Escândalo em Cannes reacende alerta ético no mercado publicitário brasileiro

E no Rio Grande do Sul, Coletiva.net conversou com a Anamid e ARP para saber se o episódio pode trazer desdobramentos ao mercado gaúcho

Após escândalo, Cannes Lions retira Grand Prix da DM9 e Consul - Crédito: Divulgação

A retirada de 12 troféus concedidos à agência brasileira DM9 no Festival Internacional de Criatividade Cannes Lions 2024, após a constatação de uso de conteúdo manipulado por inteligência artificial (IA), provocou forte repercussão no mercado nacional. A campanha 'Consumo Eficiente de Energia', criada para a marca Consul, da Whirlpool, havia vencido o Grand Prix em Creative Data e um Leão de Bronze em Creative Commerce. No entanto, foi desclassificada após a organização do evento identificar a manipulação de vídeos e o uso de dados fora de contexto no videocase apresentado à banca de jurados.

O episódio resultou no desligamento do então presidente da DM9, Ícaro Doria, que assumiu total responsabilidade pelo ocorrido. Em nota, a agência também optou por retirar outras duas campanhas premiadas, elevando para 12 o número de Leões devolvidos. O caso levantou discussões urgentes sobre ética, transparência e os limites do uso da Inteligência Artificial na comunicação publicitária.

Impacto no Prêmio ARP

Entidades que representam o setor, como a Associação Riograndense de Propaganda (ARP) e a Associação Nacional do Mercado e Indústria da Comunicação (Anamid), manifestaram-se ao Coletiva.net sobre o impacto do caso e as possíveis repercussões para o mercado criativo. Para Fernando Silveira, presidente da ARP, o escândalo representa um prejuízo grave à imagem da Publicidade brasileira no cenário internacional. "Uma vez feito errado, muitos passam a acreditar que sempre foi feito errado. O impacto é muito ruim. Isso joga uma sombra sobre agências, empresas e criativos sérios", afirmou.

Fernando também defende que a agência envolvida fique afastada de premiações por um tempo. "Não errou por engano. Errou querendo errar, querendo ganhar, usando o caminho do equivocado", enfatizou. O dirigente adiantou que a entidade já discute mudanças no regulamento do tradicional Salão ARP. "Estamos estudando possibilidades de análise prévia. De antemão, vamos acrescentar um compromisso de idoneidade na inscrição, com penalidades claras a qualquer tempo", anunciou.

IA exige vigilância ética, defende Anamid

Já o presidente da Anamid, Sebastião Ribeiro, destaca que a entidade está criando um comitê específico para discutir o uso ético da IA. "As transformações provocadas pela inteligência artificial são gigantes e assustadoras. É preciso manter atenção redobrada e vigilância permanente", alertou.

Sebastião defende que o associativismo pode ser uma ferramenta essencial para evitar deslizes como o da DM9. "Quando uma empresa está associada, ela está exposta diariamente a reflexões éticas, boas práticas e discussões com outros profissionais. Isso, por si só, já reduz as chances de comportamentos inadequados", explicou.

Ele ainda ressalta a importância de estabelecer protocolos claros de transparência. "Precisamos sinalizar quando qualquer tipo de conteúdo foi feito ou alterado por IA. Esse é o mínimo do mínimo", pontuou.

Memória curta 

O Festival Cannes Lions já anunciou mudanças em suas regras para as próximas edições, como a criação de um código de conduta, a exigência de transparência no uso de IA e a análise técnica dos materiais inscritos por especialistas em ética e tecnologia. Apesar da repercussão, Fernando Silveira acredita que o mercado brasileiro tende a esquecer rapidamente o ocorrido. "Infelizmente, temos memória curta. Amanhã ou depois, profissionais da agência estarão em palcos, talvez até falando sobre ética", comentou, com ceticismo.

No entanto, ambos os presidentes concordam que o caso serve como um alerta contundente. E, mais do que punir, o momento exige reflexão, responsabilidade e ação coletiva para preservar a reputação da criatividade brasileira.

DM9 Sul já teve atuação em Porto Alegre

Entre 2011 e 2015, a DM9 Sul operava em Porto Alegre, sendo posteriormente incorporada pela Pereira & O'Dell, em uma reestruturação promovida pelo Grupo ABC. Ao longo de sua trajetória, a DM9 marcou presença em momentos históricos da publicidade brasileira, foi a primeira agência do país a conquistar um Grand Prix em Cannes, criou campanhas icônicas e passou por ciclos de encerramento e retomada de atividades.

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