Penúltimo

Por Flávio Dutra

Reza a crendice popular que não se deve usar o termo último para qualquer tarefa a ser executada. Último é o fim da linha e depois só a morte. Igualmente não convém usar último com o sentido de o mais recente. Não sou dado à crendices, mas costumo me ater ao rigor gramatical para preferir o mais recente ao último. Na verdade, tenho optado mais pelo penúltimo (a), talvez como forma inconsciente de adiar o último, ou seja, o ato final.

Penúltimo tem seus encantos. Penúltimo é o vice ao contrário e o vice, como ocorre com frequência na política, pode ascender à primeira posição. Penúltimo é  bem dotado de classes gramaticais: é adjetivo quando significa que ocorre ou aparece imediatamente antes do último e é substantivo masculino quando indica algo ou alguém que ocupa essa posição. Penúltimo tem origem nobre, vem do latim paenultimus.a.um. Penúltimo tem a sonoridade das proparoxítonas e pode se orgulhar de conter quatro das cinco vogais, o que não é  para qualquer palavra. 

Quatro são também as versões de penúltimo em inglês, três delas compostas - second to last, next to last, last but one e mais uma latinizada, penultimate. Ou seja, penúltimo está podendo em inglês.

A palavra permite ainda algumas frases de efeito, sendo que uma delas marcou um período da história recente da política brasileira: "...no Brasil de hoje o corno é o penúltimo a saber - o último é sempre o presidente Lula". O autor: Roberto Jefferson, aquele que fez as primeiras - e penúltimas? - denúncias sobre o Mensalão do PT. Bem menos chula é a do neurologista, fisiologista e antropólogo italiano Paolo Mantegazza (1831-1910): "Nenhum homem se julgou jamais o último; até os mais humildes querem ser penúltimos".

Pra falar a verdade, não consegui alcançar o que quis dizer o autor da frase, que se notabilizou por ter isolado a cocaína da coca, utilizada em experimentos para investigar seus efeitos em humanos. Vai ver  tinha dado um pega antes de criar a frase em questão.

Por penúltimo, cabe esclarecer que o mote para esta crônica não tem qualquer relevância e surpreendo-me ao constatar que o assunto já  rendeu pelo menos cinco parágrafos. É que me desafiei a produzir um texto tendo penúltimo como tema, como ocorreu, tem gente que jura que é  verdade, com Chico Buarque de Holanda ao ser desafiado a incluir a palavra paralelepípedo numa de suas composições. A genialidade de Chico teria atendido na antológica Vai Passar:

Vai passar

Nessa avenida um samba

popular

Cada paralelepípedo

Da velha cidade

Essa noite vai

Se arrepiar

Ao lembrar

Que aqui passaram

sambas imortais.

Maravilha. Agora quero ver ele fazer uma música usando penúltimo (a). Já  aviso que estou preparando uma crônica sobre paralelepípedo. Te cuida, Chico.

Autor
Flávio Dutra, porto-alegrense desde 1950, é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), com especialização em Jornalismo Empresarial e Comunicação Digital. Em mais de 40 anos de carreira, atuou nos principais jornais e veículos eletrônicos do Rio Grande do Sul e em campanhas políticas. Coordenou coberturas jornalísticas nacionais e internacionais, especialmente na área esportiva, da qual participou por mais de 25 anos. Presidiu a Fundação Cultural Piratini (TVE e FM Cultura), foi secretário de Comunicação do Governo do Estado e da Prefeitura de Porto Alegre, superintendente de Comunicação e Cultura da Assembleia Legislativa do RS e assessor no Senado. Autor dos livros 'Crônicas da Mesa ao Lado', 'A Maldição de Eros e outras histórias', 'Quando eu Fiz 69' e 'Agora Já Posso Revelar', integrou a coletânea 'DezMiolados' e 'Todos Por Um' e foi coautor com Indaiá Dillenburg de 'Dueto - a dois é sempre melhor', de 'Confraria 1523 - uma história de parceria e bom humor' e de 'G.E.Tupi - sonhos de guri e outras histórias de Petrópolis'. E-mail para contato: [email protected]

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