Pinta, um cara inteiro

Por Márcia Christofoli, para Coletiva.net

Despedidas são sempre difíceis, dolorosas, emocionalmente cansativas. Há quem lide com isso de forma mais natural, e que bom. Não é o meu caso. As perdas me doem muito e dar adeus nunca foi muito fácil. Como jornalista da área da Comunicação há mais de 10 anos, perdi as contas de quantas matérias sobre perdas tive que escrever. Isso já aconteceu em diferentes situações, das mais comuns (acordar com a informação no celular ou recebê-la ao longo de um dia de trabalho), até as mais desconfortáveis, como em um Natal, no meio da madrugada, durante férias ou retornando de viagem, ou ainda a caminho da redação, quando tive (por mais de uma vez) que escrever no celular, para não perder tempo.

Registrei em Coletiva.net a morte de desconhecidos, de colegas de trabalho (daqueles com quem dividimos a sala), de pessoas a quem eu admirava. Também tive o desprazer de noticiar o falecimento de dois colegas de faculdade, além de alguns "perfilados" (nome carinhoso para quem entrevistamos e contamos suas histórias na editoria de Perfil - muitas vezes, nos tornamos, ou apenas nos sentimos, próximos dessas fontes após a entrevista).

Hoje, porém, tive que noticiar a perda de alguém que não se encaixava em nenhuma dessas "categorias" acima. Aliás, ele não servia em categoria alguma da vida, tinha uma só para ele. Antônio Roberto Pintaúde tinha muitos títulos que ele mesmo se dava. Era "um cara bonito, inteligente e que dançava bem", e era também "um dos três melhores publicitários do Rio Grande do Sul". Para mim, antes de conhecê-lo, era apenas "um maluco com uma puta história na propaganda". Era assim que eu o enxergava, pelos olhos e histórias de outros.

Fomos apresentados no lançamento de uma das revistas Tendências pelo nosso querido colunista Marino Boeira. Naquela noite de festa, fui convidada para participar de um programa que eles apresentavam, chamado Marketing e/ou Propaganda. Alguns meses depois dessa entrevista, numa rádioweb, ele começou a me procurar, até que recebi o aviso: "Pintaúde está atrás de ti". Marcamos uma reunião para que eu entendesse o que ele queria comigo. Foi quando recebi o convite para ancorar esse mesmo programa ao lado dele, que havia fundado a própria rádioweb.

E foi, então, que comecei a ver "um maluco com uma puta história na propaganda, e um microfone na boca". Ele passava a ser simplesmente o Pinta. Um cara que me abraçava toda vez que eu chegava no estúdio, que sempre lia as minhas colunas no Jornal do Comércio e tinha comentários sobre todas elas. Alguém que sorria fácil, e gargalhava mais fácil ainda, que tinha opiniões fortes sobre a propaganda, mas que sempre queria encontrar uma forma de fortalecer o mercado. Os nossos convidados confirmavam cada vez mais o quanto ele marcou época, o quanto a sua mente era espetacular em termos de criatividade.

Mas o que realmente eu aprendi a admirar foi o coração dele. Um dos primeiros a saber da minha gravidez e guardar segredo no início dela, foi eufórico quando a gestação já era "pública" e fazia questão de acompanhar tudo que acontecia com o Pedro ainda dentro de mim. Entre aqueles tantos títulos que ele se dava, um novo chegou: "Eu serei o dindo mercadológico desse guri!". Pedro nasceu durante a pandemia, quando o estado de saúde do Pinta já havia se agravado, e ele só pôde ver o afilhado mercadológico por algumas chamadas de vídeo, feitas ao longo dos últimos dois anos. Que dor saber que ele não teve tempo de conhecer meu filho.

Ele tinha sede de vida, de alegria, de resoluções de problemas - dos mais simples do cotidiano, aos mais escabrosos da política. Em algumas das homenagens que li hoje nas redes sociais, uma resume bem: ele não tinha medo das palavras. Nem escritas, tampouco faladas. Sabia que era saudosista, mas queria aprender muitas coisas novas ainda. Entre elas, vivia tentando adequar seus preconceitos intrínsecos a uma atual realidade mais desprendida disso. 

Hoje, durante seu velório, soube que, na cama do hospital, isolado por conta da bactéria contraída, queria fazer uma campanha de mídia externa contra o São Lucas, pois era inadmissível o barulho das obras no andar de baixo. E queria mais: convocou o colega de quarto para passar em outras alas e engajar os demais pacientes. Engana-se quem pensa que isso era só uma brincadeira dele. Pinta era revolucionário mesmo, anárquico, intenso. Era inteiro, em tudo o que queria fazer.

Vai em paz, Pinta. Aqui na Terra, na propaganda gaúcha e por onde passaste, fica uma legião de admiradores, pois até mesmo aqueles com quem brigaste (eita, que a lista é grande!) reconhecem o quão incrível foi a tua passagem por nós. O Pedro não conseguiu te conhecer pessoalmente, mas ele saberá o cara especial que tu foste pra mim.

Márcia Christofoli é jornalista e publisher de Coletiva.net.

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