De pamplonas e matambres

Replicando o que acontece do outro lado do Prata, a gastronomia do Uruguai está passando por interessantes renovações. Uma nova geração de chefs se …

Replicando o que acontece do outro lado do Prata, a gastronomia do Uruguai está passando por interessantes renovações. Uma nova geração de chefs se propõe a reinterpretar clássicos da cozinha pampeira, evitando atalhos e improvisações. E, mais do que tudo, sem desprezar as preciosas heranças italiana, ibérica e crioula. Em novos restaurantes, abertos nos bairros de Pocitos e Punta Carretas, pode-se encontrar comida de raiz, em locais modernos e com atendimento refinado.

***
Começamos com a versão uruguaia do tradicional matambre relleno, a iguaria originária do pampa argentino. Trata-se de um legítimo prato camponês, preparado com a manta de carne e gordura que envolve o costilhar do bovino. Depois de cozido, é enrolado como um rocambole, recheado com toucinho, ovo cozido, sal grosso, além de vegetais disponíveis, como cenoura, agrião, cebolinha, etc. Nos tempos antigos, era amarrado com arame ou um cadarço de couro. Cozido por seis horas ou assado lentamente no fogo de chão, servia de refeição ao tropeiro em viagem e ao gaúcho no campo. Com o passar do tempo, o matambrito (seu nome do lado de lá do Prata), se incorporou à clássica parrillada e servido ao lado de carnes mais nobres. E, em determinado momento (quando?) cruzou o rio, chegou às mesas uruguaias, trocou de nome e foi chamado de Pamplona.

***
Chegamos aqui a uma velha discussão - alguns estudiosos da cozinha platina dizem que o processo se deu de forma inversa. Ou seja, Deus criou a Pamplona no Uruguai e, depois, os vizinhos da outra margem a reinventaram, rebatizando-a como Matambrito. Menos mal, assim podemos desfrutar da iguaria nos dois lados do rio, antes de decidir pela versão que mais nos satisfaz. Quem sentar-se à mesa do concorrido El Parrillón del Pobre Luis,  em Belgrano, Buenos Aires, encontrará no cardápio a versão Pamplona de Cerdo, preparada ao estilo uruguaio. Citando este exemplo, o cronista de culinária do El Pais, de Montevidéu, não deixa por menos:
"A Pamplona é uma espécie de monumento nacional do Uruguai".
O que se diz é que a Pamplona nasceu na cidade de Florida quando um açougueiro usou carne de terneiro, presunto cozido, azeitonas, queijo colonial, pimentão, enrolou tudo em uma manta de carne de leitão e assou lentamente em forno de lenha. As duas iguarias têm raízes conhecidas - a designação Matambre é um portmanteau das palavras mata e hambre, o que revela para o que foi feito - comida para peões e campesinos famintos. Já a Pamplona demonstra em seu nome geográfico origem nas tradicionais carnes curadas da região basca. Ao percorrer botequins e parrillas de Montevidéu, na busca de especialidades crioulas, o Viajante vai ter prazeirosas surpresas. Pode tentar o Chorizo Parrillero, ou seu parente próximo, o Chorizo de Rueda sin Atar. São iguarias que raramente constam do menu que chega à mesa, o que sugere encomenda prévia. Como no caso do Bife de Hígado en Panceta y Laurel, ou o ainda mais raro Asado con Cuero, um churrasco onde o cordeiro (ou terneiro) é assado por horas e inteiro - com couro e tudo. Para compensar, outra iguaria tradicional, a Morcilla Criolla é mais fácil de encontrar. Ao fazer o pedido nas casas da Ciudad Vieja, há uma decisão a tomar, quando o garção perguntar:
"- Vasca o dulce?".
Pois entre os apreciadores da iguaria, ainda se pratica o rito de iniciar os trabalhos com alguns bocadillos de variedades da morcilla - começando com a de Burgos (sangue de porco, arroz, pimentão, cebola), seguida da de León (com hortelã, açucar, cebola) ou pela Andaluza (panceta, cominho, pimentão doce, orégano e alho moído). Então, para assumir o papel de glutão, responda-se:

 "- Una de cada".

***

Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

Comentários