Feminicídio: uma tragédia global

Por Márcia Martins

Os feminicídios, que segundo o Código Penal consistem nos assassinatos de mulheres cometidos por razões de sexo feminino, isto é, baseado na questão de gênero e que envolve menosprezo ou discriminação à condição de ser mulher, devem continuar como item prioritário na pauta de qualquer governante. Mesmo que, excepcionalmente, possa ocorrer em determinado período, uma queda no número deste tipo de crime. Relatório especial da ONU sobre Execuções Extrajudiciais, divulgado na quarta-feira, 25 de outubro, reforça que o feminicídio é uma tragédia global de proporções pandêmicas.

"Milhares de mulheres e meninas são mortas anualmente devido à violência de gênero e é essencial investigar e prevenir o feminicídio e responsabilizar os agressores", enfatiza o relator especial da ONU, Morris Tidball-Binz. Para ele, os países estão falhando no dever de proteger as vítimas de violência de gênero e, especialmente, garantir a sua segurança. No relatório, Tidball-Binz disse que centenas de mulheres se encontram no corredor da morte, em muitos países, devido a práticas de processos judiciais e sentenças com preconceito de gênero.

Nunca se sabe quando uma mulher será morta porque o ex-companheiro não aceitou o fim do relacionamento. Ou quando será executada porque o marido entendeu que ela lançou um olhar sensual para outro homem. Ou quando será assassinada simplesmente porque não acatou uma ordem "superior" masculina. Nem quando terá sua vida ceifada porque arriscou iniciar uma nova vida com um outro parceiro. Isso porque, na maioria das vezes, os crimes de feminicídios são cometidos por parceiros ou ex-parceiros.

Somos expostas diariamente a muitos cenários que, na cabeça de quem dita as ordens nas sociedades patriarcais, podem ser motivos de agressões, violências ou mortes. A nossa presença, por exemplo, em estádios de futebol, nem sempre é respeitada pelos machos alfas. Um vestido que deixe à mostra um pedaço das nossas pernas ou que ostente um decote mais profundo, em muitos casos, é o estopim para atos discriminatórios. Sem falar na violência disfarçada, como o manterrupting, quando os homens interrompem as nossas falas, como se não tivéssemos competência para tratar sobre tal assunto.

Enfim, o especialista da ONU pediu que os Estados cumpram suas obrigações e intensifiquem os esforços para investigar e erradicar o feminicídio. Um desejo partilhado por todos os movimentos feministas! Tidball-Binz ressaltou que crenças, costumes, tradições ou religiões locais não devem ser invocados para limitar os direitos de mulheres e meninas ou como defesa contra uma acusação de feminicídio. Mais um sonho alimentado no cotidiano da luta feminista.

Aqui no Rio Grande do Sul, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública revelados no dia 5 deste mês, ocorreu uma queda de 33% nos feminicídios em setembro deste ano, na comparação com o mesmo mês de 2022. Em setembro, foram notificadas quatro ocorrências, contra seis de setembro do ano passado. De janeiro a setembro de 2023, 64 mulheres foram mortas no Estado pela questão de gênero (83 em igual período do ano anterior).

Só iremos comemorar quando realmente estes crimes deixarem de existir. Utopia? Pode ser! Mas a nossa vida, além de ser alimentada diariamente por doses generosas de utopias, é também um exercício cotidiano de resistência. E sobrevivência.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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