98 dias

Por Luciamem Winck, para Coletiva.net

Foi de repente que a sala do meu apartamento se transformou em espaço de produção. Parte da mesa de jantar abriga hoje um computador e o cantinho do café, além de papéis, canetas, agendas, calendário, fones e dois celulares. A mudança do cenário entrou em cena em 8 de abril. E, aos poucos, foi incorporada à rotina da casa. Minha residência hoje é um braço da redação do Correio do Povo. E temos dezenas de braços espalhados pela capital gaúcha, região Metropolitana e Interior.
Lembro que tudo começou em uma quarta-feira, uma semana após eu retornar de um período de férias. Foi quando recebemos o comunicado de que o caminho mais seguro, em meio à pandemia, seria o home office. Recordo que alguns repórteres ficaram inseguros e temerosos com a medida. No dia 7 de abril, os olhares inquietos por vezes eram assustadores. Sabia que o momento era delicado e precisava fazer algo para acalmá-los, como uma mãe que acorda na madrugada com o choro do filho após um pesadelo.

Foi então que, ao término da jornada, enviei uma mensagem a todos os integrantes da minha equipe: "A partir desta quarta-feira estaremos trabalhando de nossas casas (toda a equipe) e é imprescindível sempre questionar se tivermos dúvidas sobre as pautas. Não se apavorem! Estamos apenas passando por uma 'guerra' e lutando em fronts diferentes (cada um na sua casa). Logo estaremos juntos novamente! Façamos a nossa parte bem feita e venceremos a 'guerra'. Deixem os medos de lado! E, por último, contem comigo e com o Henrique sempre!!!".

Sim, estamos em meio a uma guerra travada contra um inimigo invisível, que abate "soldados" amigos e "combatentes" que integravam as famílias de nossos amigos. Abate também nossas "fontes". E que entristecem nossos corações. Mas seguimos firmes nos muitos "braços" da redação do Correio do Povo, fazendo o que há de melhor: informar com credibilidade.

Pensava eu que o home office duraria 30 dias. E hoje chego ao 98° dia distante fisicamente dos meus colegas e amigos, de minha segunda morada, situada na rua Caldas Júnior, 219 - meu segundo endereço há 26 anos. O alvoroço da redação, as conversas paralelas, as trocas de informações, os cafezinhos, os debates com o Chico Izidro, os trocadilhos do Álvaro Grohmann e do Gonzaguinha, as sábias palavras do Telmo Flor e a parceria de todos (todos mesmo!) fazem uma falta danada.
A saudade do que até a chegada do Covid-19 ao Brasil era "o normal" aumenta a cada dia. E sabe lá até quanto tempo vai durar. Vontade de ver meus repórteres - Álvaro Grohmann, Christian Bueller, Cláudio Isaías, Felipe Samuel, Gabriel Guedes e Jessica Hübler - e o meu braço-direto e parceiro de todas as horas Henrique Massaro. O que importa, no entanto, é que a distância é apenas física. Estamos sempre em contato, nas horas mais inesperadas. Pode parecer estranho, mas aprendemos a escutar. Por vezes, na correria do cotidiano, apenas ouvimos. E há uma grande diferença entre ouvir e escutar.


O home office, que mudou a rotina da minha residência, transformou meus filhos peludos - Thor, Lully e Paçoca - em meus assistentes. Ficam deitados em suas camas observando "a mãe" atender dois celulares simultaneamente enquanto prepara a pauta do dia seguinte. Certamente "devem pensar" que fiquei maluca. Mas esse é o meu normal. Fazer várias atividades ao mesmo tempo. É a minha adrenalina, recheada de energia, força e vigor. Há dias mais suaves nesse período de isolamento profissional. Mas há os que adjetivamos de "corridos". Ah, e como os jornalistas gostam das correrias. Se não tem correria, perde a graça.


A experiência me proporcionou uma viagem ao passado. Por vezes recordo das temporadas de cobertura no Litoral, entre os meses de dezembro e março. Inicialmente, pelo Correio do Povo e pela Rádio Guaíba. Depois de 2001, apenas pelo jornal, em razão de ter me desligado dos microfones. O espaço em que produzia as matérias para o jornal ficava no mesmo quarto de hotel em que eu dormia. Hoje, as produções ocorrem no mesmo espaço em que resido.

São experiências novas. São momentos desafiadores. É sobretudo a certeza de que tudo podemos, quando queremos. Sei que um dia - não tenho ideia de quando será! - estarei de volta ao meu segundo lar, rodeada de amigos. Mas com a certeza de que a experiência foi válida. Os desafios foram maiores. Ah, e como gosto de desafios. A vida fica monótona sem eles...

Luciamem Winck é coordenadora de Produção do Correio do Povo.

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