Raquel Recuero: Movida pelo conhecimento

Jornalista, professora e pesquisadora, ela tem sede de aprender

Raquel da Cunha Recuero é uma virginiana nata. A jornalista, professora e pesquisadora carrega o perfeccionismo como sua maior qualidade, embora também o reconheça como maior defeito. Movida pelo conhecimento - no âmbito profissional e pessoal - e sempre em busca de desafios - mentais e materiais, ela não apenas é uma excelente planejadora, mas também uma ótima executora.

Foi assim que chegou ao seu momento atual. Hoje, Raquel é professora e pesquisadora do Centro de Letras e Comunicação da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). No Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ela também contribui como pesquisadora.

Especialista em Comunicação Linguística Aplicada, com foco em Mídia Social, Discurso e Métodos Digitais, Raquel, com a sua sede de aprender, poderia ter seguido áreas distintas. "Queria fazer tantas outras coisas que acho que precisaria viver umas 10 vidas para conseguir fazer tudo", afirma. Foi uma sucessão de possibilidades - e até impossibilidades - que a trouxe para esse caminho.

De repente, jornalista

Pelotense, nascida em 6 de setembro de 1977, filha de um jornalista e de uma professora de Educação Física, Raquel nutriu durante muito tempo o interesse em cursar Medicina para desenvolver pesquisas no campo da genética ou da Medicina Legal - estimulada pelo gosto pela literatura policial. Embora a área até hoje ainda chame atenção, a perspectiva de ter que estudar Anatomia no Instituto Médico Legal (IML) acabou frustrando esse plano.

O Direito era a segunda opção, acompanhado da Publicidade, em terceiro lugar, mas pela influência do pai, que advogou em prol do Jornalismo, a pesquisadora acabou mudando de ideia. "Cursei Direito e Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, concomitantemente. Como me interessei por questões mais amplas da Comunicação, acabei nunca fazendo Publicidade", conta.

A graduação em Comunicação Social veio pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel) e foi ainda no contexto acadêmico que ela começou a explorar o lado de pesquisadora por meio de iniciações científicas. "Ninguém que está na faculdade sabe muito bem o que quer fazer, mas lembro de ter acabado a graduação e saber que queria fazer pesquisa, só não tinha descoberto no quê", pontua. 

Nadando contra a maré

O diploma de Comunicação foi conquistado em 1998, com um ano faltando para concluir o Direito. Portanto, Raquel aproveitou esse intervalo para explorar algumas possibilidades na profissão, atuando em assessoria. Foi nessa época que mais um dos tantos interesses surgiu: a internet. "Pensei em desistir do Direito e fazer Informática, mas meu pai não deixou. Estava sempre no laboratório, onde aprendi a mexer nos computadores e em programas", relata.

Somado aos gostos e às aptidões, o empurrão que faltava para encontrar a área de pesquisa não demorou a vir. Ao contrário dos colegas, tanto do Direito quanto da Comunicação, que conquistavam os diplomas e iam se aventurar no mercado, a jornalista decidiu ir atrás do mestrado. "Fiz duas seleções, uma para o Direito, onde queria trabalhar com direito autoral na internet, e outra para a Comunicação, sobre comunidades virtuais", registra. 

Aprovada na segunda opção, foi assim que a trajetória de Raquel se afunilou ainda mais. No entanto, seguir por esse caminho também trouxe dificuldades, especialmente pela falta de conhecimento no início. "O que estudo? O que eu faço? O que vai ser necessário? Não tinha a quem recorrer. Também era muito nova e foi bem complicado lidar com essa primeira parte", explica.

Além da inexperiência, outro desafio no começo foi algo que, infelizmente, é comum a tantas mulheres: o machismo. "Já ouvi comentários de que tinha 'cara de guriazinha', que não poderia estar fazendo tal coisa, ocupando tal espaço", relembra. Na primeira vez que foi apresentar um trabalho em um evento de renome, chegou a ouvir de um colega: "Você vai fazer sucesso, é carne nova".

Com a mão na massa

Com quase duas décadas na área, Raquel traz no currículo experiências de dentro e de fora da academia e também de dentro e de fora do Brasil. Entre 2005 e 2007, foi consultora de pesquisa do Google, com um projeto focado na extinta rede social Orkut, e dois anos depois, em 2009, assumiu um novo desafio como pesquisadora de Marketing na Lolapps, desenvolvedora e editora de jogos no Facebook.

O doutorado em Comunicação e Informação, também pela Ufrgs, foi conquistado neste meio-tempo, em 2006. Outra passagem internacional foi no MySpace, entre 2010 e 2011, como consultora de pesquisa. "Eram trabalhos voltados a entender o comportamento do consumidor, o que ele faz, o que deixa de fazer e como é que a gente traz um valor maior para esse consumidor", explica. Direcionando-se para o mercado brasileiro, a pesquisadora novamente atuou como consultora, mas para o Media Lab da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), onde teve duas passagens, entre 2012 e 2013 e em 2014.

