Felicidades tardias

Por José Antônio Moraes de Oliveira

"Da velha chácara triste,
Não existe mais a casa?
Mas o menino ainda resiste".

Manuel Bandeira.

Escritores poderosos, como Marcel Proust e James Joyce, tinham o dom de desvendar as trevas do subconsciente para resgatar suas memórias perdidas. E nos ensinaram que a busca por tesouros esquecidos também traz tristezas e acabrunhamentos. O poeta Manuel Bandeira dizia que, depois de Proust lhe era quase impossível escrever sobre o passado. E que sua memória ficara "de ponta cabeça":    

"Os laços tecidos pela memória são
pedaços vivos do nosso próprio ser".

Os sonhos dos escritores e poetas podem ser compartilhados. Mas será preciso encontrar a chave que destranca o baú de nossos esquecimentos. Cada um tem a sua, perdida ou esquecida em algum lugar no tempo. Para Marcel Proust era

"...uma pequena conchinha, tão gordamente sensual".

Que lhe despertava infindáveis memórias há muito congeladas. Já para o Cidadão Kane de Orson Welles, foi a nostálgica lembrança de um trenó de neve que foi levado para longe de casa - e da mãe. Mas ficou o nome : Rosebud.

Quanto a nós todos, nem poetas nem escritores, as lembranças retornam a qualquer momento - e sem avisar. O gatilho pode ser um rosto na multidão, notas avulsas de uma melodia ou o toque do sino de uma igreja distante. Como nos contos de fadas e duendes, são chaves mágicas, capazes de nos levar de volta à casa paterna e à rua onde brincávamos de esconde-esconde.

No outro dia, ao cortar caminho, passei por meu antigo bairro. Tudo estava mudado, muito diferente do bairro de minhas lembranças. Os casarões e as casas geminadas de porta-e-janela haviam sido postos abaixo e os paralelepípedos da rua estavam cobertos pelo asfalto. Ainda busquei algum vestígio da rua que foi um dia. A alameda dos velhos jacarandás sobreviveu, mas ainda é inverno e a floração vai demorar. 

Melhor voltar em Novembro, quando a rua fica atapetada com flores azuis. Que a mãe dizia brincando, que era um presente da natureza pelo meu aniversário. E eu acreditava.

Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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