Ventos de outono

“Não se pode ser sério aos dezessete anos, Quando a tília perfuma as aléias do outono”. Arthur Rimbaud.  O canal estava quase deserto, o …

sem título"Não se pode ser sério aos dezessete anos,

Quando a tília perfuma as aléias do outono".

Arthur Rimbaud. 
O canal estava quase deserto, o vento rodopiando as folhas caídas dos plátanos. Sobre a ponte de pedra, um casal de velhos andava lentamente, se abrigando dos restos do inverno. Do outro lado, um " clochard" tentava pescar seu almoço. Também não havia movimento no convés da barcaça, apenas um filete de fumaça da chaminé, espalhando o cheiro de toucinho frito. Foi quando viu um homem alto, vestindo um sobretudo cinza, descer de um carro de modelo antigo e cruzar a ponte, entrando na rue des Récollets.

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Ficou curioso ao reparar no jeito que o homem caminhava - andava de lado, quase mancando, como se tivesse carregando algo pesado debaixo do sobretudo. Hesitou - não era uma grande tolice ficar observando um desconhecido, só porque andava esquisito? Enquanto pensava na resposta, se viu no início da rue des Récollets. O sobretudo cinza já estava bem adiante, parado diante de uma porta. Olhou para os lados e sumiu.
O que vinha a ser aquilo? Um truque do inconsciente, que o fazia seguir um vulto que capengava? Entrou na rua e chegou onde o sobretudo cinza sumira. Era a entrada dos fundos de uma casa, que dava frente para a avenida. Tentando parecer casual, deu a volta no quarteirão e chegou diante da mansão. Era cercada de grades pretas e douradas e no centro de um jardim bem cuidado.         No portão, uma pequena placa de metal polido:

Mautelier et Fils.

Argent et métaux précieux.

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Em seus dias de infância, ele gostava de ler as placas nas portas das casas do bairro, com o nome dos moradores e, às vezes, a profissão. Era divertido tentar imaginar como seriam as pessoas pelos nomes nas placas. Nem sempre era fácil, quando o nome não combinava com a profissão. Então, ele ficava por perto, até ver o morador chegar ou sair e acabar com suas interrogações. No entanto, agora, naquele instante, a placa dourada não trazia nenhum mistério. Ali morava um famoso negociante de metais preciosos, que devia ter milhões no cofre. Seu antigo instinto ainda funcionava - ouro e prata combinavam muito bem com o sorrateiro homem de sobretudo cinza. Mas não havia sinal de anormalidade na casa. Depois de alguns minutos, cansou e deu de ombros - afinal não era da polícia e estava longe de casa.
Quando entrou na rue des Récollets, ouviu passos - lá adiante, estava seu homem misterioso, caminhando apressado. Mas, quando chegou na esquina, tanto o sobretudo cinza como o carro antigo haviam sumido. Encostou-se ao muro para recuperar o fôlego. Mas uma imagem teimosa continuava - o homem de sobretudo não mais capengava, mas carregava uma mala pesada.
A pergunta chegou, óbvia demais para ser ignorada - o que havia na mala? Ouro do casarão? Ridículo! Aquilo mais parecia história de detetives? talvez um mistério para o Comissário Maigret? Repetiu a si mesmo que seguir vultos estranhos não podia dar certo, afinal, era um homem sério, com negócios a tratar e não devia perder tempo com fantasias juvenis.

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Teve um sono inquieto. Levantou-se cedo e foi até a banca da esquina comprar o jornal. Nada na primeira página, só a alta do euro e ameaças de terrorismo. O vento de outono soprava na avenida e ele custou a encontrar a notícia em uma página interna:

" Misterioso roubo de ouro

no
Canal Saint Martin" .

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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