Hoje, além das atribuições na UFPel, na Ufrgs e no CNPq, Raquel é diretora e fundadora do Laboratório de Pesquisa em Mídia, Discurso e Análise de Redes Sociais (MIDIARS), o qual reúne membros voluntários e alunos de mestrado e doutorado da instituição de ensino pelotense. "É um espaço de discussão, pesquisa, leitura e debate, onde escrevemos artigos em conjunto e fazemos workshops", enumera.

A pesquisadora também é responsável por ministrar treinamentos empresariais focados em Inovação, capital social on-line, métodos digitais, entre outros tópicos. E todo esse conhecimento também está traduzido no papel, pois é autora dos livros 'Redes Sociais na Internet', 'Conversação em Redes Sociais Online', 'Análise de Redes para Mídias Sociais' e 'Introdução à Análise de Redes Sociais'. 

Além de estar envolvida em projetos de pesquisa internacionais, Raquel explica que, atualmente, está interessada em duas grandes áreas: desinformação e saúde pública e desinformação e violência. "É um trabalho que envolve a difusão da violência dentro das plataformas e também a polarização, o que vai um pouco mais para o lado dos discursos políticos", justifica.

Em desavença com o relógio

Raquel retira muita força das lembranças com a avó. Formada em Letras e apelidada de 'Enciclopédia', a matriarca é fonte de inspiração para ela. Das memórias da infância, recorda com carinho do tempo que passava com os irmãos e das visitas nas casas das duas avós, que eram professoras e possuíam bibliotecas em casa. "Lembro de ficar lendo todos os livros possíveis, inclusive as enciclopédias. Sempre tive essa vontade de ler, conhecer e estudar", explica.

Com afeição pelo aprendizado, a jornalista precisaria de mais tempo do que as meras 24 horas que o dia tem a oferecer. Os momentos de folga são dedicados para a família ou para os hobbies, como a aquarela. Inclusive, esse interesse pela arte evidencia as múltiplas faces. "Gosto de ordem, mas gosto de arte, e arte não tem ordem, ainda mais aquarela, que é muito difícil de controlar", pondera. É por isso que, apesar de se perceber como uma pessoa controladora, acredita que consegue se adaptar e ser mais branda em ocasiões distintas.

Além disso, o que não deixa de fazer é praticar as corridas diárias. "Comecei a correr por conta da ansiedade do mestrado. É como uma meditação", compara. Foi a corrida que, inclusive, ditou um novo tom para a relação de Raquel com os esportes. Filha de uma professora de Educação Física, ela já praticou diversas atividades - e detestou todas elas. "Fiz natação, vôlei, basquete e ginástica, que são esportes coletivos, o que sempre odiei profundamente. A corrida é mais pessoal, então me agradou bastante e melhorou minha relação com o esporte", assegura.

De tudo um pouco

A leitura é outra atividade que, apesar de gostar, Raquel não tem conseguido se dedicar tanto quanto gostaria. "Sempre li de tudo, mas hoje sou mais seletiva por conta do tempo", justifica. Fã de literatura fantástica, um dos autores que mais gosta é Neil Gaiman, que está tendo o prazer de reler devido ao interesse da filha na obra 'Belas Maldições'. "Gosto muito de reler também. Tenho uns 10 livros na minha fila e, às vezes, resolvo ler algo que já li", declara.

Ao contrário dos livros, a sétima arte não chama tanta atenção da jornalista, que no lugar das telonas prefere os podcasts. Apesar de já ter sido mais afeiçoada ao rock, metal e música clássica, hoje ela se considera eclética. E assim como pode experimentar os vários esportes disponíveis, a pesquisadora também arriscou no violão, na guitarra, no baixo, no piano e no violino. "Infelizmente, já não tenho mais a destreza de antes, precisaria de mais dedicação", justifica.

O estudo de diferentes idiomas também a atrai. Além do inglês e do espanhol, Raquel estudou italiano por muitos anos, assim como japonês e coreano. "Sempre me interessei por línguas orientais, porque elas têm um alfabeto e um sistema fonético diferente", explica. Por enquanto, contudo, aprender mandarim segue só nos planos.

Olhando para o futuro, Raquel espera continuar acompanhando o crescimento das duas filhas e fazendo o que a deixa feliz, incluindo no campo das pesquisas. "Vamos ver como estarão as condições no Brasil, né? Pois é um país que não valoriza tanto os pesquisadores", pontua. Independentemente disso, ela não baixa a cabeça: "Teve um ano que eu fiz 30 projetos de pesquisa para editais diferentes e ganhei zero. Fico chateada, mas vou continuar fazendo. Sei que vou receber 'não', então são coisas que não me afetam muito mais".

Por esses e outros motivos, Raquel se diz satisfeita com a sua vida. "Sinto-me bem com o que fiz até hoje, com o lugar em que estou e com a minha família", orgulha-se. E é justamente nesse lado que ela vê mais uma dualidade em si. "Sou perfeccionista. Sempre acho que tem mais uma coisa que dá para fazer, mas, por outro lado, aprendi a ser uma pessoa que se satisfaz com o que dá para fazer, enquanto dá para fazer. Embora nem sempre tudo dê certo, estou feliz com as minhas escolhas", afirma.

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