Antonio Augusto dos Santos: O rei do plantão

Criador do plantão esportivo no rádio, já são 48 anos de dedicação ao jornalismo gaúcho

Antonio Augusto dos Santos: O rei do plantão - Reprodução

Carismático, bem-humorado e receptivo, Antonio Augusto dos Santos consagrou-se com a expressão "tem gol!", conhecida por todos os adoradores do esporte, ouvintes de rádios AM. No Rio Grande do Sul, teve passagens pelas principais: Rádio Difusora, hoje Bandeirantes, Guaíba e Gaúcha. Atualmente ele apresenta o programa esportivo "Plantão das Multidões", na Rádio Pampa. Aos 71 anos, aproveita a tranqüilidade conquistada após 48 anos dedicados ao rádio, sempre na área do esporte. "A minha vida, depois de muito sacrifício, agora está mais tranqüila", avalia o radialista. Aposentado e com os filhos já crescidos, sua rotina de vida é muito bem aproveitada ao lado da esposa, Isolda, companheira há 41 anos.

Apesar de ser filho de pai árabe e mãe romena, seu sobrenome é Santos, a segunda maior família do País. Isso aconteceu porque seu pai veio fugido da Síria. Chegando no Brasil, recebeu documentos falsos e passou a chamar-se João dos Santos. Viveu o resto da vida com este nome e não falava praticamente nada em português. Morou um tempo em Marcelino Ramos, onde Antonio Augusto nasceu, em 19 de novembro de 1937.

Coleção de apetrechos

Antonio Augusto tem uma coleção interminável de apetrechos. O acervo inclui três máquinas de escrever, mais de dez máquinas fotográficas e centenas de fitas-cassete antigas, sem contar as que já foram descartadas. Isolda acrescenta: "Rádio eu acho que nós já tivemos mais de 30, uma época". Agora são pouco mais de dez, de todos os tamanhos, espalhados pela casa. Sete ou oito destes são tão antigos, que nem funcionam mais. Tem também os que ele volta e meia ganha de presente dos filhos. Ainda tem uma minitelevisão acoplada à rádio. "Esta é uma beleza. Eu só tenho que mandar arrumar", diz Antonio Augusto.

É a esposa, claro, que adota todas as providências para não deixar que as quinquilharias tomem conta do apartamento. "A Fiergs tem um serviço de assistência social que eles recolhem tudo quanto é eletro-eletrônico. Então, eu estou fazendo uma seleção e vou chamá-los aqui. Só que eles vão ter que vir de caminhão", constata Isolda. Em casa ele tem um computador, mas que passa a maior parte do tempo desligado. Ao mesmo tempo em que não faz questão de aprender a manusear, deixa claro que isto também não é impossível, e que tudo tem o seu tempo. Brinca que está esperando a esposa, companheira incansável, aprender, para depois mostrar-lhe como é. Mesmo não sendo adepto a esta tecnologia, em meio aos seus pertences está uma câmera digital.

E outras coleções

"Eu gosto de tudo que é tipo de música. Quer ver uma coisa? Só pra tu ter uma idéia?", diz ele, abrindo as gavetas da estante do escritório em sua casa. São mais de 600 CDs e DVDs, além de muitas fitas de filmes VHS. Nelson Gonçalves, Trio Irakitã, tangos, bolero, música orquestrada, piano, Julio Iglesias e Luis Miguel são alguns dos preferidos, entre muitos outros nomes e estilos. "E aqui está parte da minha vida", diz, apontando para a estante onde estão os muitos troféus, placas e medalhas que recebeu ao longo da trajetória profissional. São reconhecimentos como o título de Cidadão Emérito de Porto Alegre, troféu Negrinho do Pastoreio, Prêmio Press e muitos outros que homenageiam seu desempenho e contribuição para o radiojornalismo esportivo.

Durante a semana, Antonio Augusto e sua eterna companheira não dispensam duas ou três idas ao cinema para assistir a um bom filme. A programação também inclui jantares ou almoços românticos, pelo menos uma vez na semana, e visitas aos filhos Antonio Augusto Mayer dos Santos, advogado, e André Frederico, administrador de empresas, que deram quatro netinhos aos avós-corujas. Nos finais de semana, vão para o Litoral. "Não interessa a época do ano. Se não tem filme bom ? brinca ?, a gente vai pra lá, faz um churrasquinho e respira um ar mais puro, descansa".

