Os medos que assombram minhas manhãs

Por Márcia Martins

Não me classifico como um ser extremamente pessimista. Sei que os dias não são sempre iguais e nem de longe perfeitos. Entendi, ao longo da minha existência, que nem todas as pessoas são boas e que, muitas nos decepcionam não por algum desvio de comportamento, quebra de confiança ou desacordo nas atitudes, e sim pelo excesso de qualidades que nós imaginamos que os outros possuem. E, principalmente - sei que pode parecer clichê e me perdoem porque de fato é - mas aprendi que a única certeza que se tem nesta vida é a morte, para a qual não há momento certo ou errado, apenas a dor de quem fica.

Por conta destas reflexões acima, confesso que muitos medos têm assombrado as minhas manhãs de novembro. Não sei se tem relação com astrologia, tipo planetas do sistema solar em desarmonia, se foi alguma praga que caiu sobre o penúltimo mês de 2022 ou se é simplesmente (a razão mais ortodoxa) os caminhos traçados pelo destino, mas os dias de novembro estão doloridos e as noites sombrias.

Depois de um outubro que se encerrou maravilhoso com a derrota de um governo que devastou o Brasil nos últimos quatro anos e de um show memorável do meu ídolo Chico Buarque no início de novembro, parece que tudo desandou. Com as exceções de que o nosso País voltou a ser respeitado no cenário mundial (e nem o presidente Lula assumiu ainda) e de que o presidente atual, que me recuso a escrever o nome, sumiu do mapa e não precisamos mais ouvir as bobagens que ela fala, o resto todo ficou estranho, pesado e sofrido.

Quando desperto de manhã - e evito de todas as maneiras acordar cedo se não tenho compromisso e porque este é um prazer da aposentadoria - me invade um pavor infantil do medo que vai me amedrontar naquele início de dia (mesmo que seja tardio para mim). Às vezes, viro na cama, rolo de um lado para o outro, a fim de retomar o sono e desta forma fugir da realidade que me será apresentada assim que abrir os olhos. 

Numa manhã de novembro, quando amanheci, o País havia perdido a Gal Costa e a voz potente na mais perfeita afinação da musa da Tropicália emudeceu. O Brasil chorou de norte a sul a morte da cantora da voz de cristal, definida assim por João Gilberto na primeira vez que a ouviu cantar. Ainda atordoada com a passagem da Gal, a população recebeu a notícia do falecimento do ator, cantor, compositor e apresentador da TV Cultura, Rolando Boldrin, um dos expoentes da cultura sertaneja e das raízes da música caipira no Brasil. 

Uma semana depois, meu dia foi sacudido com a informação da morte de Maria Isabel Barroso Salgado Alencar, simplesmente a Isabel do vôlei, aos 62 anos. Tudo o que for escrito sobre a importância da atleta para o desenvolvimento do voleibol brasileiro será insuficiente e jamais chegará perto do que foi Isabel para o esporte. Mas além da sua trajetória no vôlei de quadra, em que se consolidou uma das principais jogadoras na década de 80 e posteriormente o pioneirismo no voleibol de praia, ela quebrou barreiras em vários aspectos dentro e fora das quadras e ao atuar em movimentos de inclusão, de justiça social e de manutenção da democracia. 

E, como se novembro ainda não tivesse produzido todos os afastamentos para aniquilar a nossa alegria, na manhã de terça-feira, 22, foi a vez de partir o cantor, compositor e intérprete Pablo Milanés, aos 79 anos. Com um timbre de voz hipnotizante, o cubano encantou gerações. No Brasil, Pablo ficou conhecido ao gravar, com Chico Buarque, a música Yolanda. Um pouco mais tarde, tivemos a notícia da morte do Erasmo Carlos, 81 anos, o Tremendão, figura pioneira no rock brasileiro e fundamental na criação do movimento da Jovem Guarda, na década de 60.

Sei que podem falar ao ler a coluna que estou exagerando, "afinal todo dia morre alguém", e, como escrevi mais acima, "a única certeza da vida é a morte", mas, na minha modesta e nada pessimista opinião (apenas realista), o encerramento do mês de novembro poderia ser antecipado. 

 

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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