Gilmar Fraga: O desenho como destino

Cartunista do jornal Zero Hora, Gilmar Fraga é premiado dentro e fora do Brasil com sua arte

Por Juliana Freitas, em 09/05/2014
Com experiência como cartazista de supermercado, tendo uma passagem rápida por uma agência de publicidade e caindo nas graças do público com suas ilustrações nos jornais, Gilmar de Oliveira Fraga, cartunista da Zero Hora, vai além de um simples desenhista. Com projetos paralelos, todos relacionados à arte, se revela um artista nato.
Ainda era criança quando um trauma sofrido no olho direito, consequência de uma queda, deixou-o com a visão prejudicada. O mais infame da história é que foi exatamente por esse motivo que Gilmar começou a desenhar. Por mais engraçado que pareça, as recomendações médicas eram desenhar e ler gibis, para que a visão fosse 'treinada'. "Quando vi meu pai entrando com uma pilha de gibis, pensei: 'A vida não é tão difícil'", conta Gilmar.
Tinha quatro anos, e aquela necessidade para atender a um tratamento médico contribuiria para forjar um desenhista de mão cheia, ilustrador de um dos principais veículos do Rio Grande do Sul, premiado dentro e fora do País, com trabalhos paralelos em histórias em quadrinhos, além de artista plástico.
Histórias dos traços
O início no jornal Quarta-Feira, de Viamão, chamou logo a atenção. Contatado pelo jornal RS, do jornalista Sérgio Jockyman, já entrou para a equipe da publicação como cartunista. Ali, lembra que testemunhou e acompanhou casos polêmicos como no Governo Collor e foi da janela do jornal que pôde ver os protestos dos 'Caras Pintadas', que se encontravam na Praça da Matriz, no início da década de 1990.
O ingresso no jornal Zero Hora aconteceu em 1996, quando Gilmar trabalhava em uma editora universitária e um colega o avisou da existência de uma vaga no diário. "E, desde então, cá estou." Com quase 20 anos de casa, o cartunista ocupa atualmente o posto de diretor adjunto de arte, criando capas para cadernos, projetos gráficos, logomarcas, ilustrações, charges e, claro, caricaturas.
Logo que o cartunista foi para a ZH, aconteceu o primeiro fato curioso. Ilustrando a coluna de José Barrionuevo, recebeu uma ligação de um dos assessores do governador Antonio Britto - havia gostado de uma caricatura que ilustrava a coluna e queria dar de presente ao político. "O assessor não sabia que Brito não gostava dos meus desenhos, porque eram bem jocosos. Me disseram que ele recebeu e guardou direto em uma gaveta", lembra o desenhista.
Elogios, na verdade, não faltam, e não são raras as vezes em que o caricaturado telefona pessoalmente para agradecer, o mesmo acontecendo com os admiradores desse tipo de arte. Área, aliás, que lhe rendeu uma ajuda especial. Ele conta: "O artista plástico Danúbio Gonçalves, que trabalhou no jornal Última Hora, do Rio de Janeiro, e conviveu com todos os caricaturistas que eu admiro, costumava me mandar cartas com sugestões e opiniões sobre meus desenhos".
Como também é diretor de arte, lembra que um dos trabalhos mais legais foi quando fez uma capa sobre bissexualidade, com plugs e tomadas representando o tema, para um caderno da ZH. "Derrubamos várias barreiras para poder publicar aquela capa. E um leitor nos ligou dizendo que tinha gostado da ideia. Essas coisas são as mais bacanas da profissão. Quando tu consegue mover o cara que está acostumado a receber, olhar por cinco minutos, e virar a página. O feedback do público, às vezes, é muito mais interessante que o de um profissional", sentencia.
Charge digital
Recentemente, Gilmar foi desafiado a fazer charges. Foi mesmo um desafio porque nunca se sentiu um chargista por ter, acredita, um humor de 'uma tonelada'. "Ou escracho, ou não chego lá", diz. Produzindo para o blog 'Fanáticos', os desenhos são relacionados com futebol e há rodízio de chargistas. Essa nova experiência já lhe rendeu resultados: foi o vencedor da categoria charge, no prestigiado prêmio da Associação Riograndense de Imprensa (ARI), no ano passado.