O ingresso no rádio

Aos 13 anos, ainda em Marcelino Ramos, Antonio Augusto teve seu primeiro contato com o rádio. O garoto fazia pequenas participações em uma emissora da cidade, onde o proprietário era amigo de seu pai. "Ele dizia: "vai lá, fala um pouquinho, Antônio Augusto". Eu gostava de ir lá, gostava muito de música, e seguidamente eu lia os comerciais para a rádio", relembra. Veio para Porto Alegre ainda jovem, para estudar no internato do antigo Instituto Porto Alegre, atual Centro Universitário Metodista IPA. A idéia era cursar Medicina, mas o processo seletivo era muito concorrido e Antonio Augusto desanimou e acabou desistindo. Assim, a área da saúde pode ter perdido um bom profissional, mas é certo que o jornalismo esportivo gaúcho ganhou um radialista de mão cheia.

Em 1960, ingressou na Rádio Difusora sem fazer esforço algum. O futuro radialista fazia cursinho pré-vestibular no mesmo prédio em que ficava instalada a emissora. Ali ficou sabendo que a Difusora gravava discos de testes: foi a oportunidade que teve para mostrar e até mesmo dar-se conta da sua vocação para o rádio. O resultado rendeu uma vaga de locutor, apresentando os programas esportivos do meio-dia e da noite. "Comecei a me dedicar ao rádio, e fui ficando, ficando, e estou até hoje, trabalhando em rádio", registra, sempre com bom humor.

Um pioneiro

Antonio Augusto garante ter sido o pioneiro ao criar o plantão esportivo na rádio AM brasileira, quando estava na Difusora. Ele tinha a rara capacidade de acompanhar várias rádios ao mesmo tempo e ia passando informações sobre os jogos aos ouvintes. "Antigamente, a jornada esportiva era feita com um narrador do jogo e um comentarista, não tinha reportagem. Então, não foi fácil criar o plantão, pois a escuta era muito difícil, as emissoras de outros estados não sintonizavam bem", explica o radialista. Ele conta que houve resistência por parte da emissora, que não valorizava o plantão de estúdio. "Foi uma luta, eles diziam "não precisa desse "troço", porque, normalmente, quem dava informações esportivas era o locutor da hora, não tinha ninguém fixo", lembra.

De 1964 a 1969 atuou na Rádio Farroupilha, levando junto o plantão. Depois, passou pela Folha Esportiva, da Caldas Jr., e também coordenou o "Antena do Rio Grande", programa da Rádio Guaíba que apresentava noticiário do Interior do Estado. Em 1971, passou a apresentar o plantão da meia-noite na emissora, então responsável pela maior audiência do Estado. Nessa época, o acesso a informações era mais limitado em função do pouco recurso tecnológico. Antonio Augusto cita como exemplo as dificuldades para fazer ligações telefônicas, que tinham horário certo para serem solicitadas, já que o contato dependia da empresa de telefonia.

Para driblar pelo menos alguns destes impedimentos, Antonio Augusto organizou manualmente todas as informações existentes sobre jogos entre os times gaúchos, como datas, resultados, número de jogos, jogadores e goleadores. Desta forma, o radialista se abastecia de estatísticas para complementar seus plantões. "Eu dependia de mim mesmo, enquanto hoje em dia, com a Internet, é uma barbada", compara. Já na Rádio Guaíba, apresentava o programa "Jornadas Esportivas" e fazia o plantão esportivo, da meia-noite até meia-noite e dez.

Só que quando chegava a meia-noite, todas as emissoras que tinham ondas curtas, no Rio Grande do Sul, saíam do ar. Os pilotos da Varig, quando estavam em Nova Iorque, com o avião em terra, aguardando, acompanhavam a programação. "Então, eles estavam ligados na Guaíba, mas quando ia começar o esporte, não conseguiam sintonizar a emissora. Daí os pilotos mandaram uma correspondência pro Breno Caldas [então proprietário da Companhia Jornalística Caldas Jr.], pedindo para deixarem por mais quinze minutos a onda curta, pois eles queriam ouvir o plantão do avião", relata. Graças ao manifesto, o programa teve a duração ampliada e passou a ser apresentado mais cedo, das 23h30 à meia-noite.

