IN FORMA

Por Marino Boeira

Lula e o holocausto

Qual o Lula que vai se apresentar hoje? O conciliador, que palpita sobre a realidade internacional usando os mesmos conceitos de dirigente sindical que busca um ponto de interesse comum entre patrões e empregados, ou líder de um grande país, que finalmente assume uma posição?

Depois, de durante vários meses repetir o discurso que equipara a ação militar do Hamas em Israel, uma resposta aos longos anos de opressão sionista contra o povo palestino, ao genocídio praticado pelo exército de Israel em Gaza, Lula mudou de tom e comparou o sofrimento dos palestinos ao dos judeus diante do nazismo.

Estou escrevendo esse texto na terça-feira na expectativa de que Lula confirme amanhã o que disse ontem.

A pressão que ele está sofrendo para mudar seu discurso, condenar os palestinos e absolver os judeus, é intensa.

Há uma conjunção total do lobby judaico representado principalmente pela Confederação Israelita do Brasil e a grande mídia na condenação do discurso feito por Lula na Etiópia. O caso mais flagrante é o do jornal Zero Hora, aqui de Porto Alegre, que no seu noticiário, em editoriais e nos textos dos seus jornalistas vassalos, defende escancaradamente a versão do governo sionista de Israel para justificar o genocídio em Gaza.

O objetivo é claro: levar um público desinformado sobre a História a apoiar os objetivos expansionistas de Israel. Uma manipulação no sentido de confundir antissemitismo com antissionismo é a mais evidente.

Semitismo não é uma noção que se aplique às raças. É uma etnia. Semitas eram povos antigos com uma língua comum, caso dos árabes, judeus, caldeus, fenícios, entre outros. Com o tempo, o termo semita ficou quase que circunscrito aos judeus.

Na chamada Segunda Diáspora, durante a ocupação romana da Palestina, os judeus se dispersaram principalmente pela Europa e norte da África, se dedicando ao comércio ao contrário dos demais povos agricultores.

Sua recusa em se integrar aos povos que conviviam com eles, casando somente com os membros da mesma religião, tornaram os judeus alvo preferido de muitas perseguições desde a idade média.

No final do século XIX, Theodor Herzl, um jornalista judeu nascido no império Austro-Húngaro, vai tentar por um fim a essas perseguições, propondo a criação de um estado exclusivo para os judeus, ou seja, um modelo baseado na raça para um estado nacional. Esse modelo se chamou de Sionismo, numa referência ao Sião, o nome bíblico de Jerusalém.

Embora tenha considerado a possibilidade de criar esse estado em outros lugares (Uganda, na África esteve muito próximo de ser escolhido) a partir do acordo entre Lord Balfour e o banqueiro  barão de Rothschild, 1917, a Inglaterra, que tinha o mandato de controle da Palestina, aceitou a transferência de judeus para a Palestina Histórica.

A ocorrência do chamado Holocausto, com aprisionamento e morte de milhares de judeus nos campos de concentração espalhados pela Europa, deu uma justificativa moral para a criação de um estado judaico, que vai acontecer oficialmente quando a ONU reparte a Palestina entre árabes e judeus em 1948.

A partir daí o Sionismo vai apresentar sua outra característica: além de colonialista (por tentar se apossar de uma terra onde vivia outro povo) é racista, na medida que exclui os árabes palestinos do direito de viver em sua terra de origem.

Desde então, todos os governos israelenses, principalmente a partir da chamada Guerra dos Seis Dias, em 1967, passaram a usar o Holocausto como justificativa para o seu avanço sobre toda a Palestina.

O escritor norte-americano de origem judaica Norman Finkelstein, filho de pais que estiveram em Auschwitz, chamou isso de "Indústria do Holocausto" em um livro divulgado no mundo inteiro.

Diz ele que os líderes das organizações militares que lutaram contra os ingleses durante o processo de formação do estado judaico e da expulsão dos árabes (Irgun, Haganá, entre outros grupos terroristas) não viam com muita simpatia a associação com a imagem do Holocausto, por causa da passividade dos judeus presos e até mesmo pela sua colaboração com os nazistas em alguns casos, como a existência de uma polícia judaica auxiliando os nazistas no Gueto de Varsóvia,

A Guerra dos Seis Dias, segundo Finkelstein fez com que sucessivos governos de Israel usassem o Holocausto como um elemento de chantagem contra todos que se insurgissem em relação aos métodos de tratamento dos palestinos.

Lula é candidato a ser mais uma vítima dessa visão falsa da História que os sucessivos governos de Israel e seus seguidores do mundo inteiro, tentam transformar em verdade.

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

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