Interseccionalidade: diversidade em camadas

Apesar das políticas de Diversidade e Inclusão, empresas ainda precisam se aprofundar nos marcadores sociais de cada pessoa

No Brasil, o mercado de trabalho é marcado por diversas desigualdades sociais, econômicas e de gênero. Nesse contexto, o conceito de interseccionalidade ganha atual relevância por reconhecer a multiplicidade de identidades e discriminações que afetam indivíduos e grupos minorizados, tais como mulheres, pessoas negras, LGBTQIAP+, pessoas com deficiência, entre outros. Eles fazem parte de minorias que enfrentam barreiras e, consequentemente, limitam as oportunidades de emprego, progressão na carreira e acesso a salários justos. A interseccionalidade permite compreender essas desigualdades complexas e suas interconexões. 

Por exemplo, mulheres que pertencem a grupos diferentes, como afrodescendentes, indígenas, LGBTQIAP+ e pessoas com deficiência, têm experiências específicas e enfrentam desafios distintos. O mesmo acontece com aqueles que pertencem a outros grupos vulneráveis, como os migrantes. Por isso, é fundamental percebê-la para promover a igualdade de oportunidades e combater as desigualdades estruturais. 

 

O que é interseccionalidade?

A interseccionalidade é um conceito desenvolvido pela teórica feminista norte-americana Kimberlé Crenshaw, que busca entender como diferentes formas de opressão - como raça, gênero, classe social, orientação sexual, entre outras - intersectam-se e se sobrepõem, criando experiências únicas de discriminação para determinados grupos. No Brasil, pesquisadoras como Sueli Carneiro, Lélia González, Luiza Barros, entre outros, partem das premissas da interseccionalidade para realizar os estudos. 

No contexto do mercado de trabalho, a interseccionalidade reconhece que as pessoas são afetadas de maneira diferente por causa das múltiplas identidades que possuem, nos permitindo avaliar melhor as desigualdades que uma pessoa sofre. Essa é uma ferramenta para pensarmos a respeito das relações sociais.  

"As pessoas têm diferentes atributos que podem ser promotores de inclusão ou de exclusão, dependendo de como são colocadas na sociedade. Entender isso é fundamental para remediar a situação de determinados grupos", pontua Angelo Brandelli Costa, coordenador do Grupo de Pesquisa Preconceito, Vulnerabilidade e Processos Psicossociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

Para Victor Lambertucci, CEO na Profissas, escola da Diversidade e Inclusão, e especialista em D&I e Comunicação, as pessoas são compostas de vários marcadores sociais e de diversidade. "Precisamos ter urgência e intencionalidade em mudar o padrão social excludente, mas é preciso que as empresas entendam que isso não é somente a parte social, é também uma questão de estratégia de negócios", explica. 

Quais são os benefícios? 

A aplicação da interseccionalidade no mercado de trabalho brasileiro traz benefícios significativos. Ao considerar as múltiplas identidades das pessoas, as empresas podem promover a diversidade, equidade e inclusão de maneira mais efetiva. Isso resulta em ambientes de trabalho mais representativos, os quais valorizam a perspectiva de todos os funcionários, promovem a inovação e aumentam a produtividade. 

Segundo Simone Andriani, líder de Operações da Transcendemos, Consultoria em Diversidade e Inclusão, a interseccionalidade precisa ser considerada dentro do ambiente corporativo. "Dependendo dos marcadores sociais que uma pessoa possui, a interação entre ela e um colega de trabalho será totalmente diferente. Portanto, ao criarmos programas de DE&I para as empresas, precisamos pensar em como as ações podem impactar individualmente cada uma dessas pessoas", adverte.

A profissional avalia que, caso se realizem ações "com o intuito de incluir pessoas da comunidade LGBTQIAP+, não podemos esquecer que as necessidades e os desafios de um homem gay, branco, de classe alta são completamente diferentes das necessidades e desafios enfrentados por uma mulher trans, lésbica, negra, da periferia".