O cartunista se diz surpreso com o retorno que recebe em relação ao trabalho digital. "Me deixa orgulhoso saber que aquela montagem tem mais impacto no nosso leitor direto", declara Gilmar, revelando que a técnica de desenho utilizada para as charges é diferenciada. "Consulto nosso acervo de fotografia e o próprio jornal e faço uma montagem. É uma maneira de oferecer algo diferente."
Apesar de se intitular um 'torcedor distante', diz que passou a prestar mais atenção em programas esportivos e redes sociais. Entende que "uma das coisas mais tristes" é alguém trabalhar em um jornal ou em veículo de comunicação e não se informar sobre o que está acontecendo, muitas vezes, dentro do próprio veículo.
Arte como vício
O premiado desenhista detém inclusive honrarias de outros países, entre eles França, Argentina e Espanha, totalizando 24 prêmios. Não satisfeito, alimenta outras preferências artísticas: a história em quadrinhos e as artes plásticas. A primeira é resquício da infância, do tratamento para a visão, e a segunda nasceu ainda na adolescência, quando participou da mostra de arte promovida pela Companhia Petroquímica do Sul (Copesul) e pelo Museu do Rio Grande do Sul (Margs), em 1989. Recebeu menção honrosa pela obra, e ali o que mais o emocionou foi saber que Vasco Prado era um dos jurados, "logo ele, um dos artistas que eu mais admirava".
Em relação às histórias em quadrinhos, admite que faça mais por hobby do que por compensação financeira. "É por isso que trabalho no jornal. Para manter meus vícios", diz, sorrindo muito. Suas histórias em quadrinhos já foram publicadas na Espanha e no Japão. Foi também com elas que Gilmar ganhou o primeiro Prêmio ARI. "Foi sobre a tomada de Porto Alegre pelos Farrapos. Era uma série de webcomic, em paralaxes (leves movimentos). Foi uma experiência fantástica. Já faz dois anos e ainda dá acessos", conta admirado.
Com a pintura também tem uma relação muito próxima. Já fez trabalhos abstratos, mas se dedica mais aos desenhos. "Houve um flerte com a abstração", admite. Mas seu foco é o desenho de humor. "Utilizo os mesmos elementos de humor da caricatura", revela, ao mesmo tempo em que informa que participará de uma exposição de arte sobre a Copa do Mundo, ainda neste ano.
Desenho para a eternidade
Gilmar se considera um cara objetivo e um belo 'resolvedor' de problemas, mas revela que um dos defeitos é o da procrastinação. "Tenho que encontrar a solução na minha cabeça, para depois desenhar", diz. Gosta de ir para seu estúdio, fumar seu charuto - que conta ser um gosto recente - e tomar um bom vinho.
Formado em Publicidade e Propaganda pela Ulbra, foi ainda na universidade que conheceu a mulher, Deise, com quem está casado há 19 anos. Do relacionamento nasceu Lorenzo, de 15, por cuja influência voltou a andar de skate e bicicleta. O que faz com gosto: "Quando o filho está nessa fase, creio que os pais dão uma adolescida também. Gosto de me movimentar".
Filho de pais comerciantes, tem uma irmã, Janice, hoje professora. Da infância em Viamão, as recordações das brincadeiras com o carrinho de lomba são as mais vívidas. Gostava de ver como era montado o carrinho, de como funcionava o processo, prova que é da personalidade do cartunista o acompanhamento de tudo. Como ele detalha, "nos trabalhos, gosto de estar presente em todas as etapas, de participar de cada uma delas".
Quando pensa nas referências, se perde em meio a tantos nomes que ajudaram a compor o artista que é hoje. Os caricaturistas Cássio Loredano, José Carlos de Brito e Cunha (J. Carlos) e Antônio Nássara são alguns nomes que serviram de exemplo. Mas tem um artista em especial, o Al Hirschfeld, que fora ilustrador do The New York Times e serve de espelho para Gilmar. "Todos sabiam que a pessoa era famosa quando ele desenhava."
Com a frase 'A beleza não é verdade', de Francis Bacon, Gilmar se mostra uma pessoa sensível na hora de desenhar. "Gosto de trabalhar com o que a pessoa não mostra no físico. Descasco a pessoa, para saber o que ela pode apresentar além daquilo que eu vejo. Quero que as pessoas vejam além daquilo que está à mostra". Ao longo da vida ainda deseja publicar um livro mais autoral, já que ilustra tantos títulos para os outros. Mas diz que o que importa mesmo é o continuar desenhando: "Se isso acontecer, estarei bem".
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