IN FORMA

Por Marino Boeira

As diferenças entre 64 e o 8 de janeiro

Analistas apressados costumam comparar o golpe de 64 com os acontecimentos de 8 de janeiro de 2023 em Brasília, vendo uma continuidade entre os dois movimentos.

A falta de um instrumento adequado de avaliação permite que se estabeleça relações entre os dois acontecimentos, que são apenas aparentes, mas que ajudam um segmento de pensamento político, o dos apoiadores do atual presidente Lula, a buscar uma semelhança entre os objetivos das Forças Armadas em 64 e 2023.

Em primeiro lugar, falta entender quais são os objetivos fundamentais das forças armadas em qualquer regime político. Além da manutenção da integridade territorial da nação, elas servem de forças de coerção para impedir ações que visem atingir o poder da classe dominante.

Nesse caso é precisamente que falta o instrumento de avaliação adequado - a visão marxista de que os governos são apenas representação do poder de uma classe dominante - para que se entenda a diferença fundamental entre os dois acontecimentos históricos no Brasil.

Em 64, a hegemonia burguesa, apoiada pelo imperialismo americano estava sendo submetida a fortes pressões populares. Quem analisou o que acontecia no Brasil que vai de 1961, com a Legalidade e os anos posteriores do governo Goulart após a vitória do Presidencialismo no plebiscito, sabe que o País nunca esteve tão próximo de uma revolução, inclusive com uma opção pelo socialismo.

O golpe de 64 foi dado para evitar que essa opção pudesse se tornar realidade, porque as Forças Armadas, principalmente o Exército, estavam totalmente integradas à visão dos Estados Unidos de que o mundo estava dividido em dois grandes blocos, o dito "democrático", comandado pelos Estados Unidos e o "comunista" sob a tutela da União Soviética.

Já em 8 de janeiro de 2023, o governo que iniciava seu mandato era totalmente servil à burguesia - bancária, comercial e agrária, principalmente - que deu seu aval à eleição de Lula. As pequenas divergências internas não eram suficientes para mobilizar as Forças Armadas para um projeto tão amplo como um golpe de estado.

O que elas talvez quisessem era chamar a atenção para sua importância na nova conjuntura nacional. Como diz o professor Piero Leiner em sua obra sobre as guerras híbridas, a época dos golpes com tanques nas ruas é coisa do passado. Hoje, o que os militares querem é controlar os principais processos de informação dentro dos governos e isso eles já fazem há muito no Brasil.

Então, dizer, como fazem os petistas de que 8 de janeiro foi uma tentativa de golpe de estado, só serve para seus objetivos políticos de igualar duas figuras históricas de grandezas diferentes, João Goulart e Lula da Silva.

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

Comentários