Tarzan morreu afogado

Por José Antônio Moraes de Oliveira

Naqueles verões no Passo Grande, eu tentava sem conseguir contar quantos eram meus primos e primas. Eram muitos, os mais próximos moravam nas terras da fazenda e outros, mais distantes, na Vila das Dores ou na outra margem do Camaquã. Os guris mais chegados eram companheiros em tolas - e nem sempre inocentes travessuras. Já os mais distantes só apareciam na Festa dos Reis Magos, mas depois sumiram e não soube mais deles. 

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E havia os mais chegados da gente, como a mãe falava. Os que continuaram na memória afetiva e, às vezes, nos sonhos, mesmo quando voltamos de vez para a casa na cidade. Bem recordo das primas Heloísa e Maria Clara, com coxas brancas como leite e tão belas de ver em seus vestidos floreados e com cabelos trançados. Entre os primos, um dos mais chegados era o filho mais velho do tio que morava perto dos areais da Lagoa. O Orlando Moraes era um guri forçudo, que ajudava a apartar o gado e montava como gente grande.  

Ele gostava de se mostrar, galopando em um potro azulego recém-domado. Eu ficava quieto, mas admirava demais aquelas habilidades campeiras e gostaria de saber fazer igual. Quanto aos guris da fazenda, ficavam mordidos, tentando imitar as proezas do primo. Ou subindo nas árvores mais altas, ou dando mergulhos no lado raso do rio Camaquã. Mas o Orlando não se vendia barato e se via alguém imitar uma de suas façanhas, já aparecia com outra, mais arriscada e difícil de imitar. E lá ia ele, dando risada, se lançando da figueira do rio, com mergulhos de cabeça e nadando de braçada correnteza acima. As primas batiam palmas e davam gritinhos, enquanto os guris não conseguiam esconder a inveja. 

Uma pequena vingança veio de um dos mais despeitados, o primo Chico Feio. Foi ele que inventou o apelido de Tarzan do Camaquã. Mas o Orlando acabou gostando e passou a dizer que era o Tarzan dos Moraes. E sem demora, aprontou uma proeza ainda mais perigosa e arriscada. Atou uma corda em um galho no alto da figueira e se balançando como o Rei das Selvas, se lançava na parte mais funda do rio. Um reboliço para todos que assistiam e até veio gente da vila para ver os "vôos" do Orlando. 

Mas um dia, aconteceu o que estava por acontecer - o galho que prendia a corda se partiu e o Orlando despencou, caindo de mau jeito no rio. Na hora, nós todos aplaudimos, achando que era coisa da encenação. Mas o tempo foi passando e nada do Orlando voltar. Os gritos e risadas silenciaram e veio o medo e o choro. O arrependido Chico Feio correu em busca de ajuda, mas quando os homens da vila chegaram era tarde demais.

Orlando havia batido a cabeça em uma pedra no fundo do rio e ficou preso nas raízes da figueira. Foi uma tragédia para a família, que culpou os primos por incentivar as maluquices de Orlando. Depois disso, ninguém mais falou nem mergulhar no Camaquã. E quanto a mim, perdi o meu entusiasmo pelas aventuras do Tarzan. 

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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