A sala de espera

Por Luan Pires

Hoje, quero falar de dois meninos. Iguais, como se fossem a mesma pessoa, mas diferentes por estarem localizados em espaços de tempo nada próximos. 

- Ah. É você. - Respondeu o garoto de olhos vermelhos, olheiras profundas, voz embargada. Visivelmente tinha chorado. 

- Como você está? - Respondeu o outro que tinha acabado de entrar na sala de espera. Era visivelmente mais velho que o primeiro. Tinha uma barba grande e os cabelos estavam penteados com gel. Ao olhar para o jovem que já estava ali, sorriu de modo triste. 

- Acho que a gente nunca percebe o fim quando ele de fato acontece. E, mesmo assim, o fim nunca chega sem a gente perceber que ele está vindo.  - Disse vendo o outro sentar-se ao seu lado.

A sala era toda branca com alguns quadros modernistas pendurados pela parede. As poltronas estampavam um bege pálido em perfeita harmonia com o tapete marrom sujo. 

- O tempo é uma coisa engraçada. A gente acha que ele cura tudo, mas na verdade não é uma questão de cura. A gente só se acostuma com o espaço menor que algumas pessoas assumem na nossa vida. - Disse o que tinha acabado de se sentar enquanto passava a mão no cabelo impecável.

- Odeio quando falam para deixar o tempo passar. - Resmungou o mais jovem revirando os olhos. As olheiras ficaram mais evidentes. Ele estava magro, vestia um moletom surrado e os cabelos estavam cobertos por um boné. - É como se fosse um membro amputado, como se a ausência futura já estivesse pesando mais do que eu suporto. - Os olhos encheram-se de lágrimas que ele não fez questão de esconder. Ele disse:  - O momento mais difícil foi quando coloquei minha mochila nas costas, com aquela esperança boba que ele gritasse "vamos tentar mais uma vez!". Mas o grito não aconteceu. Ele abriu a porta e no momento que eu cheguei ao corredor eu sabia que não tinha mais volta. Eu era só meu e ele era só dele, de novo.

- Você sempre foi só seu. E ele sempre foi só dele. - Falou o mais velho com tranquilidade. 

- O que é que você sabe? Você é apenas dois anos mais velho que eu. Não fale comigo como se já tivesse descoberto a fórmula da felicidade.

- Você vai ficar doente senão começar a se cuidar.

- Como ele está? - Perguntou quase num sussurro. Não tinha tirado os olhos do chão, parecia não querer encarar o outro ao fazer essa pergunta. 

- Confesso que ainda é estranho cruzar com ele e tratá-lo como a naturalidade de um conhecido... - Deu um sorriso. - Mas ele está lindo, como sempre. Gentil e educado. Os olhos ainda brilham quando fala com a gente. Mudou o corte do cabelo.

- Deixou crescer? - Questionou tirando os olhos do chão e dando um sorriso tímido enquanto ajeitava o boné.

- Sim. 

- Finalmente. Ele fica com um ar de rebelde com o cabelo maior. Eu gosto.

- Ele fica sim. - Respondeu o mais velho sorrindo. - O encontrei uma vez usando chinelos. 

- Mentira! - Gritou o outro em meio a uma risada. Ainda tinham lágrimas paradas nas olheiras dos seus olhos.

- Verdade. - Dessa vez o mais velho ficou em silêncio. As feições da sua face estavam contidas e tensas. Só continuou a falar depois de um suspiro e um balançar de cabeça, como se tivesse querendo jogar algum pensamento fora. - Sempre que eu o encontro, sinto que nunca perderemos a afinidade, mas que nunca seremos amigos também. O amor que a gente sentiu é uma caixa fechada, mas não trancada, sabe? Dentro da caixa existem tantas dores cicatrizadas, tanta coisa não dita, dúvidas que nunca vamos ter a resposta... É impossível ser amigo de alguém que já fomos bem mais do que isso. 

- Em nenhum momento vocês pensaram em voltar? 

- Sempre que eu encontro ele, de alguma maneira meu cérebro fantasia uma volta, um reencontro, um futuro. Aquela ideia romântica de que tudo aconteceu pra ter uma volta. Nesses momentos meu coração sempre sorri. Mas... - Terminou deixando a frase inacabada.

- Mas... ? - Perguntou o mais novo.

O outro não quis responder.

- O que você não quer me contar?

- Vai doer: Uns dias atrás eu conheci o namorado dele. - Conforme falava, parecia analisar calmamente a reação dos outros dois. Ele fazia pausas ocasionais dando a chance deles ficarem em silêncio absorvendo o que ouviam. - Eu o encontrei no parque e o namorado estava junto. Eu já o conhecia pelas redes sociais.

- Aposto que é mais feio que a gente.

- Não interessa. - Disse o mais velho retomando a fala. - Ele parecia um cara bacana, tranquilo como um rio, sem tantas ondas como o nosso mar. E, pela primeira vez depois desses dois anos de término, me senti verdadeiramente feliz por ele. Porque eu ainda o amava, mas o amor não estava condicionado a minha dor. Eu acho que a gente ama uma pessoa pra sempre. O que a gente deixa de amar é o fato de nos vermos juntos com ela. 

Sorriu e fechou os olhos ao continuar:

- Convenhamos, o amor é um não sei cheio de certezas tolas. E dentro desse mar cheio de nada e de tudo, a gente só pode - ainda que bobos e arrogantes - nos jogar. Sem medo de sermos tragados, sem medo de tragar. 

Um silêncio se estabeleceu naquela sala de espera. O de barba abriu os olhos e observou por alguns segundos o outro. Eles pareciam perdidos em seus pensamentos.

- Algum último conselho? - Perguntou o mais novo.

- Um só. Por mais que surja dor, dúvida e frustração durante o caminho, nunca se esqueça que independente disso... o que passou vai ser sempre amor. E o que vier vai ser sempre amar.

O outro sorriu.

Minutos depois, a sala de espera ficou vazia.

Hoje, eu não vou dissecar a mensagem para vocês. Descubram por si só.

Com Amor, Vida.

Autor
Luan Nascimento Pires é jornalista e pós-graduado em Comunicação Digital. Tem especialização em diversidade e inclusão, escrita criativa e antropologia digital, bem como em estratégia, estudos geracionais e comportamentos do consumidor. Trabalha com planejamento estratégico e pesquisa em Publicidade e Endomarketing, atuando com marcas como Unimed, Sicredi, Corsan, Coca-Cola, Auxiliadora Predial, Deezer, Feira do Livro, Museu do Festival de Cinema em Gramado, entre outras. Articulista e responsável pelo espaço de diversidade e inclusão na Coletiva.net, com projetos de grupos inclusivos em agências e ações afirmativas no mercado de Comunicação. E-mail para contato: [email protected]

Comentários