IN FORMA

Por Marino Boeira

Tempos de revolução

O pior defeito do ser humano é a aceitação do que lhe é dito como imutável. Toda história da humanidade poderia ser sintetizada na luta de dois grupos, os que dizem que chegamos ao ponto mais alto da vida social e os que dizem que sempre há um novo caminho a percorrer. Esse ápice já foi a Democracia da Polis Grega, o Iluminismo Francês do século XVIII e agora é o Estado Democrático de Direito.

No Brasil, vivemos hoje novamente esse dilema. A chamada esquerda liberal, majoritariamente representada pelo PT, nos diz que o afastamento de Bolsonaro e sua tão desejada próxima prisão, nos conduziu para um mundo sem maiores contradições, onde as dificuldades que ainda existem, serão superadas pela união de todos em torno de alguns objetivos comuns.

No seu famoso poema Nosso Tempo, Carlos Drummond de Andrade traça um retrato bem diferente de como é esse mundo: "Escuta o horrível emprego do dia / em todos os países de fala humana / a falsificação das palavras pingando nos jornais / o mundo irreal dos cartórios onde a propriedade é um bolo com flores, / os bancos triturando suavemente o pescoço do açúcar/ a constelação das formigas e usurários".

Relendo uma biografia de Flavio Koutzii volto aos idos de 1964, quando também estivemos diante do mesmo dilema. Alguns como o Flávio tiveram a coragem de arriscar o passo adiante e partiram para o enfrentamento armado da ditadura que se instalara no País; outros como eu, negociaram uma postura mais cômoda que incluía o repúdio ao golpe e a defesa de uma democracia abstrata que deveria ser conquistada lenta e pacientemente.

Sessenta anos depois, fundamentalmente, persistimos diante do mesmo dilema: ficar onde estamos ou avançar. Com altos e baixos, vivemos desde a promulgação da Constituição de 1988 sob um regime dito democrático. Em princípio todos os direitos são respeitados e até os golpes de estado, como em 2016, são legitimados pelas instituições.

Ficar onde estamos e aceitar um governo medíocre, simbolicamente representado por um ex-operário transformado em porta-voz dos interesses da burguesia urbana e rural, ou dar o passo adiante e lutar pela revolução brasileira e socialista?

Cada um de nós precisa fazer sua escolha e para que ela seja a mais correta possível será necessário, talvez, abandonar antigas posições, buscar informações, ler muito, discutir com quem tenha posições diferentes e nunca perder as esperanças.

O nosso grande poeta já disse o que deve ser feito:

"O poeta declina de toda responsabilidade / na marcha do mundo capitalista / e com suas palavras, intuições, símbolos e outras armas / prometa ajudar a destruí-lo / como uma pedreira, / uma floresta / um verme."

O caminho certamente será muito áspero e difícil, mas a recompensa é muito maior, como o próprio Drummond nos assegura: "Um mundo enfim ordenado / uma pátria sem fronteiras, / sem leis e regulamentos, / uma terra sem bandeiras, / sem igrejas nem quartéis, / sem dor, sem febre, sem ouro, / um jeito só de viver, / mas nesse jeito a variedade / a multiplicidade toda / que há dentro de cada um. / Uma cidade sem portas, / de casa sem armadilha, / um país de riso e glória / como nunca houve nenhum. / Este país não é meu / nem vosso ainda, poetas. / mas ele será um dia /o país de todo homem.

Essa cidade prevista pelo poeta terá que ser conquistada passo a passo. O primeiro é não aceitar o consolo de que hoje estamos em melhor situação do que ontem. Queremos um amanhã muito melhor do que hoje e para chegar lá precisamos mostrar diariamente a nossa insatisfação com o que nos está sendo oferecido.

O único caminho para chegar lá é lutar pela Revolução Brasileira.

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

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