Correspondentes: o interior do Rio Grande do Sul em pauta

Da região central, aos vales e às serras, Everson Dornelles, Renato Oliveira e Stephany Sander levam informações aos veículos da Capital

Everson Dornelles, Renato Oliveira, Stephany Sander - Crédito: Arquivo pessoal dos entrevistados

Cobrir, compreender e noticiar a complexidade das múltiplas facetas do Rio Grande do Sul pode ser uma tarefa árdua para as redações de alguns dos principais veículos do Estado. Com 281.748 km² de extensão, 497 municípios e cerca de 12 milhões de habitantes - que trazem consigo distintas histórias, realidades, sotaques e dialetos -, apenas as sedes, em maioria localizadas em Porto Alegre e envoltas na correria metropolitana, não conseguem compreender as movimentações e prioridades de quem habita as regiões interioranas.

E é para suprir essa necessidade que entra o trabalho dos correspondentes do interior. Renato Oliveira e Stephany Sander compartilharam dessa função por muitos anos. Ambos atuaram no Correio do Povo até o início deste ano, quando foram desligados em meio às reformulações do jornal. Já Everson Dornelles é quem leva informações de Santa Rosa e região para os veículos do grupo RBS.

Um por todos

Stephany tinha apenas 24 anos quando foi convidada pelo Correio do Povo para assumir a função de correspondente do Vale do Sinos. Com a maior parte da experiência voltada ao rádio, a primeira dificuldade que enfrentou foi textual. "Eu nunca tinha trabalhado com impresso, então o grande desafio era fazer uma matéria 'coxuda', como a gente fala, mais completa", explicou. Além disso, a jornalista, até então inexperiente, também aprendia como se desdobrar em duas, três, quatro! "Ir para a pauta, produzir, escrever e enviar junto com as imagens, que era algo que eu nunca tinha feito até então", contou.

Everson está na função há menos tempo. Foi convidado para ocupar o posto em agosto de 2019, parte de um projeto da RBS de reestruturação na cobertura das regiões. Apesar de hoje desenvolver a função com naturalidade, ele também passou pelos corriqueiros perrengues de adaptação, principalmente em relação ao tempo das produções. "Quando tinha cinegrafista, as tarefas eram divididas. E hoje eu preciso conversar com a fonte e prestar a atenção na imagem que estou captando", justificou. "Mas no final sempre dá certo", garantiu.

Por outro lado, Renato, que se tornou correspondente da região Central do Estado para o Correio do Povo em 2001, acredita que o maior desafio de todos era conseguir estar sozinho à frente da informação, enquanto outros veículos contavam com equipes para isso. "Durante 21 anos, trabalhei sozinho tendo como concorrentes os jornalistas da RBS, além de colegas do jornal A Razão, Diário de Santa Maria e rádios da região", contou. E na batalha pela notícia mais apurada, recente e com as melhores fontes, "era sempre eu contra eles", divertiu-se.

Nada de solidão por aqui

Mesmo nas batalhas solitárias contra os demais veículos, Renato contou que não pensava muito sobre isso. "Eu era totalmente dedicado ao Correio do Povo e gostava do que fazia, apesar de ser sozinho", pontuou. E foi este trabalho que lhe rendeu diversos prêmios no Jornalismo em pouco mais de duas décadas de atuação. "Meu objetivo sempre foi levar a informação como ela é, além de atuar com humildade perante todos os segmentos", contou o jornalista, que hoje atua nas rádios Imembuí e Nativa FM. 

Apesar de sentir falta de estar em uma redação movimentada, Everson também se adaptou e tomou gosto pelas viagens solitárias que faz em busca das pautas - sempre na companhia das músicas favoritas e de Deus. E nesses momentos, mesmo com a atenção voltada à estrada, ele não abandona nenhuma pauta: "Tenho um suporte para celular no vidro do carro e está ali preparado para gravar algum flagrante". Quando faz uma pausa do volante, aproveita para atualizar as redes sociais com as canções que estava ouvindo e interagir com os seguidores. "A solidão na estrada já não é um problema, é uma terapia", ponderou.

Stephany também contou que nunca se sentiu sozinha. A jornalista considera que o trabalho lhe proporcionou muitas amizades em prefeituras e veículos regionais, que até a ajudavam com a sugestão de pautas. Apesar da falta do suporte que uma redação movimentada proporciona, por ser uma pessoa "independente", como ela mesma se define, a função de correspondente acabou caindo como uma luva. "Eu fazia produção, matéria, foto e isso exige uma certa organização, não pode procrastinar", afirmou. Além disso, a profissional sempre podia contar com a ajuda das editoras do Correio do Povo e dos assessores que entravam em contato.

Notícias que deixam marcas

Ainda relembrando de seus primeiros momentos como correspondente, Stephany considera que a matéria mais marcante que fez foi a primeira. Em maio de 2012, ainda não existia o viaduto da Avenida Unisinos, em São Leopoldo, e os moradores faziam um protesto para a construção de uma passarela. "Eu fui pra lá correndo, não sabia o que ia encontrar", lembrou. Mas tudo deu certo: "Me marcou muito pela correria e inexperiência, ainda sim consegui mandar a tempo do jornal fechar". Além desta, em fevereiro de 2019, também acompanhou a queda de parte da histórica Casa do Imigrante, na mesma cidade. "Particularmente, vivi um pouco da história dela quando criança, era um museu muito bacana. Por isso tive um sentimento a mais ", afirmou.

Em 2002, Renato foi o responsável por informar à Capital sobre a invasão de uma fazenda pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), às margens da BR 158, em Júlio de Castilhos. "Consegui entrar na propriedade na carroceria do caminhão que levava os ativistas, tudo isso sem ser percebido", contou. Mas, com certeza, a maior cobertura - em relação à dias, esforços, relevância e vítimas - foi a tragédia da Boate Kiss que, em janeiro de 2013, deixou 242 pessoas mortas e feriu outras 636, em Santa Maria. "Cheguei no local por volta das 3h20 da madrugada depois de ter sido acordado pelos bombeiros, por telefone. Foi junto do fotógrafo João Vilnei que acompanhei os difíceis momentos iniciais e continuamos cobrindo as investigações, até o julgamento - onde também estive presente", contou.

Everson considera que o trabalho como correspondente pode ser limitante para produzir grandes reportagens, mas, com o passar do tempo, surge a vontade de se arriscar a fazer conteúdos diferentes. "Tive oportunidade de fazer algumas matérias bem mais produzidas, que nem dá pra dizer que toda a externa foi feita por uma só pessoa", afirmou. Contudo, o trabalho que tem no coração foi quando acompanhou uma expedição de pesquisadores atrás de uma onça pintada, no Parque Estadual do Turvo, na cidade de Derrubadas. "Fiquei três dias junto com eles à procura de vestígios. Olhando a reportagem, dá pra dizer que ficou estilo documentário e Globo Repórter", comparou. O jornalista também contou que, até hoje, quando mostra a produção, as pessoas custam a acreditar que fez sozinho. Mas fez, como um bom correspondente faz.


Esta matéria faz parte da série especial 'Correspondentes' do Coletiva.net, que será publicada de 28 a 31 de março de 2022. Na reportagem anterior, Bruna Ostermann, Flávio Ilha e Hygino Vasconcellos compartilharam os detalhes de levar informações do Rio Grande do Sul para veículos nacionais. Na próxima matéria, Marcos Losekann e Rodrigo Lopes contam sobre a experiência como correspondentes em conflitos internacionais. Não perca!

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