IN FORMA

Por Marino Boeira

Memórias

Numa sociedade dividida por classes, apagar a memória da opressão é o que faz diariamente, por todos os meios possíveis, o opressor. Mas é uma tarefa impossível, porque essa memória sempre volta, pois o passado de opressão não pode ser totalmente apagado.

O nosso grande poeta Carlos Drummond de Andrade disse isso em versos inesquecíveis no seu poema, Resíduos:

"De tudo ficou um pouco

Do meu medo. Do teu asco.

Dos gritos gagos. Da rosa

ficou um pouco"

Cabe ao oprimido não deixar essa memória se apagar. Nos meios de comunicação, na literatura e no cinema, ela precisa ser continuamente recuperada.

Filmes clássicos fizeram isso: Hiroshima Meu Amor, de Alain Resnais, lembra que o criminoso ataque atômico às cidades japonesas jamais poderá ser perdoado; Aquele que Deve Morrer, de Jules Dassin, recupera as lembranças da paixão de Cristo para que os gregos, submetidos à dominação turca, não esqueceram o gosto da liberdade e Rastros de Ódio, de John Ford, lembra que a grande saga da conquista do oeste americano foi construída com a eliminação dos seus nativos.

O maior exemplo de como a memória é a grande arma dos oprimidos contra os opressores está sendo mostrado hoje na Palestina. Os oprimidos de ontem, os judeus, representados pelo governo de Israel fazem em Gaza, o que os nazistas fizeram com seus antepassados em tantos campos de concentração e extermínio espalhados pela Europa. O holocausto hoje é dos palestinos, ironicamente feito pelas vítimas de ontem.

No mundo inteiro, em nome dos palestinos oprimidos, as pessoas saem às ruas, aos milhares, para lembrar o que os opressores tentam fazer esquecer. Através dos veículos de mídia que controlam e de suas instituições representativas tentam calar a voz dos oprimidos e dos que falam por elas.

Um exemplo disso é a tentativa da CONIB - Confederação Nacional Israelita do Brasil - de censurar os programas de Breno Altman da Opera Mundi que denunciam o genocídio dos palestinos em Gaza.

Essa semana comemora-se no Brasil os 102 anos do nascimento de Leonel de Moura Brizola, um dos grandes heróis da pátria. Ele, mais do que qualquer outro brasileiro, foi calado e impedido de continuar defendendo suas ideias, porque elas puseram em risco o poder dos opressores.

No último dia 22, um pequeno grupo de pessoas se reuniu junto a sua estátua, num pequeno espaço entre o Palácio Piratini e a Catedral para falar um pouco da sua obra e continuar no esforço de manter vivas suas ideias.

Não é uma tarefa fácil porque mesmo entre aqueles que se propõem a isso, estão alguns que por ignorância ou interesses particulares, negam aquela que foi a maior qualidade de Brizola, a sua radicalidade.

Foi muito estranho ouvir o deputado federal Afonso Motta, do PDT, criticar os radicalismos na política num evento em que se celebrava o mais importante dos nossos radicais políticos, Leonel Brizola.

Talvez o parlamentar, que em algum momento de sua vida privada foi um dirigente do grupo de comunicação RBS, tenha feito alguma confusão e pensado naquele grupo de direitistas que fizeram todas aquelas depredações em Brasília em 8 de janeiro.

Ser radical, como foi Brizola, é seguir a definição que deu Karl Marx ao termo - radical é ir à raiz das coisas.

É a memória desse radical que devemos sempre cultuar, como certamente fizeram alguns no último dia 22 na sua estátua junto ao Palácio Piratini do qual ele foi um dos mais ilustres ocupantes.

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

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