Diversidade e Comunicação: Carlos Macedo e a representatividade como forma de mudança

Formado em Letras, ele que é escritor e quadrinista, conversou com Luan Pires

Carlos Macedo publicou artigo nesta quarta-feira - Crédito: Arquivo pessoal

Carlos Macedo transita pela Comunicação de diferentes maneiras. Formado em Letras, é escritor e quadrinista e seus trabalhos mais recentes são os roteiros dos quadrinhos 'Zona de Transferência' e 'Gabrielas', ambos em parceria com a ilustradora Mariana Couto, com quem criou o selo independente O Ornitorrinco. Além disso, trabalha como professor de inglês e tradutor. Repleto de referências da cultura pop e segmentos paralelos, Carlos resumiu o seu pensamento em uma frase que de tão boa, ressalto aqui também: "Eu sempre penso que a maior arma do capitalismo é a capacidade de transformar qualquer coisa em produto, até mesmo a diversidade"

Queria começar pedindo pra você falar um pouco das suas obras e a importância da representatividade em narrativas comunicacionais para a sociedade.

Normalmente, meus personagens são pessoas negras, mas a pauta em si fica mais no subtexto. Quando a gente fala de representatividade, estamos falando também de enxergar histórias de grupos minorizados escritas por pessoas participantes desses grupos. Sabemos que existe - de forma muito presente na nossa sociedade - o racismo, a homofobia e outros preconceitos. A gente está sempre lutando contra. Mas, a parte de lutar também significa mostrar que nossa vivência não se limita a isso. Temos outras facetas. Não quero falar só de racismo, mas acho importante falar disso também. Entende? Nos quadrinhos isso é mais fácil porque é mais visual, mas na literatura se você escrever um personagem de maneira mais ampla, as pessoas vão pensar num personagem branco. A gente é condicionado a isso. Então, ainda é preciso um esforço descritivo para gerar representatividade.

Acredito que não só personagens, mas também escritores, produtores... Quanto mais gente, mais possível representar essa verdade menos estereotipada e múltipla. Dessa linha, me vem a próxima pergunta: o que você de escritores brancos escrevendo personagens negros em suas histórias? 

Eu acho que é válido, mas precisa ter cuidado. Existem autores que conseguem fugir dos estereótipos e fazer uma boa representação e outros que não conseguem. É preciso sempre ter o cuidado de tentar se colocar no lugar do outro. Afinal, quanto mais diferente o personagem é de você, mais cuidado precisamos ter para não cair em estereótipos. Um exemplo bacana da cultura pop contemporânea é o homem-aranha do Miles Morales criado por uma pessoa branca, o Brian Bendis. Ele criou um dos grandes ícones da cultura pop nos últimos anos. Parte do sucesso é porque o personagem parece real, parece um menino negro crível, com referências e embasamento.

Você sente que tentam te colocar em uma caixinha por ser um escritor negro? Como isso influencia na sua produção? 

Me pergunto sobre isso. A minha vivência pessoal acaba influenciando de uma maneira mais ampla, sim, afinal o preconceito no dia a dia é real. Quando a gente entra em uma loja, a gente sente os olhos do segurança, ou quando passamos no corredor do mercado e vemos que o segurança falou algo no fone dele? Acontece com muita frequência. Eu uso muito transporte público, algumas vezes o ônibus estava lotado e o banco do meu lado ficou vazio, além de outras situações. Mas no meu caso, na minha vida atual, isso acontece mais fortemente nesses locais mais públicos. No dia a dia, nos espaços que eu estou como professor ou escritor, noto que tem uma questão racial presente, mas que se manifesta de maneira diferente - que machuca igual - mas é mais inconsciente. Aquela coisa de você estar em um lugar onde as pessoas querem mostrar a todo custo que não são racistas. Gosto de comparar com a professora de Chris, da sitcom 'Todo Mundo Odeia o Chris': ela quer tanto mostrar que não é racista que acaba sendo. Hoje em dia trabalho em um ambiente mais elitizado que são espaços que acabam sendo mais brancos, afinal, conforme você vai subindo na pirâmide social, mais branca a população vai ficando. Nesses espaços, muitas vezes, as pessoas acabam fazendo coisas que seguem essa linha de ações inconscientes.

Você acha que narrativas podem ajudar na luta contra o preconceito?

Sim. Afinal, a gente pode aprender a ver as coisas sob a ótica de outras pessoas. Essa é uma dica: acesse conteúdos sobre as pautas de grupos minorizados feitos por pessoas desses grupos. Eu penso que a sensação é a mesma que eu senti quando li 'O conto da Aia', romance da Margaret Atwood que virou série. Ter pelo menos um início de entendimento da questão das mulheres. Precisamos sair das nossas bolhas.

O que é diversidade e inclusão para você?

Eu sempre gosto de diferenciar a questão de representatividade e representação. Alguém escrevendo personagens de grupos minorizados que é pertencente a esses grupos é representatividade. Mas, quando temos um homem branco direcionando uma narrativa que não é de sua vivência, acredito que seja mais representação. E acho que a gente precisa de mais representatividade para ter mais inclusão. A questão da diversidade também é importante, mas existem empresas usando pautas identitárias para se promover. Eu sempre penso que a maior arma do capitalismo é a capacidade de transformar qualquer coisa em produto, até mesmo a diversidade. Mas, ao mesmo tempo que isso é problemático, também é a oportunidade que temos de espaço. Eu amo o filme 'Pantera Negra', por exemplo. Já vi algumas vezes. Mas, tenho consciência que o filme é resultado da Disney usando a diversidade como produto para se beneficiar e por fim vender. Temos que lembrar que quem detém o poder ainda é o homem branco, cis, hetero e rico. Mudar as estruturas de poder seria um passo importante para uma mudança mais significativa. 


Esta matéria faz parte de um conteúdo especial sobre diversidade e Comunicação, produzido por Luan Pires para Coletiva.net. Quinzenalmente, o jornalista publica uma entrevista exclusiva com o articulista do dia. Para conferir o artigo de hoje, assinado por Carlos Macedo, clique aqui.

Autor
Luan Nascimento Pires é jornalista e pós-graduado em Comunicação Digital. Tem especialização em diversidade e inclusão, escrita criativa e antropologia digital, bem como em estratégia, estudos geracionais e comportamentos do consumidor. Trabalha com planejamento estratégico e pesquisa em Publicidade e Endomarketing, atuando com marcas como Unimed, Sicredi, Corsan, Coca-Cola, Auxiliadora Predial, Deezer, Feira do Livro, Museu do Festival de Cinema em Gramado, entre outras. Articulista e responsável pelo espaço de diversidade e inclusão na Coletiva.net, com projetos de grupos inclusivos em agências e ações afirmativas no mercado de Comunicação. E-mail para contato: [email protected]

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