Conforme Catia Eli Gemelli, professora da área de Administração, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS), o espaço organizacional não se distancia da sociedade. Pelo contrário, ele faz parte da sociedade e, muitas vezes, o trabalho organiza a sociedade. "Muitas pessoas passam mais tempo no trabalho do que com as suas famílias. Então, o espaço de trabalho tem uma importância muito grande dentro da organização social e, por isso, queremos que as pessoas se sintam bem e acolhidas no espaço de trabalho", afirma.

 

Por onde começar? 

É importante salientar que, para promover a interseccionalidade no mercado de trabalho brasileiro, é fundamental adotar estratégias específicas, como implementar políticas de diversidade e inclusão. Entretanto, antes de tudo, o primeiro passo precisa ser a educação. Conforme detalha o CEO
da Profissas, há vários vieses inconscientes e preconceitos enraizados na nossa cabeça. "Por isso, é muito fácil replicarmos uma herança excludente. É preciso fazer uma pesquisa de diagnóstico para identificar os problemas e as soluções e, a partir disso, construir um planejamento com metas efetivas, como um Código de Conduta."

Com isso, uma organização consegue iniciar um plano de ação para traçar a jornada do profissional, ao fazer com que a pessoa possa se sentir acolhida, valorizada e incluída dentro de um plano de carreira. Apesar de não ser um tema que aparece em primeiro plano na hora da contratação, as questões de interseccionalidade levantam a discussão de que precisamos olhar de uma maneira mais complexa os processos de inclusão. 

De acordo com Angelo, uma ação para contratação de mulheres, por exemplo, são processos completamente distintos para mulheres brancas e mulheres negras.  "A representatividade e as necessidades de visibilidade e ações afirmativas são totalmente diferentes. Nesse sentido, a interseccionalidade permite um olhar mais afinado no mercado de trabalho sobre o que é a inclusão", constata. 

Contudo, a liderança precisa estar atenta também aos conflitos que podem surgir em times formados por pessoas com características distintas, tendo o papel de mediar essas relações. "Uma liderança inclusiva é aquela que busca acolher, respeitar e dar autonomia a todas as pessoas lideradas e precisa ter uma escuta ativa, oferecer uma avaliação construtiva, ser uma pessoa empática e ter uma comunicação assertiva", relata Simone.

Tenha consciência!

Uma empresa pequena pode apoiar a causa com uma consultoria para algumas ações, criação de políticas, treinamentos sobre comunicação, conteúdos gravados, entre outros, para estimular a conversa e construir um espaço seguro. "Precisamos que as organizações consigam ir além do discurso organizacional vazio. Não adianta uma vez por ano fazer uma palestra sobre diversidade, mas, no dia a dia, não promover nenhuma política e prática por medo de discutir temáticas como racismo, assédio, homofobia, entre outros", propõe Catia. 

Não existe diversidade sem intencionalidade, assim como qualquer meta de negócio de marketing de contratação de produto. A interseccionalidade desempenha um papel fundamental na luta contra as desigualdades no mercado de trabalho brasileiro. Ao abraçar a interseccionalidade, as empresas e a sociedade como um todo podem avançar rumo a um futuro mais justo e igualitário, onde cada indivíduo tenha a oportunidade de realizar seu potencial, independentemente de suas múltiplas identidades.

Projetando o futuro do mercado de trabalho, Catia destaca que as organizações estão dando muito mais valor para a formação integral humana, com pessoas preparadas para entenderem a sociedade e compreenderem a diversidade, do que para a formação técnica. "As empresas vão buscar profissionais para conviverem com pessoas diversas de uma forma livre de preconceitos, preparadas para gerarem um resultado organizacional a partir do trabalho em equipe. Conviver com a diferença está se tornando uma habilidade extremamente necessária de trabalho", finaliza. 

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