IN FORMA

Por Marino Boeira

Um ano perdido

Um novo ano começa e desejar que ele seja melhor para todos, como se costuma dizer nas festas de fim-de-ano, é uma impossibilidade total porque o mundo é dividido em classes sociais antagônicas e a felicidade de uma delas, é a infelicidade das outras.

O jornalismo, como disse uma vez o Millôr Fernandes, é sempre oposição e o resto "um armazém de secos e molhados". No Brasil, e principalmente aqui no Rio Grande do Sul, o que temos na mídia são grandes supermercados de secos e molhados e pequenos botecos, também de secos e molhados. De oposição, nada.

O jornalismo nasceu e isso qualquer estudante dessas dezenas de cursos de comunicação que hoje existem espalhados pelo País sabe: para protestar contra o exercício de poder da classe opressora e para dar voz aos oprimidos.

Com o passar do tempo, essa função foi sendo esquecida e mais do que isso, o jornalismo, feito desde a chamada grande mídia a até mesmo àquela dos pequenos veículos, se transformou em elemento que reforça essa divisão de classes e de defesa dos opressores.

Tomemos o caso do Rio Grande do Sul, onde a RBS se transformou num grupo empresarial poderoso que usa seus veículos de comunicação - jornal, rádio, tv e internet - para defender um determinado modelo de organização social, política e econômica, o modelo capitalista, que é nocivo para a maioria do nosso povo.

Durante o ano que passou tivemos pelo menos dois grandes acontecimentos, que mostraram como funciona esse esquema jornalístico: o ataque genocida de Israel contra os palestinos no cenário internacional (antes houve ainda a questão da Ucrânia, que perdeu importância na mídia, por causa da Palestina) e o primeiro ano do governo Lula no Brasil.

No plano internacional tivemos uma clara opção pelo apoio a Israel, talvez pela origem familiar dos controladores do grupo, desde os primeiros acontecimentos na Palestina. A exaltada imparcialidade que os veículos da rede diziam ter, foi rapidamente esquecida e a RBS virou um soldado da causa sionista.

Quando os acontecimentos em Gaza, com o genocídio sistemático dos palestinos se tornou conhecido internacionalmente, gerando protestos no mundo inteiro, os veículos do grupo, sintomaticamente, retiraram as notícias das primeiras páginas. como se o massacre tivesse acabado.

No Brasil, o novo governo de Lula nasceu como sendo totalmente oposto ao de Bolsonaro. Essa radicalização de posicionamentos opostos, foi mais de uma vez expressa, tanto por Lula como por Bolsonaro, até mesmo como elemento para conquista de eleitores.

Eleito Lula, os veículos da RBS continuaram tratando as políticas de governo do mesmo modo como fizeram com o Bolsonaro.

Ou os dois - Lula e Bolsonaro - são iguais e a RBS tem razão, ou ela simplesmente inverteu aquela máxima dos anarquistas - "Hay Gobierno? Soy contra!", para ficar assim: "Hay Gobierno? Soy a favor!".

Nunca devemos esquecer que o governo, seja qual for, é sempre um grande anunciante e os veículos de comunicação, especialmente a RBS, vivem do que pagam os anunciantes.

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

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