As redes sociais atuam como um "telefone sem fio"

A brincadeira popular realizada nas escolas denominada "telefone sem fio" se caracteriza por uma história ou frase que é contada ao "pé de ouvido" …

A brincadeira popular realizada nas escolas denominada "telefone sem fio" se caracteriza por uma história ou frase que é contada ao "pé de ouvido" de uma criança e ela precisa repassar a história para o colega ao lado, e assim sucessivamente até que o ciclo se feche, dentro de um grupo determinado e o último a ouvir a história deve repetir a frase aos colegas. Na maioria dos casos, a frase que chega ao final se distancia drasticamente da frase inicial.
A lembrança desta brincadeira é pertinente para a reflexão sobre o risco do "ruído de comunicação", natural nas relações sociais e para compreender a confiança da população gaúcha nas informações disponíveis nas redes sociais.
As redes sociais estão se tornando um local privilegiado de comunicação entre as pessoas, onde há o estabelecimento de relacionamentos e interesses mútuos. Esta forma de comunicação transcende o campo das relações pessoais, neste espaço a mensagem é difundida de forma descentralizada e está presente nas relações entre consumidores e empresas, entre os eleitores e os políticos e assim por diante. Inclusive, as redes sociais estão alterando a forma, a logística de trabalho dos profissionais e dos veículos de comunicação.
No RS mais de 60% dos gaúchos estão conectados as redes sociais. O IPO - Instituto Pesquisas de Opinião realizou grupos focais, nas mais variadas cidades do Estado, para compreender a utilização e a importância dessas mídias, na vida cotidiana da população e, principalmente, como as informações disponíveis são utilizadas. O primeiro fator de motivação no acesso as redes sociais estão associadas ao relacionamento interpessoal, as pessoas afirmam que gostam de saber "o que as outras pessoas fazem" (em especial, sua rede de relações), adoram contar "o que estão fazendo" ou "sentindo", mesmo sob pena de realizar "simulações" para garantir uma postagem nova. Sem contar na possibilidade de "15 minutos de fama" com a chance de "viralizar" um fato ou acontecimento, cobrindo um "furo"!
Quando questionados sobre a "crença" nas informações disponíveis nas redes sociais os entrevistados são unânimes em dizer que nas redes sociais a "muita inverdade", "informação distorcida" ou "intencionalmente plantada". E, é neste contexto que a analogia entre a brincadeira de "telefone sem fio" da escola e as redes sociais se constitui no imaginário popular, "uma brincadeira boa de se fazer para passar o tempo, mas que não dá para acreditar em tudo que dizem".
Os usuários afirmam que "estão aprendendo a se virar" nas redes, desenvolvendo "técnicas de defesa" para validação das informações disponibilizadas nas redes sociais, tanto de amigos, familiares ou sobre notícias ou acontecimentos, para tanto:


  1. a) verifica a credibilidade da fonte ou avalia o histórico da mesma/ seriedade da pessoa no mundo real (inclusive quando se trata de avaliação da postagem de um amigo ou parente);

  2. b) pergunta na própria rede se alguém tem informação ou valida a notícia (inclui contatos inbox);

  3. c) conferir se um meio oficial de comunicação relata a notícia, em especial, jornal impresso ou rede de televisão;


Ao mesmo tempo em que há uma crença parcial nas informações disponibilizadas nas redes sociais, os entrevistados percebem as redes sociais como uma "prática viciante", que estimula "a vontade de ficar olhando", se atualizando "sobre o que os outros estão fazendo, dizendo ou onde estão indo". Afirmam que ao mesmo tempo em que as redes conectam as pessoas (atualiza as informações ou notícias sobre amigos e familiares), causa um esvaziamento de conteúdo, relatado como uma "falta de assunto", tendo em vista muitos dos tradicionais questionamentos de uma relação social foram antecipados "nas e pelas" postagens. O acompanhamento das postagens de amigos e familiares desfavorece as conversas reflexivas e os desabafos, que são substituídos pelos comentários ou pelas curtidas que criam uma sensação de informação sobre a "vida do outro" e uma percepção de que o conhecimento sobre a vida do amigo ou familiar é como "a última frase contada pelo telefone sem fio", sem a certeza de que é a realidade dos fatos.

Autor
Elis Radmann é cientista social e política. Fundou o IPO - Instituto Pesquisas de Opinião em 1996 e tem a ciência como vocação e formação. Socióloga (MTB 721), obteve o Bacharel em Ciências Sociais na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e tem especialização em Ciência Política pela mesma instituição. Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Elis é conselheira da Associação Brasileira de Pesquisadores de Mercado, Opinião e Mídia (ASBPM) e Conselheira de Desburocratização e Empreendedorismo no Governo do Rio Grande do Sul. Coordenou a execução da pesquisa EPICOVID-19 no Estado. Tem coluna publicada semanalmente em vários portais de notícias e jornais do RS. E-mail para contato: [email protected]

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