Diversidade Racial: o abismo entre pessoas negras e cargos de liderança nas organizações

Por Luana Daltro, para Tendências - Especial Diversidade

2024. Falamos tanto sobre ser inadmissível em pleno século XXl ainda ocorrerem tantos casos de racismo na sociedade brasileira, que não paramos pra pensar que muitos direitos foram conquistados, após frequentes reivindicações do movimento negro. Evitamos, enquanto sociedade, falar sobre o regime escravocrata e suas consequências, na falsa crença de acreditar que o silêncio não comunica. 

Mas saibam que o processo da abolição ainda pulsa em corpos negros, pois, como diria Jorge Aragão, "somos herança da memória". Pessoas negras e indígenas continuam sendo vistas como forasteiras de suas próprias terras. Então, como podemos pensar em avanços concretos?

Estamos longe de uma sociedade pautada pela equidade. A construção do imaginário social que coloca pessoas negras em lugares de subserviência ou subempregos ainda é onipresente. Constantemente, reforçamos os lugares e os não lugares em que pessoas negras devem estar, e assim criamos um abismo entre poder e grupos sub-representados na sociedade.

São fatores sociais como esses que podem explicar o porquê ainda é tão difícil vermos a pauta da diversidade racial ser considerada como vital nas organizações. Naturalizamos como padrão,perfis como a "tia do café", "a tia da limpeza", ou aquela pessoa estagiária que faz tudo - esses são os lugares já condicionados para pessoas negras. Mas, e em cargos de liderança?

As imagens de controle (Patricia Hills Collins) nos demonstram como corpos negros são destinados a determinadas caixas. Ou seja, perfis que são construídos e reproduzidos ano após ano com base em construções sociais e que reforçam quais são os "papéis" esperados por pessoas negras: os escravizados, os traficantes, as barraqueiras, as empregadas domésticas, as amantes e tantos outros. Todos são perfis que colocam sempre pessoas negras associadas ao negativo ou à subserviência, afinal, não há outro local que essas pessoas possam ocupar.

Segundo matéria do O Globo deste ano, apenas 4,7% das pessoas que se autodeclaram como negras estão ocupando cargos de lideranças, um reflexo da falta de inclusão e desenvolvimento social para equidade de pessoas negras na sociedade. São diversos fatores que ocasionam o abismo entre este grupo e cargos de poder, tais como a falsa abolição e suas consequências, a ausência de políticas públicas que fomentem o incentivo à educação desde a base até a vida adulta, assim como a falta de incentivo à profissionalização.

Não podemos deixar de mencionar o agravamento dessa falta de perspectiva quando pensamos em interseccionalidade - pessoas negras de classe baixa, mulheres negras, pessoas negras LGBTQIAP+ e/ou que tenham algum tipo de deficiência física. Marcadores sociais somados ao fato de você ser uma pessoa negra no Brasil te desqualificam e te colocam com ainda mais disparidade frente a outros grupos na sociedade. Quando colocamos todas as cartas na mesa, torna-se difícil acreditar que ainda existem pessoas que acreditam em meritocracia, tendo em vista que, na caminhada do privilégio, pessoas negras já partem 3, 4, 5 ou mais passos atrás.

Então, como podemos pensar em uma perspectiva de mudança nas organizações se vemos tanta diferença? Há organizações que estão trabalhando com metas de inclusão de pessoas negras no ambiente corporativo seguindo práticas ancoradas em iniciativas como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, ESG (Ambiente, Social e Governança) ou, ainda, com as diretrizes da década do afrodescendente, que se encerra em 2024. Os últimos anos no Brasil, após 2020 com a morte brutal de George Floyd nos Estados Unidos, se tornaram um novo marco para o combate ao racismo e, desde então, vemos mais organizações e políticas públicas sendo implementadas como forma de atuação do antirracismo.

Vimos programas como o realizado pelo Magazine Luiza focados no desenvolvimento de lideranças negras, assim como empresas, como a Avon, criando metas agressivas para cargos de lideranças direcionados para mulheres negras. Mas, ainda pouco se fala sobre a permanência desses grupos nesses cargos. Ao falar em ações afirmativas, estamos acostumados a pensar em políticas de entrada, mas não de retenção. Nosso modelo mental ainda padroniza a vivência de lideranças negras, sendo iguais a de pessoas não negras, pois acreditamos que tudo é forma de bolo. Porém, quando tratamos de grupos que sofreram diversas opressões e violências, precisamos compreender que as ações precisam ser pensadas de modo isolado, cuidadoso e a longo prazo.

Além disso, ações de retenção devem vir acompanhadas de políticas voltadas à saúde mental dessas lideranças, pois a pressão e as síndromes podem acompanhar esses grupos, fora a necessidade de gerir times diversos. São desafios que não são fáceis, mas alcançáveis se apostarmos em desenvolver pessoas negras.

Ainda temos uma longa caminhada. Ações antirracistas, voltadas para o combate concreto do racismo, estão sendo planejadas e desenvolvidas, porém ainda precisamos contar com o apoio de mais pessoas aliadas nessa causa para termos uma escalabilidade e políticas que estejam sendo cascateadas desde a base. Que tenhamos mais ações, políticas, movimentos e organizações construindo um futuro antirracista e que possibilitem mais pessoas negras em cargos de poder.

Comentários