Curso? Workshop? Na verdade, o futuro da reportagem é debatido no Bar do Alemão

Semanalmente, um veterano grupo de jornalistas se reúne no boteco para contar histórias, fazer piadas e, claro, tomar cerveja

Futuro da reportagem sendo discutido - Divulgação/Coletiva.net

Poderia ser um workshop, uma palestra, um curso, um TED, mas o futuro da reportagem é debatido com mais dedicação no Bar do Alexandre. Afinal, sempre às quintas-feiras, o estabelecimento, que carinhosamente também é conhecido como Bar do Alemão - nome do saudoso cachorro amarelo, que recepcionou os clientes do local por 15 anos -, recebe um time que, entre cervejas e pastéis, debate calorosamente sobre Jornalismo. Ali, eles relembram o passado para, assim, refletirem sobre os próximos passos da profissão. O assunto, claro, é sério, mas tudo é feito com muito bom humor.

Em 2015, os jornalistas Carlos Wagner e Elton Werb, ambos ex-Zero Hora, deram o pontapé inicial no que seria um dos clubes com os membros mais fiéis de Porto Alegre: desde sua fundação, não houve uma semana de falha sequer. Obviamente, nem todos os peritos em discutir o futuro da reportagem se fazem presentes em todos os encontros, mas eles acontecem sempre. E Wagner explicou o motivo de tanta dedicação: "O dia em que tirar a conversa de boteco, a gente já era". É naquele ambiente, sem filtro, onde acontecem as trocas de experiências sobre a profissão da maneira mais sincera. 

E a mesa de bar é, de fato, o que une o grupo de jornalistas que, além de Wagner e Werb, conta com os membros cativos Alexandre Bach, Ricardo Chaves (Kadão), Marco Poli, Luiz Reni Coutinho Marques e Márcio Pinheiro. Este último, por sinal, é o pauteiro dos encontros: em seu caderninho, semanalmente, ele leva anotado quais os assuntos a serem debatidos pelos jornalistas. "Não é bagunça", destacou. Mas, na verdade, a bagunça é bem presente... O próprio dono do estabelecimento, Alexandre Kohls, não deixa de fazer piada com os veteranos: "Vou fechar o bar e abrir uma clínica geriátrica". 

Na data em que a reportagem de Coletiva.net esteve no Bar do Alemão, no entanto, a caderneta de Pinheiro mal foi utilizada, pois foi um dia atípico: houve um grande fluxo de amigos - na maioria, jornalistas - chegando e partindo do local, além de três que se sentaram à mesa para acompanhar o grupo na noite: Renato Dornelles, Horst Eduardo Knak e Daniel Marenco, fotógrafo de O Globo, que vive em Brasília.

No boteco, ainda são realizados churrascos mensais - anteriormente, o organizador era Bach, mas ele acabou sendo deposto do cargo pelo grupo, por comprar somente carnes caras. Agora, o responsável é Reni. E o valor para fazer o assado caiu pela metade, feito que é comemorado pelos reporteiros. Mesmo assim, enquanto é zoado pelo grupo, que relembra deste impeachment aos risos, Bach se defende: "Eu só compro carne de qualidade". Outro assunto que sempre rende piadas com o grupo é quando os atletas que frequentam o Centro Estadual de Treinamento Esportivo (Cete) passam correndo pela frente do bar: "É um absurdo esse pessoal correndo com esses corpos sarados aí", diz Márcio Pinheiro, enquanto ele e os demais brincam, em coro, de vaiar um homem que passava se exercitando pelo local.

No meio de brincadeiras - eles não param de se sacanear em momento algum -, rasgam elogios uns aos outros, contando causos e histórias fascinantes sobre as redações pelas quais passaram - tirando Marco Poli, todos trabalharam, em algum momento, juntos. Alexandre Bach, por exemplo, apontou as qualidades de cada um dos seus colegas, demonstrando que, no meio de várias piadas, o clima de admiração está presente no boteco: "Só tem fera". Somados os anos de experiência dos jornalistas sentados à mesa do Bar do Alemão, facilmente, contabilizam-se alguns séculos - apenas Kadão tem 50 anos de profissão.

Mas, afinal, qual é o futuro da reportagem do qual as postagens nas redes sociais dos jornalistas tanto citam? Wagner, por exemplo, acredita que a mudança deve começar pelas instituições de ensino: "A faculdade segue formando pessoas para trabalharem em redações, mas isso não existe mais. Elas têm que empreender". De acordo com ele, os jornalistas que ainda conseguirem atuar em empresas de comunicação não devem sair de lá conhecidos como 'fulano do jornal tal', mas, sim, como especialistas em assuntos específicos.

Mesmo que todos sentados ao redor da mesa do Bar do Alemão tenham algumas décadas de vivência no Jornalismo e contem com histórias de uma época em que a profissão era 'mais romântica', eles não são saudosistas. É consenso que a tecnologia facilitou a maneira de exercer a profissão - inclusive, é por causa do avanço do digital que alguns deles, já aposentados, seguem em atividade, com blogs e redes sociais. Wagner, mesmo após ter se aposentado de Zero Hora, segue fazendo reportagem em seu site. Sim, o Jornalismo mudou e eles acompanharam de perto essa transformação. 

Aquele seleto grupo de jornalistas, que ajudou a registrar boa parte da história do Estado e do Brasil, é receptivo e não se acanha para contar as suas façanhas e travessuras pelas redações em que passaram - a maioria delas, obviamente, são impublicáveis. No entanto, para ouvi-las, basta puxar uma cadeira e pedir uma cerveja. A risada é garantida, assim como a fascinação por viajar no tempo - seja para o passado ou para o futuro. "O dia em que tu puderes sentar em uma mesa de bar, assim, rodeado de amigos, rindo e contando histórias, quer dizer que algo deu certo", concluiu Carlos Wagner.

Comentários