.
Outro aspecto importante é que o Marco Civil garantiu ao usuário da rede a neutralidade na prestação de serviço.
Isso quer dizer que o prestador de serviço de internet não pode discriminar o que o usuário deseja usar, estando entre os princípios da lei a liberdade de usar os dados da maneira que preferir.
Na minha opinião havia outras formas de compelir o prestador de serviço a colaborar com o Poder Judiciário na investigação criminal, inclusive responsabilizando-o criminalmente, caso permanecesse inerte.
Suspender os serviços do aplicativo de comunicação de um grupo elevado de usuários por não ter o prestador de serviços fornecido dados sigilosos à justiça equivale,  mutatis mutandis, a suspender o fornecimento de água de toda uma população em razão de um dos diretores da concessionária ter praticado um crime, ou seja, além de desproporcional a decisão me parece ineficaz para o fim que se deseja.
Marco Antonio Araujo Junior é advogado, v ice-presidente Acadêmico do Damásio Educacional/DeVry, presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/SP e membro efetivo da Comissão de Defesa do Consumidor do Conselho Federal da OAB.

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