Alfonso Abraham: Viver pela fotografia

Alfonso Abraham seguiu os passos do pai na fotografia e hoje não se separa da câmera

A fotografia sempre fez parte da vida de Alfonso Abraham. Filho de José Abraham - reconhecido fotógrafo nos anos que vão de 1950 a 1970 e até hoje o mais premiado do Estado -, herdou do pai a profissão e o apelido: Espanhol. Foi no mesmo local, onde hoje funciona seu estúdio, que ainda menino, entre nove e 10 anos, revelou as primeiras fotografias. Natural de Barcelona, imigrou para o Brasil aos dois anos, quando o pai e a mãe, Maria Abraham Lhereux, deixaram a Espanha fugindo da ditadura que havia voltado a se instaurar no país, após a Guerra Civil. Hoje, dedica-se a registrar as belezas da capital gaúcha e as paisagens do Estado. "O dia em que eu não fotografo é muito chato", enfatiza.
Os tanques de revelação de filmes do laboratório do pai não existem mais, foram destruídos para dar espaço aos novos equipamentos. Entre um chimarrão e outro, retratos emoldurados nas paredes e artigos raros de fotografia, Alfonso explica os trabalhos realizados através da própria empresa, a ALD Produções Fotográficas - focada em fotografia de natureza e painéis - e recorda a trajetória profissional, na qual ele, aos 61 anos, contabiliza 35 de atuação. "Para ser modesto, não vou considerar a época em que trabalhei com meu pai", explica.
Clicando por aí
A primeira câmera ganhou aos 15 anos, uma Minolta. Naquele momento, no entanto, já tinha intimidade com o equipamento e chegava a substituir o pai em trabalhos, como a cobertura de casamentos. Em 1969, um convite de Assis Hoffmann o levou ao laboratório da Zero Hora e, mais tarde, à Folha da Manhã. Também teve passagens pela Focontexto, primeira agência de imagens brasileira, que produzia para diversos veículos do País, entre eles os jornais Estadão e Folha de S.Paulo. Ainda na década de 1970, viveu cerca de um ano e meio em Campo Grande, onde trabalhou como freelancer para os grupos Dirigente Rural e Visão, e editou a revista Campo Agropecuária, ao lado da ex-mulher e de mais dois amigos.
Um novo convite e foi trabalhar na campanha do senador Pedro Simon. "Foi aí que conheci o mundo político e me engajei nessa área, que, até então, era desconhecida para mim", recorda. Foi chefe do departamento fotográfico da Assembleia Legislativa, atuou junto ao governo de Germano Rigotto, de 2002 a 2004, mas sempre, paralelamente, administrou o próprio estúdio. "Nunca deixei de lado a herança profissional que meu pai me concedeu. Sempre dei continuidade ao trabalho dele", frisa.
Na trajetória, também editou dois livros e organizou mais de 25 exposições, sendo a última delas "Porto Alegre - a cidade do futuro". Hoje, tem a independência profissional como o principal desafio enfrentado. "Tenho meus clientes, minha agência. Fiz a minha independência, o que eu acho que é o sonho de qualquer profissional."
Mudança de enquadramento
Embora marcada quase que exclusivamente pela fotografia, na trajetória de Alfonso também consta um projeto no setor bem diferente daquele ao qual está acostumado. Em 2010, ao lado da esposa Diana Lauthert, com quem é casado há 11 anos, montou o Café da Imprensa Livre, que funcionava no mesmo prédio da Associação Riograndense de Imprensa (ARI) e tinha como proposta o estilo galeria. "A ideia era que ela cuidasse do café e eu, da galeria. Pensava: "Não vou mais precisar pedir espaço para ninguém. Agora eu vou ter a minha galeria", recorda.
A dificuldade em conciliar os cuidados com o novo empreendimento e o estúdio, aliada à descoberta do câncer de mama da esposa, entretanto, levou os dois a aceitarem uma proposta de venda do espaço. "Levei um choque. É quando alguém fica doente, que sentimos o quanto realmente se ama essa pessoa", resume. O tratamento de Diana dura até hoje, mas a doença está controlada.
Entre os projetos próximos está o lançamento do livro "Porto Alegre em Preto e Branco", uma edição fotográfica voltada a turistas. "Trabalhamos com a ideia que de muitos nem sempre têm 150 dólares para comprar um livro colorido, mas têm 15 ou 18 dólares para investir em uma obra", explica. Além das imagens, o livro trará um histórico, contando um pouco sobre cada local ou ponto turístico. Também está nos planos a conclusão da graduação em Letras, curso que faz na PUC e que precisou parar por três vezes. "Se tudo der certo, eu me formo no próximo semestre", confia.
Um sonho e uma câmera
Um pouco de romântico, um pouco de sonhador. A mistura dessas duas características forma a personalidade de Alfonso. "Gosto mais do verso do que da prosa. O amanhecer e o entardecer são os horários mais interessantes para mim", conta, ao justificar o primeiro atributo. Já o segundo pode ser percebido pelo seu processo de composição de imagens. "Estou sempre "viajando". Tem fotos que eu sonho e vou atrás para fazer. Sou assim", garante. Essas particularidades também podem ser relacionadas àquelas que ele considera seu principal defeito e qualidade: acreditar demais nas pessoas e ser otimista.
Fã da literatura, costuma ler vários livros ao mesmo tempo e a preferência é por romances e obras históricas. O mais recente que finalizou foi "1808", de Laurentino Gomes, sobre a vinda da família real portuguesa ao Brasil. Colecionar filmes antigos é um hobby para Alfonso. Está sempre atrás de alguma obra e aprecia bastante o faroeste ou bang-bang norte-americano. "Não contei ainda, mas devo ter entre 80 e 100 filmes", revela.
No rádio - que, aliás, permanece ligado durante toda a conversa -, acompanha bastante a programação noticiosa. Já quando o assunto é música, diz que adora as clássicas e, logo depois, confessa: "Tu vais achar um saco, mas eu adoro aquela música peruana de praça, tocada com flauta". Canções de conteúdo crítico e engajado também ganham os ouvidos do fotógrafo. De Mercedes Sosa, por exemplo, tem toda a obra, conhecida pelo fundo político e social. No esporte, as atenções ficam com o futebol, no qual torce para o Grêmio, e com os campeonatos de vela.
 
