Coopítulo 57 - O Rio Grande

Por José Antonio Vieira da Cunha

Dez de maio de 1979 foi a data eleita para marcar a circulação da primeira edição de O Rio Grande, o semanário que a Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre idealizou para ter uma publicação que olhasse com atenção e curiosidade para as coisas do Rio Grande do Sul. Não deixava também de ser um contraponto ao próprio Coojornal, que formara uma respeitada imagem de expressão nacional. Foi apresentado com estas palavras:

- É o semanário, que tanto temos anunciado e vem para complementar a atuação do nosso mensário, o Coojornal. Ele vai trabalhar mais em cima dos fatos, sendo mais informativo e mais voltado para o Rio Grande do Sul. Nas suas páginas há lugar para a leitura amena, para o entretenimento. Mas, principalmente, há lugar para toda a informação que contribua para integrar as comunidades, para esclarecer os cidadãos a respeito dos seus problemas, dos seus direitos e dos seus deveres.

O espírito do O Rio Grande estava centrado na premissa de que, além de informar, seria um veículo aberto às ideias, "palco de discussões, instrumento de defesa do interesse público", mais o entendimento de que o jornalismo "deve ser exercido com humildade, com honestidade e independência, sem preconceitos". Foi este o cartão de visitas do semanário, que tinha na redação nomes como Osmar Trindade, Tânia Krutscka, Baru Derkin, Rosvita Saueressig, Sérgio Batsow, Lenora Vargas, Jorge Gallina, Elaine Lerner, Rafael Guimaraens, Eduardo Tavares, Edgar Vasques e Ferré, mais os correspondentes Luiz Recena Grassi, em Brasília, Marcelo Pontes, no Rio, e Geraldo Hasse em São Paulo.

A expectativa era boa, e uma publicação interna da Cooperativa dos Jornalistas trazia um pré-atestado de fé: a manifestação de um médico de Porto Alegre que, ao saber do lançamento, remeteu uma carta para a redação. Era Abrahão Galbinski, que endereçou, em 13 de abril, uma verdadeira declaração de amor e confiança ao que estava por vir: "O aval do Coojornal é irrecusável, por isso quero antecipar-me ao lançamento de 'O Rio Grande', solicitando minha inscrição no quadro de assinantes desse tão esperado semanário".

Quinta-feira cedinho nas bancas era a proposta do semanário, que surgia com uma grande vantagem em relação a publicações do gênero: tinha seu próprio sistema de circulação, escorado no que já se fazia para o Coojornal. Havia um Departamento de Circulação, então dirigido pelo jornalista Renan Carvalho Rodrigues e com um planejamento que envolvia enviar pela rodoviária os 20 mil exemplares previstos para o interior e, com a utilização de kombis, os 15 mil da Grande Porto Alegre. O potencial de vendas foi todo baseado nos números do Coojornal. Renan e o vice-presidente da cooperativa, Tomas Pereira, visitaram previamente 26 cidades, amarrando as pontas para uma eficaz distribuição do semanário. "Os contatos que mantivemos nos deram a impressão de que O Rio Grande vai mesmo ocupar uma lacuna no jornalismo gaúcho e, com isso, conquistar leitores desde o primeiro número", confiava Renan, que também coordenava uma intensa campanha de assinaturas.

O Rio Grande iniciou procurando exercer um jornalismo diferenciado. Na economia, aplicando um estilo claro, simples, sem economês, tentando ajudar o leitor a entender como as decisões na área econômica atingem a sua vida, a vida da sua comunidade e a do país. No cooperativismo, estimulando o debate e a discussão dos principais temas do setor. À Cultura, com cinema, teatro, shows, música, literatura, televisão, estavam reservados 30% do espaço do jornal. As novas tendências, os costumes, o comportamento também teriam abrigo, ao lado de notícias sobre o sindicalismo e o movimento dos trabalhadores. O Rio Grande prometia informar, discutir, acompanhar todas as manifestações populares.

A política deveria receber atenção especial, com repórteres acompanhando as evoluções do quadro político, tanto em nível estadual como nacional, procurando trazer análise e interpretação da realidade. Para o esporte, outro desafio prometido:

- O Rio Grande vai acompanhar os fatos esportivos de maneira diferente, fora do feijão-com-arroz do tornozelo inchado, das declarações óbvias, da repetição cansativa de tudo aquilo que você já ouviu no rádio. Ele vai estar atento aos lances realmente importantes, vai cuidar dos fatos e não do barulho, vai mostrar os personagens e não a sua aparência.

(Continua)

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Para os negacionistas, aqueles que insistiam em entender que o episódio do trabalho semi-escravo na Serra era um exagero da imprensa e de setores da sociedade, o desdobramento do episódio mostrou sua face real com a assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta do trio ASG - Aurora, Salton e Garibaldi - com o Ministério Público do Trabalho. As três vinícolas se comprometeram a pagar 7 milhões de reais para se penitenciar dos erros cometidos no condenável relacionamento com trabalhadores que estiveram a seu serviço. Seus dirigentes seguem em silêncio surpreendente sobre o ocorrido, com as empresas se manifestando somente através de notas oficiais. Na última declaração oficial, logo após a assinatura do TAC, cada uma delas promete seguir o que na verdade já estava expresso em seus princípios (referi na coluna publicada em 27 de fevereiro). Espera-se que agora de fato cumpram o que prometem.

Estranha foi a postura da Salton, que fez questão de ressaltar na sua 'Carta Aberta à Sociedade Brasileira' que a assinatura do acordo com o MPT "não significa e não deve ser interpretada como assunção de culpa ou qualquer responsabilidade pelas irregularidades constatadas". A interpretação deste texto é uma só: eis aí uma declaração pública de que aprendeu muito pouco com o triste e condenável episódio.

Ao MPT, que se mostrou eficaz e rápido na abordagem e solução do problema, restará ficar atento, não só ao que acontece na safra da uva, mas a todas as demais com características semelhantes de trabalho, casos do arroz, do feijão e da maçã.  

Autor
José Antonio Vieira da Cunha atuou e dirigiu os principais veículos de Comunicação do Estado, da extinta Folha da Manhã à Coletiva Comunicação e à agência Moove. Entre eles estão a RBS TV, o Coojornal e sua Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, da qual foi um dos fundadores e seu primeiro presidente, o Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, a Revista Amanhã e o Correio do Povo, onde foi editor e secretário de Redação. Ainda tem duas passagens importantes na área pública: foi secretário de Comunicação do governo do Estado (1987 a 1989) e presidente da TVE (1995 a 1999). Casado há 50 anos com Eliete Vieira da Cunha, é pai de Rodrigo e Bruno e tem quatro netos. E-mail para contato: [email protected]

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