Saudade urgente e pungente de tantas pessoas e situações

Por Márcia Martins

Os meus primeiros dias de 2024 chegaram dominados por uma saudade urgente e pungente de tantas pessoas e situações que me exigirão força para superar a que não pode ser suprida e urgência para resolver a que está ao meu alcance. Não se trata de um início de ano melancólico ou triste. Talvez um tanto realista. Mas com a certeza de que, mais do que nunca, é preciso aproveitar até a exaustão o momento presente, curtir os afetos, alimentar as amizades, reforçar os laços familiares e correr atrás de tudo o que pode nos proporcionar pequenas e necessárias doses de felicidades.

A saudade pungente é aquela das pessoas que foram importantes na minha vida e, por motivos diversos, não integram mais o meu cotidiano. Amigos (as) afastados, ou pelos compromissos diários de todos que se acumulam, ou pela ausência de tempo ou mesmo pela distância, que em alguns casos pode ser transposta desde que haja sobra financeira. É o caso da Adriana Thomasi, que hoje mora em Fortaleza, e faz uma falta danada para bebericar um vinho comigo e ouvir minhas lamúrias. E das quatro Seconetes (*) que não encontro mais há muito tempo.

 E existe também a saudade impossível de ser sanada porque é um sentimento de pessoas que já morreram. De quem cultivo com emoção as recordações e momentos bons. As companheiras Santa Irene e Michele Sandri, que faleceram em março de 2021, sempre excelentes parceiras de militância e prontas para a luta feminista. Persiste e se faz presente todos os dias e noites da minha vida a saudade do mano Dedé, Dédi ou Luli (falecido em maio de 2003) e da mãe Mirthô, que partiu para o andar de cima em julho de 2011. É uma saudade pungente que às vezes machuca tanto que chega a doer.

Nestes casos, vale lembrar o pensamento de Clarice Lispector. "Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida". E eu a sinto muito do Dédi e da mamis Mirthô.

Por enquanto, vou atrás, com caráter de urgência, de sanar as saudades que podem ser resolvidas. Situações banais, mas que me fazem tão feliz. Como passear pela Rua dos Andradas sem agenda apertada e sem aquele monte de obra obstruindo a passagem. De ir ao cinema e depois me permitir olhar as vitrines e tomar um com café. De um chá no final da tarde com as maninhas da Saudosa Maloca (**). De um café com a mana Tia Lili. De apenas esticar as pernas. De caminhar pela Cidade Baixa e pelo Bom Fim. De viver a vida.


(*) Seconetes - nome dado ao grupo de amigas que trabalhou na Secretaria de Comunicação do Governo de Tarso Genro no RGS de 2011 a 2014

(**) Saudosa Maloca - apelido da turma de Comunicação da PUCRS que entrou na faculdade em janeiro de 1979

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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