A série documental sobre Angélica e tantas coisas a dizer

Por Marina Mentz

Para quem é fã ou para quem sabe pouco sobre Angélica, a nova série documental original Globoplay é uma boa pedida. Isso porque quem acompanha a artista desde sempre, vai encontrar novas versões de histórias narradas por ela, mas quem conhece pouco, vai ser surpreendido com a grandeza e relevância midiática dela. 'Angélica: 50 & Tanto' foi feita sob a direção da própria artista, em colaboração com Chico Felitti - do podcast 'A Mulher da Casa Abandonada'.  No entanto, a produção é mais do que uma comemoração dos 50 anos da apresentadora e atriz.

Em cada episódio, um tema - e sou aquela pessoa que torce o nariz ao ver que filmes ou séries são divididos assim, pois me parece uma solução mais fácil para roteiros. Porém, em 'Angélica: 50 & Tanto' isso funciona. De acordo com cada tema, convidadas se encontram na casa de Angélica para um tipo de entrevista ou roda de conversa. Dali, sai muito conteúdo relevante e que convida para reflexões maiores.

Como uma pesquisadora das infâncias e violências, não posso deixar de mencionar que está explicitamente presente a declarada violação nas infâncias em diferentes partes da produção. A primeira fala de Angélica, já no primeiro episódio, é sobre abusos sofridos na infância - época em que começou sua carreira. Também foi sugerido que seu nome artístico fosse Lolita, como a personagem assediada por um adulto naquele famoso livro.

Mas depois disso, no segundo episódio, temos Anitta, de 30 anos, fazendo comentários sobre a aparência e seu desejo pelo filho de Angélica, de 18 anos. "Ele é um menino ótimo. Daqui a uns dez anos ele 'está' ótimo", foi uma das frases ditas.

Adiante, em outro episódio, Paula Lavigne diz que quem vê abuso no fato dela ter perdido a virgindade com 13 anos, com Caetano, de 40 à época, é de extrema direita - e que não houve abuso da parte dele. Embora haja o contexto da época e o contexto do relacionamento que se desenrolou depois, dentro disso ainda é abuso - tem a diferença na hierarquia de poder, sem mencionar, claro, a diferença entre idades de uma menina e um homem adulto. Além disso, essa fala da produtora cultural dá uma ideia de regra para algo que é exceção e é experiência pessoal. Naturaliza o abuso.

Dito tudo isso, a série deve ser vista pois destaca, não apenas a vida de Angélica, mas as contribuições de outras mulheres notáveis na história da mídia brasileira - Ivete Sangalo, Preta Gil, Sandy, Maísa, Xuxa, Eliana. Todas elas colaboraram para pavimentar o caminho do cenário midiático. A menção honrosa vai para a participação da gigante Bárbara Paz, atriz, artista visual, cineasta e tão brilhante. Ela soma uma camada a mais na profundidade da narrativa. 

Mas o combate às violências nas infâncias ou às mulheres, precisa ir além do textão.

Autor
Marina Mentz é jornalista, doutora e pesquisadora das infâncias brasileiras. Cofundadora da Bisque Laboratório Criativo, tem experiência na área de Comunicação, com passagens por agências e redações de jornal impresso, televisão, rádio e digital. Há 12 anos, pesquisa a presença das violências contra infâncias na mídia. E-mail para contato: [email protected]

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