Coopítulo 51 - Reconhecimento geral (II)

Por José Antonio Vieira da Cunha

Estava aqui, semana passada, comentando episódios de reconhecimento à trajetória do Coojornal, com suas reportagens que repercutiam despertando a admiração e respeito de leitores, colegas e instituições, quando se deu uma coincidência inesperada. A morte da líder das mães da Plaza de Mayo levou o colunista de Zero Hora Eduardo Bueno a registrar o fato e relembrar que foi graças a uma reportagem assinada por ele no Coojornal que o drama daquelas mães guerreiras ganhou impulso internacional. "Locas de Dolor" era o título do trabalho realizado pelo então jovem repórter em julho de 1980, no mensário da Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre. Hoje, mais maduro mas não menos criativo e provocador, Peninha relembrou a história liderada por Hebe Maria Pastor de Bonafini, com quem passou ter uma relação próxima que incluía troca de cartas. Ele contou na coluna:

- (...) Consegui entrevistá-la, em articulação do ativista dos direitos humanos Jair Krischke. Foi um encontro tenso e clandestino. A matéria saiu no Coojornal, de Porto Alegre, e teve grande repercussão no Brasil, na Argentina e no mundo - pois foi o primeiro depoimento de Bonafini a escapar da censura.

A reportagem foi mesmo impactante, a começar pela manchete do jornal, Las Locas em letras garrafais, literalmente como as madres eram então identificadas pela imprensa mundial - Las Locas da Plaza de Mayo. Peninha extrai ouro da conversa com Bonafini, que em julho de 1980 estava em Porto Alegre junto com quase duas dezenas de mães, na tentativa desesperada, mais uma, de falar com o Papa para detalhar seu drama. Graças à interferência do saudoso bispo Dom Antônio Cheuiche, com quem eu deveria ter conversado mais, tio que era de minha esposa Eliete, foram felizes em uma investida para ter preciosos 10 minutos de conversa com o líder mundial dos católicos.

A articulação do Coojornal com movimentos e lideranças identificadas com a oposição ao regime militar era forte e confiável. O editor Elmar Bones era um dos líderes desta movimentação, e foi ele quem contatou o ativista Jair Krischke para viabilizar o encontro com as 18 mães de desaparecidos que, à custa de muitas entregas e sacrifícios, conseguiram viajar a Porto Alegre para o célebre encontro com o Papa. A reportagem reproduz os momentos de tensão e repressão vividos por aquele pequeno grupo em sua estada no Brasil, quando tiveram de lutar contra agentes de segurança que inutilizaram a faixa que trouxeram para gritar seu drama. Uma faixa foi improvisada às pressas para garantir fotos e imagens a serem divulgadas em jornais e emissoras de TV internacionais. Conseguiriam mais que isso, como Peninha detalhou na reportagem:

- Apesar de todos os obstáculos impostos pelos órgãos de segurança gaúchos, elas falaram com João Paulo II. Foi um encontro longo: 10 minutos (...), onde elas puderam fazer suas denúncias e ouvir as promessas do Papa. Um encontro repleto de angústias e de esperanças, que pode mudar radicalmente toda a história do grupo, até hoje feita apenas por decepções, temores, sequestros e desconfiança. Mas, sobretudo, por muita coragem.

O momento histórico ocorreu no ginásio Gigantinho, do Inter, onde João Paulo teria um encontro com religiosas, ao qual as mães tiveram acesso graças a credenciais providenciadas por dom Antônio, então bispo auxiliar da capital gaúcha. O objetivo foi alcançado, embora policiais à paisana tivessem tentado impedir que elas vivessem aquele episódio inesquecível.

Peninha relembra, com orgulho, a entrevista que realizou "num apartamento na Praça da Matriz, de alguém ligado ao Movimento dos Direitos Humanos. Tudo 'secreto', 'clandestino', 'perigoso'. E daí a matéria saiu e explodiu!  Foi mencionada pela New York Times até. Foi a primeira com elas". O hoje reconhecido escritor tem toda a razão em exibir esta medalha no peito de sua obra invulgar como jornalista e historiador.

Para quem quiser saber mais, "Locas de dolor" está entre as principais reportagens destacadas no livro Coojornal - Um jornal de jornalistas sob o regime militar, editado pela Libretos em 2011.

Autor
José Antonio Vieira da Cunha atuou e dirigiu os principais veículos de Comunicação do Estado, da extinta Folha da Manhã à Coletiva Comunicação e à agência Moove. Entre eles estão a RBS TV, o Coojornal e sua Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, da qual foi um dos fundadores e seu primeiro presidente, o Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, a Revista Amanhã e o Correio do Povo, onde foi editor e secretário de Redação. Ainda tem duas passagens importantes na área pública: foi secretário de Comunicação do governo do Estado (1987 a 1989) e presidente da TVE (1995 a 1999). Casado há 50 anos com Eliete Vieira da Cunha, é pai de Rodrigo e Bruno e tem quatro netos. E-mail para contato: [email protected]

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