Coopítulo 14 - O jornal que acompanha a imprensa

Por José Antonio Vieira da Cunha

O atento olhar do Coojornal sobre a imprensa e seus feitos figurava também com fina ironia e aguda crítica na coluna Perdão, Leitores, assinada pelo Luiz Cláudio Cunha. Chefe da sucursal da Veja e da Abril no Rio Grande do Sul, o que englobava todas as revistas da editora, Luiz Cláudio era um atento leitor, e tomou emprestada a expressão jocosa utilizada pelo O Pasquim para destacar o que via em jornais e revistas, regionais e nacionais.

Já na estreia, na edição de outubro de 1976, Perdão, Leitores registrava a forma como foi noticiada a inauguração da fábrica da Fiat em Minas Gerais. Embora tenham enviado representantes ao evento, os jornais gaúchos não noticiaram que, uma semana antes, um acidente matara um dos pilotos de prova da fábrica quando dirigia um Fiat 147, o modelo que começava a ser produzido no Brasil. "A Zero Hora gastou boa parte da seção Automóveis para falar bem e fartamente dos modelos 147. Para o acidente, sobrou um mineiro silêncio", registrava Luiz Cláudio, autor de um texto simultaneamente criativo e ferino na medida certa.

O viés inicial adotado pelo jornal para a área de comunicação estava expresso já na manchete da primeira edição: "Propaganda x Anunciantes - A guerra das bombachas" dava destaque à polêmica criada por uma campanha institucional lançada por entidade da propaganda para convencer empresas gaúchas a anunciarem mais. O tom irritou os empresários, pois os conclamava a "honrarem suas bombachas", em mensagens que foram encaradas como agressivas e injustas. Coojornal mostrou que a polêmica era tão acentuada que até agências de propaganda condenavam o tom adotado.

Caco Barcelos, jovem que na época portava apenas um 'ele' em seu sobrenome, assinava uma reportagem sobre o Seu Peru - o apelido pelo qual Sílvio Santos era conhecido entre os funcionários de sua recém-criada TV Sílvio Santos. O repórter acompanhou os três primeiros meses da emissora para uma série de reportagens para a revista TV Guia, da Abril. Quando saiu a primeira Sílvio estrilou, ameaçou e fez tanta pressão que as reportagens seguintes foram amenizadas. Este foi certamente o primeiro exemplo do que viria a se tornar uma marca do Coojornal: contar bastidores do que as publicações da grande imprensa escondiam. E ali Caco contou um resumo com as partes que menos agradavam ao empresário-apresentador. A começar pelo apelido, que odiava.

Mais sobre imprensa? Coojornal ouviu comunicadores importantes na cena regional para saber por que haviam dito não a convites dos partidos políticos para se candidatarem a vereador. Lá estavam Ieda Maria Vargas, José Antônio Daudt, Tânia Carvalho, Paulo Lumumba, José Fogaça, Kenny Braga, Luiz Coronel. E os bons lucros da Caldas Júnior também ganharam espaço - afinal, o grupo, que 10 anos depois abriria falência, era então o oitavo no país em rentabilidade segundo o levantamento da edição Maiores e Melhores, da revista Exame. Zero Hora nem figurava no ranking.

Comportamento, ambiente, política e outros temas também mereciam atenção. Ainda na primeira capa estava em destaque uma pergunta: Ninguém vai ouvir este homem outra vez? O jornal chamava atenção para o químico Milo Raffin, que havia denunciado, dez anos antes de sua instalação, o perigo que o empreendimento Borregaard causaria para o meio ambiente. Não foi ouvido, a fábrica foi instalada e em seguida ele comprovou: a água que chegava às torneiras em Porto Alegre continha substâncias que poderiam causar câncer.

O humor tinha um generoso espaço com a seção Quadrão, que Fraga estreara antes, nos melhores tempos da Folha da Manhã. Editado por ele e por Edgar Vasques, tinha jovens colaboradores de fé como Santiago, Juska e Ferré, ao lado de alguns mais escolados como Canini, Bendati e Luis Fernando Verissimo. Fraga entrava com suas frases sempre instigantes - como "A descoberta da América deve-se a Colombo; a exploração da América deve-se às multinacionais" - e Vasques, já conhecido por seu personagem Rango, liderava os cartuns.

Neste início, o Coojornal não podia se queixar do apoio de anunciantes. Ali estavam Samrig, Caderneta Apesul de Poupança, Companhia União de Seguros, Rádio Continental, TV Difusora, Aplub e Livraria e Editora Pallotti. Com o prestígio que o jornal adquiria a cada edição, os anunciantes foram crescendo até o criminoso episódio ocorrido em julho de 1977, quando uma edição levou agentes da Polícia Federal a visitar nossos anunciantes com ameaças nada veladas caso seguissem apoiando a publicação. Mas isso é história a ser detalhada no momento certo.

***

"Jornalistas e Revolucionários - Nos tempos da imprensa alternativa", o livro em que Bernardo Kucinski registra a relevância do Coojornal no cenário nacional, teve a primeira edição em novembro de 1991, pela Scritta Editorial. Doze anos depois mereceu uma edição revista e ampliada pela Editora da Universidade de São Paulo. No capítulo "Coojornal: a consciência da história", Kucinski escreve, ao comentar a perseguição que o jornal recebeu: "Aspecto importante da repressão ao Coojornal foi a sua motivação. Coojornal não se dedicava nem a 'subsidiar' as oposições, muito menos a 'organizá-las'; sua periodicidade mensal tornava-o um jornal mais frio. Seu estilo era deliberadamente sóbrio. Respeitava a moral e os costumes vigentes. Chegou a ser chamado de 'O Estadão dos Nanicos'. Seu tema era o passado recente, oculto, e cujo desvendamento continha lições para o presente".

Bernardo no livro: "estilo sóbrio" para o Coojornal
 

Autor
José Antonio Vieira da Cunha atuou e dirigiu os principais veículos de Comunicação do Estado, da extinta Folha da Manhã à Coletiva Comunicação e à agência Moove. Entre eles estão a RBS TV, o Coojornal e sua Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, da qual foi um dos fundadores e seu primeiro presidente, o Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, a Revista Amanhã e o Correio do Povo, onde foi editor e secretário de Redação. Ainda tem duas passagens importantes na área pública: foi secretário de Comunicação do governo do Estado (1987 a 1989) e presidente da TVE (1995 a 1999). Casado há 50 anos com Eliete Vieira da Cunha, é pai de Rodrigo e Bruno e tem quatro netos. E-mail para contato: [email protected]

Comentários