"Tem gol"

Na Copa de 1986, no México, Antonio Augusto foi enviado pela Guaíba para fazer plantão, algo inédito na história do rádio. O radialista atuava da sede, que ficava no centro da Cidade do México. Mas um dos fatos que mais marcou sua época de plantonista na emissora aconteceu logo que surgiu a Loteria Esportiva. "Em 1976, quando o Internacional ia enfrentar o Fluminense no Maracanã, ocorreu uma partida preliminar, um jogo da Loteria Esportiva, tipo Bangu e Olaria, algo assim. E a nossa equipe lá estava muito distraída? e eu cuidando daqui. Esse foi o fato que mais marcou na história o meu plantão da Guaíba, porque de repente saiu o gol e eu cantei: Olha, tem gol! E a turma da Guaíba que estava lá disse: onde? Onde? Onde? E eu respondi: aí mesmo, no Maracanã! E eu acho que eles ficaram uma fera comigo, mas eu estava fazendo o meu trabalho", diverte-se, contando como deu um furo nos próprios colegas.

Também teve passagens pela TV Gaúcha (antiga RBS TV), Zero Hora e Rádio Gaúcha. Depois disso, ainda retornou à Guaíba e após passou pela Rádio Bandeirantes. Desde 1999, Antonio Augusto está na Rádio Pampa. Durante o dia, de casa, ele mesmo faz a pré-produção da atração que vai ao ar de segunda a sexta-feira, das 22h à meia-noite. Nas sextas-feiras o programa é especial, e ganha o nome "Plantão da Mulherada". Somente ouvintes mulheres participam pelo telefone, segundo ele, em geral, gremistas. Essa aproximação com o público feminino resultou em duas ou três reuniões anuais. Antonio Augusto e sua esposa encontram-se com as ouvintes e seus respectivos maridos para almoçar e passar a tarde conversando, debatendo sobre esporte e muitos outros assuntos, claro. "Só vai mulher. Homem sozinho não entra, só se for acompanhado da esposa ou namorada", salienta.

Reminiscências e planos

Antonio Augusto chegou a cursar quatro semestres da faculdade de Economia na Ufrgs, mas a falta de tempo em função do horário de trabalho e "a pouca compreensão por parte dos professores" fizeram com que se dedicasse exclusivamente ao radiojornalismo. Ele conta que pedia a colaboração dos professores, porque chegaria mais tarde e, normalmente, era atendido. "Eu trabalhava de manhã, de tarde e de noite, eu não tinha folga. Os meus filhos nasceram e cresceram e eu não vi nada. A minha mulher é que andava com eles pra lá e pra cá, muitas vezes iam me visitar lá no plantão. Então os professores colaboravam comigo", lembra. Até chegar a vez da professora que dava a disciplina de Cálculos. Antonio Augusto chegou atrasado e ela não quis "colaborar". Ele virou as costas e nunca mais voltou para o curso de Economia.

Mais tarde, prestou concurso público para o Estado, tendo atuado como jornalista na Secretaria da Segurança Pública e na Polícia Civil. "Essa nossa profissão de jornalista é muito boa, muito bacana. É uma profissão gostosa, bonita, mas, financeiramente, é um desastre. Então uma coisa que eu sempre aconselho para os meus amigos é fazer um concurso público", alerta. Os planos para o futuro são, a qualquer momento, parar de trabalhar ? só ele ainda não definiu quando. "Pegar a dona Isolda e sair a viajar", projeta.

"Sou um cara realizado. Mas, como sempre dizem que o cara tem que escrever um livro, então, qualquer hora dessas eu vou pensar em escrever. Talvez eu vá falar sobre como foi a minha vida no rádio. Eu também tenho muitas fotografias, com o Pelé e outros jogadores de futebol. Plantar árvore eu já plantei", apropria-se do trocadilho. Para ele, o segredo do sucesso é trabalhar. "Eu me considero um cara vitorioso no que eu fiz, porque eu sempre me dediquei com gosto e trabalhei honestamente. Pra tu ser plantão de estúdio e ficar horas e horas dentro de uma sala fechada, se tu não gostar, tu não faz", pondera Antonio Augusto. "Eu toda vida me dediquei. Tanto que eu ainda estou trabalhando. Eu podia estar acomodado, encostado por aí, mas vamos levando mais um pouco", completa.

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