Preconceito, racismo e despreparo da Brigada Militar

Por Márcia Martins

Um homem negro é agredido numa rua do bairro Rio Branco, supostamente berço majoritário da classe média em Porto Alegre, na tarde de sábado (17), e, ao acionar a Brigada Militar, auxiliado por testemunhas, em minutos passou de vítima a culpado. Não se trata de um defeito de cor. É a falta total de caráter e crueldade do homem branco, morador do local, Sérgio Camargo Kupstaitis, 71, que feriu inicialmente o motoboy, Everton Henrique Goandete da Silva, 40 anos, certamente amparado por uma sociedade racista e preconceituosa. Mas, o que mais espantou no caso foi o despreparo da Brigada Militar, com tratamentos diferentes para o agressor e o agredido, ignorando os depoimentos daqueles presentes ao ato. 

É até complicado de detalhar, mas a Brigada Militar, chamada para prender o branco agressor, algemou e prendeu o motoboy negro, alegando que ele cometeu desacato à autoridade, enquanto tentava explicar para as autoridades da "insegurança" que estava ocorrendo uma inversão. O agredido, levado após até a Delegacia como se fosse um criminoso, dizia aos policiais que ele havia sido ferido pelo morador branco com uma faca ou canivete (não sei ao certo) na altura do pescoço. E o povo, como mostram os vídeos gravados no momento, alertando: "tentaram matar e ele que será preso" ou "olhem o pescoço dele, onde ele levou a facada". 

Uma mulher, mais revoltada ou corajosa (já que nunca se sabe o que esperar desta Brigada), bradou: "isso é racismo puro". Enquanto Everton tinha seus direitos desrespeitados pela BM, era encurralado num canto, massacrado pela violência policial e oprimido mais uma vez pelo sistema, o homem branco, o agressor, o que deu a facada - incomodado, segundo ele, com a aglomeração de motoboys no entorno - foi até o seu apartamento, colocou uma roupa mais adequada e foi confortavelmente conduzido até a Delegacia, acomodado no banco de trás do carro policial. E com a conivência da BM deixou na sua casa a faca/canivete usada para agredir o motoboy. 

É inegável que a suposta diferença da Brigada Militar no tratamento aos envolvidos tem uma única explicação: o racismo. Apesar dos inúmeros apelos das testemunhas alertando que a abordagem estava equivocada, aos policiais só existe o cenário de que se há um agressor e um agredido, é claro que o agressor será o negro. E o governador, ignorando todas as cenas visíveis nos vídeos gravados, fez uma fala infame, descabida, que só poderia ser proferida por alguém sem acesso às imagens ou que compactua com o racismo: "não podemos reagir a isso de forma precipitada e de preconceito contra a polícia".

Por favor, me poupe sr. Governador. Nós estamos fartos de tanto despreparo da sua Brigada Militar. Nós cansamos de ver tantos casos de racismo sendo abafados. Chega de silenciar. Medite um pouco sobre parte do depoimento do motoboy Everton: "tinha que pegar o indivíduo e, como ele (o policial) me pegou, fazer igual. Só que eles não fizeram isso daí. Foram para cima de mim como se eu fosse um saco de lixo. E eu não sou um saco de lixo. Eu sou um trabalhador como todo mundo que tem nessa rua, na rua de lá, na Zona Norte, Zona Sul, em todos os lugares".

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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