O jeito moderno de demitir

Demissões sempre ocorreram no mercado nacional e gaúcho da comunicação social. Sejam dispensas em massa, nunca assim assumidas pelos empregadores, que preferem usar o …

Demissões sempre ocorreram no mercado nacional e gaúcho da comunicação social. Sejam dispensas em massa, nunca assim assumidas pelos empregadores, que preferem usar o artifício dos CNPJs diferentes (embora as empresas pertençam ao mesmo império da comunicação), individuais ou em consequências das chamadas crises econômicas. Tudo é motivo para afastar os empregados de assessorias de imprensa privadas ou governamentais, jornais, rádios, televisões, portais de notícias e outros meios onde trabalham os jornalistas. Mandam embora porque a repórter faltou para levar o filho ao medico, porque o editor não pode deslocar-se correndo do interior do Rio Grande do Sul, onde descansava na sua folga dominical, para engrossar a cobertura da morte do papa, porque alguém vazou uma conversa de grupo no WhatsApp criticando uma chefia ou porque é preciso ceder espaço em alguma assessoria para um indicado político. E mesmo que os motivos não sejam sempre os mais justos e nobres, faz parte da rotina de todo empregador o ato de demitir. Mas seria bom não usar subterfúgios e disfarçar com nomes pomposos. Em qualquer situação, a transparência e a verdade funcionam melhor.
Pois, de tempos em tempos, no entanto, aparecem nomes diferentes para justificar as dispensas dos profissionais do setor e parece que os novos termos das modernas técnicas de gestão, que apenas reproduzem práticas antigas, terminam por virar moda. As variações são muitas. Porque não existe ninguém mais criativo e cheio de ideias do que o gestor/executivo das empresas de comunicação social. Teve a onda das demissões por não se enquadrar mais no perfil da empresa (essa volta e meia ressuscita). As dispensas pelo duplo emprego, alternativa utilizada pelos profissionais para melhorar a renda, uma vez que o piso da categoria sempre ficou a desejar. Os afastamentos para a aposentadoria de modo a fazer parecer que a interrupção do trabalho foi uma opção espontânea do jornalista e não uma imposição do empregador. E uma ainda usada em larga escala nos dias de hoje é mandar o jornalista para a rua e posteriormente readmiti-lo como Pessoa Jurídica (PJ).
Atualmente, quando é noticiada a demissão de algum jornalista conhecido do público, os empregadores apressam-se em informar que o afastamento ocorreu porque o profissional pediu a fim de dedicar-se a projetos pessoais. Tudo correto. É opção saudável querer trilhar novos caminhos e ousar mais no mercado da comunicação social. Principalmente depois de um longo período atuando na mesma empresa. Não teria problema nenhum se dias após a dispensa, os tais projetos pessoais não fossem quase que exercer o mesmo trabalho em veículos concorrentes. Simples. Projeto pessoal é outro tipo de atividade, longe de apenas trocar o empregador. Na realidade, dedicar-se a projetos pessoais virou a desculpa ideal para mandar embora aquela repórter de televisão especializada em setores complicados e cujo salário pode ser dividido e remunerar três pessoas com menos experiência. Os projetos pessoais servem também para mascarar as rugas do apresentador de televisão que precisa deixar a bancada para não comprometer o elevado padrão de qualidade. E prestam-se para dispensar o jornalista que reclama da jornada excessiva de trabalho, do comprometido politicamente e até mesmo daquele que se arrisca a palpitar sobre assuntos políticos.
Com a recente demissão do jornalista Sidney Rezende, 57 anos, da GloboNews, onde estava desde 1997, temo que uma nova moda possa surgir para explicar as dispensas. Em nota, a Rede Globo informou que ele não foi dispensado, apenas não teve seu contrato renovado, atendendo pedido do próprio demitido, que até onde eu tenha conhecimento ainda não se manifestou sobre esta versão do seu empregador. Coincidência ou não, na véspera de sua dispensa, Sidney escreveu em seu blog no texto Chega de Notícias Ruins que existe "uma obsessão em ver no governo o demônio, a materialização do mal, ou o porto da incompetência", situação que "está sufocando a sociedade e engessando o setor produtivo". E prosseguiu no seu blog: "que uma trupe de jornalistas parece tão certa de que o impedimento da presidente Dilma Rousseff é o único caminho possível para a redenção nacional que se esquece do nosso dever principal, que é noticiar o fato, perseguir a verdade". Sem entrar no real motivo do afastamento de Sidney Rezende, preocupa-me que a partir de agora os empregadores falem que não demitiram, apenas não renovaram o contrato, o que para o funcionário significa exatamente a mesma coisa.
Ninguém gosta de ser demitido. Mesmo que a trajetória pós-demissão seja bem mais promissora ou que ela tenha sido pelos motivos citados no início da coluna. Mas o que mais magoa, na minha opinião, é mentir para o profissional ou tentar camuflar a razão da dispensa, como suponho seja o caso no afastamento do Sidney Rezende. Quase completando 33 anos de profissão, orgulho-me de informar que só fui demitida uma única vez. Nada mais. Mas confesso que doeu. Limpar as gavetas depois de mais de 10 anos na mesma redação. Ouvir de um mandante que eu não me enquadrava mais no perfil da empresa. Doeu sim. Pouco tempo. Até eu descobrir que existia muita vida inteligente, pulsante e interessante fora daquela redação.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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