A política e o crime organizado

Dia desses, enquanto passeava com o cachorro, pensei: crime organizado? Bom, pelo menos há alguma coisa organizada neste país. Aí fiquei encafifado. Veja, parece …

Dia desses, enquanto passeava com o cachorro, pensei: crime organizado? Bom, pelo menos há alguma coisa organizada neste país.
Aí fiquei encafifado. Veja, parece haver unanimidade sobre a incompetência de nossos governantes, parece haver unanimidade sobre uma maldição que paira sobre nós, a esculhambação geral. Parece haver unanimidade sobre nossos governantes serem corruptos. Parece também que esquecemos que os países mais organizados tiveram sua fase de esculhambação, corrupção e truculência gerais e que outros, que posam de muito organizados e limpinhos, como os EUA, são um vale-tudo, se olhamos de perto.
Duvida? Dicas de aperitivo: Grande demais para quebrar, filme de Custis Hanson baseado no livro do jornalista Andrew Ross Sorkin sobre a punição que deram aos causadores da crise de 2008-2011: receberam mais grana; a segunda temporada de True detective, criada por Nic Pizzolatto, onde vemos a american way of life em ação: gangsters, policiais, grandes empresários e políticos todos da mesma laia. Isso é pouco? Leia os jornais com cuidado em vez de ficar fantasiando sobre o primeiro mundo.
A Operação Lava Jato e a Operação Zelotes vieram provar que não somos nada desorganizados. Pelo contrário, somos extremamente organizados. Somos? A elite brasileira é extremamente organizada. Ela criou mecanismos jurídicos e econômicos perfeitos pra si mesma. Nossos governantes não são incompetentes: eles são eleitos pra fazer a coisa funcionar como sempre funcionou. Se são rebeldes, não conseguem fazer grandes coisas, porque estão presos nesses mecanismos e cercados por colegas zelosos. Com o tempo e a facilidade de meter a mão no bolso dos contribuintes, muita rebeldia esmorece, e como esmorece! Às vezes a elite, muito sentida, tem de ceder umas migalhas aqui e ali pra que tudo continue igual. O sistema funciona tão azeitadamente que a classe média apoia a política dos muito ricos pensando que tem algum lucro com isso.
Enfim, o problema do Brasil não é a esculhambação, é a organização perfeita. Certo que agora entrou um punhado de areia na engrenagem. Mas não me sinto muito esperançoso - somos muito inexperientes em matéria de areia na engrenagem.
Anticomunismo
Não entendo a onda anticomunista. A menos que seja saudade de um inimigo em preto e branco, não entendo. Como você pode ser contra uma coisa que não existe?
Clareza, precisão
Como disse ao Milton Ribeiro, tenho desde sempre uma preferência por escritores de texto claro e preciso, começando por Stendhal e vindo até Dalton Trevisan, mas esqueci de mencionar minha leitura de humoristas e de autores com senso de humor. Me lembro de tardes da minha adolescência em que ficava embasbacado olhando pelo direito e pelo avesso as tiradas do Oscar Wilde, por exemplo. Ou do Mario Quintana. O mais óbvio nessas tiradas é que se você mudar uma palavra de lugar, ou eliminá-la, ou acrescentar outra, você liquida a frase. Naturalmente me matei por anos e anos - e ainda me mato - em busca desse ajuste perfeito.
Raymond Chandler
Sim, cansei de reler o Chandler e adorei saber que ele escrevia numa folhinha pequena, onde cabia apenas um parágrafo. Quer dizer, para ele cada parágrafo era muito importante - tinha de funcionar por si só antes de se encaixar no resto do livro.
Acho que sofro um pouco dessa loucura. Mas?
Com minha mania de ser humorista, logo descobri uma tendência de ir atrás da piada e esquecer da história. Isso é muito ruim. Precisei de um grande esforço pra aprender a cortar, pra me convencer de que uma frase ou cena, por mais brilhante que seja, se não faz parte integral do enredo, se está ali apenas por ser brilhante, tem de ser eliminada. É isso, tudo tem de estar a serviço do narrador, se você deseja mesmo ser contista, novelista ou romancista.

Autor
Ernani Ssó se define como ?o escritor que veio do frio?: nasceu em Bom Jesus, em 1953. Era agosto, nevava. Passou a infância ouvindo histórias e, aos 11 anos, leu seu primeiro livro sozinho:Robinson Crusoé. Em 1973, por querer ser escritor, entrou para a Faculdade de Jornalismo, que deixou um ano depois.  Em sua estréia, escreveu para O Quadrão (1974) e QI 14,(1975), publicações de humor. Foi várias vezes premiado. Desenvolve projetos literários para adultos e crianças.

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