Quero minha páscoa de volta
Por Flávio Dutra
A Páscoa que vem aí será mais triste do que o significado da própria data para os cristãos, que relembram o sacrifício de Jesus Cristo na cruz . Já vou esclarecendo que este não é um texto sobre religiosidade, muito menos uma profissão de fé, apenas a rememoração de um tempo em que a Páscoa era celebrada em grande estilo e o que isso representava para minha geração.
Podem me chamar de velho saudosista. Assumo e confesso. Confesso mais: era a minha festa religiosa preferida, porque, além dos mimos de chocolate, desfrutávamos do maior feriadão escolar. Começava na quinta-feira e incluía até a segunda-feira, na chamada Pascoela (o prolongamento da Páscoa), pelo menos nas escolas religiosas, como o Marista Rosário, onde eu estudava.
O inconveniente é que não se comia carne vermelha, a abstinência, e os peixes de então eram cheios de espinhas, acho que para forçar a gente a ser comedido nas refeições, seguindo a recomendação católica para jejum (nada a ver com o jejum sugerido agora por Bolsonaro) e sacrifício no período pascal. Não respeitar essas tradições era pecado - será que mortal? - e podíamos ser condenados à danação eterna no inferno. Vade-retro satanás.
Nas igrejas, as imagens dos santos eram cobertas de tecido roxo e só descobertas no domingo, quando, segundo relato dos evangelistas, Jesus Cristo ressuscitou dos mortos. Fui pesquisar e soube que o roxo é uma das cores da quaresma, porque teria sido em panos dessa cor que Cristo foi coberto quando levado à cruz. Até hoje tenho minhas reservas com o roxo pela associação inevitável com sacrifício e morte.
As rádios só tocavam réquiens, no máximo música orquestrada, e os apresentadores caprichavam ainda mais na locução em tom grave. É bem verdade que ainda não existiam as barulhentas FMs. Os cinemas reexibiam "os filmes de romanos". Assim eram genericamente conhecidos entre a garotada épicos como O Manto Sagrado (com Vitor Mature, Oscar de canastrice), Rei dos Reis, Ben-Hur, Quo Vadis, Os 10 Mandamentos, entre outros. As emissoras de TV preparavam programas especiais ou também apelavam para os mesmos filmes antigos que, à época, nem eram tão antigos. Nas famílias, falava-se em voz baixa em respeito ao morto ilustre e também não era incentivada qualquer tipo de confraternização.
Eis que chegava o domingo e a alegria voltava. Era o renascimento em forma de chocolates, mesa farta no almoço em família, podíamos até beber um pouco de vinho misturado com água e a contrição de antes era substituída por saudáveis algazarras, pelo menos entre a criançada. E a vida seguia seu curso.
Quero minha Páscoa saudosa de volta, mas se a pandemia não permitir que a mensagem do renascimento da festa cristã esteja presente como um manto de esperança sobre todos nós, tão frágeis nesse momento. Por uma Páscoa de esperança redentora, roguemos com fervor.