 Um outro ângulo
Da infância, Alfonso guarda com carinho a lembrança das pescarias ao lado do pai. Vizinho do Lago Guaíba, tem como atividade de lazer a visita a lugares como a Ilha da Pintada, Itapuã e Lami. Claro que sempre acompanhado da câmera fotográfica. "Comprei uma Lumix com lente Leica, que é uma máquina menor, mais versátil, e não pesa tanto. Eu a levo para tudo que é lugar, 24 horas, seja sábado, domingo, no cinema? Em qualquer lugar, sempre pode acontecer alguma coisa", previne-se.
Não consegue dissociar os momentos de folga da busca por novos ângulos da cidade, novas paisagens. Por isso, as escolhas estão sempre ligadas à procura de lugares para fotografar. Considera perfeita a combinação de natureza e fotografia e agora está pensando em ir pra Fanfa, que é uma ilha açoriana aqui perto de Triunfo. Dono de um veleiro até o ano passado, precisou vender o barco para investir em equipamentos para o estúdio. Hoje, planeja a compra ou a construção de uma nova embarcação.
Pai de Pablo, 24 anos, e Júlia, 21, estudantes de Administração, não desiste de transmitir aos filhos o gosto pela profissão que exerce e, neste último ano, até passou a ganhar "uma mãozinha" do filho no estúdio. "Pablo me pediu uma máquina fotográfica e ele fotografa muito bem. Mas acho que ele se liga mais em cinema, gosta de filmar, o que eu já não faço, mesmo tendo câmeras que filmam", conta.
Educando o olhar
Assis Hoffmann foi uma de suas inspirações profissionais, assim como o pai José Abraham, "pelo fantástico trabalho, e isto é dito não apenas por mim", explica. O ex-colega de laboratório em Zero Hora, Ricardo Chaves, o Kadão, e Erno Schneider - que, para Alfonso, registrou de forma única o brasileiro - também são referências.  Sem esquecer, é claro, do "olhar do século", Henri Cartier-Bresson.
Sobre o que quer para o futuro, Alfonso é rápido ao responder: "Quero continuar fotografando". Até enxerga a possibilidade de ingressar na carreira docente, mas sem dispensar a câmera. Ao contrário, pretende se dedicar ainda mais a registrar a natureza. "Há pouco tempo, passamos 10 dias numa reserva. Pretendo fazer mais isso, sair da cidade e registrar essas áreas, enquanto elas existem", afirma, ao relatar que fica contrariado ao ver o despejo de resíduo nas águas de rios.
Acredita na imagem como forma de valorização do objeto junto ao público, por isso aposta na fotografia para conscientizar a população. "Se tu mostras a beleza da natureza, por si só já promove um tipo de educação. Eu acho que esse é o grande papel do fotógrafo: educar os olhos. Educar a leitura visual é a nossa grande missão", conclui.
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