João Borges de Souza: Currículo de ouro

Ao longo de sua carreira, João participou de momentos importantes para o jornalismo. Entrevistas e fundações de jornais são itens de destaque na sua trajetória.

Mesmo aposentado, o pelotense João Borges de Souza, 72 anos, ainda divide sua vida entre família, jornalismo e atividade sindical, da qual participa desde 1971.  Afastado das redações de jornal desde 1997, o jornalista diz ter amadurecido, por bastante tempo, a decisão de se aposentar. "O começar não depende apenas de ti. Competência e engajamento pessoal contribuem bastante, mas o surgimento de um convite é essencial. Agora, parar depende exclusivamente da gente", afirma.   


Depois de muitos encontros com a própria consciência, João de Souza conclui que esteve presente em momentos importantes da imprensa gaúcha e, que já havia feito tudo o que gostava na profissão. Participou da fundação de jornais e de entrevistas relevantes e cobriu acontecimentos históricos do Rio Grande do Sul e do Brasil. "Fiz o possível para exercer a profissão da melhor maneira possível", declara. A saída dos filhos de casa foi o que acelerou a decisão dele para a aposentadoria, junto com a vontade de ser mais companheiro da esposa, Lisete. "Senti que era hora de retribuir todos os momentos ausentes, durante os 50 anos de casado. Não posso dizer que foi uma decisão fácil, não tanto pela questão financeira, e sim porque gostava de fazer o que fazia".


Desde 2003, a convite de Elmar Bones, colabora com o ?Já Editores?, realizando pesquisas para publicações de perfis parlamentares para a Assembléia Legislativa. Livros contando as vidas de Brizola e Jango já foram lançados. A próxima biografia será a de Bento Gonçalves, e para isto João está lendo bastante, a fim de se preparar para a pesquisa de campo. O novo trabalho, além de possibilitar a retomada de uma das paixões da vida do jornalista, a reportagem, faz com que ele execute um de seus planos para a vida ?pós- aposentadoria?, retomar o hábito da leitura. "Nesses trabalhos me dedico a duas coisas que gosto de fazer: ler livros e trabalhar como repórter".  


Quando o prazer está na profissão


A paixão pela reportagem foi descoberta em 1956, quando foi convidado para integrar a equipe do jornal ?A Tribuna Gaúcha?. Nessa época ainda não havia cursos de graduação na área, e a experiência veio com a prática, nas melhores redações de Porto Alegre. Nesses 41 anos de trajetória profissional, João Souza teve sorte em seus caminhos. Participou da fundação de veículos como Última Hora, Zero Hora, além de ter comandado a presidência da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) em 1980.   


A indicação para trabalhar na Tribuna surgiu em função de colaborações que João enviava para o jornal ?Gazeta Sindical?, de São Paulo. Começou no veículo como repórter sindical e daí em diante, outras portas se abriram. Da Tribuna, foi para ?A Hora?, veículo do grupo Diários Associados, no qual participou da fundação até o fechamento, que ocorreu no período do golpe militar de 1964. Em maio do mesmo ano, nasceu a Zero Hora. E, novamente, João estava lá, participando do surgimento do jornal. Integrou a equipe da Zero por um ano, saindo em 1965 para retornar ao rádio, onde já trabalhara no final dos anos 50.


Foi na Rádio Gaúcha que o jornalista teve a oportunidade de conhecer mais a fundo o veículo e, novamente, participou de um momento importante, a reformulação da grade de programação da emissora. A idéia era desenvolver um programa realmente jornalístico. Surgiu então o ?Gaúcha Urgente?, um radiojornal, com duração de quase uma hora. O programa, que era transmitido no horário do meio-dia, misturava notícias, reportagens e comentários.


Foi um dos conselheiros de Administração da Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, entidade que se caracterizou pela edição do Coorjonal, um dos impressos mais arrojados do Rio Grande do Sul.


Atividade fértil


Mas foi antes, no período da ditadura militar, que João começou a atuar no movimento sindical, como integrante de diretorias do Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande do Sul. Entre outras recordações desta época, João cita a ameaça de intervenção que a entidade sofreu. "Graças a Deus a idéia de fechar o sindicato nunca chegou a ser executada", exclama ele. Em 1971, o então professor e diretor da Famecos, Antônio Gonzales, liderou uma chapa à presidência do sindicato. Aproximar os estudantes da entidade era o principal objetivo de Gonzalez que encontrou em João um aliado. Atraído e convencido de que esse era o caminho, João participou na função de primeiro tesoureiro. Venceram as eleições e durante o mandato tornou-se secretário. No mandato seguinte, de 1974 a 1976, foi eleito presidente do sindicato.


Em 1977, João Souza já estava totalmente absorvido pelo movimento sindical e, juntamente com outros jornalistas do Rio Grande do Sul, elaborou um manifesto contrário à forma centralizada de eleição para a diretoria da Fenaj. O movimento exigia também uma nova postura dos sindicatos e, principalmente, da Federação. "Queríamos uma postura mais voltada para as bases e seus profissionais", ressalta. No mesmo ano, em um congresso em Curitiba, representantes sindicais do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Ceará e Pará lançaram João como candidato à vice-presidência da Fenaj. Mesmo sabendo que não tinham chance, pois a eleição era através do conselho, o movimento demonstrava apoio ao manifesto, além de plantar uma semente para três anos mais tarde.  "Foi uma candidatura para marcar posição", revela. Para o comunicador, o mais importante foi que, a partir deste momento, estava lançada a idéia de eleição direta na entidade.


Política sempre


O envolvimento com o sindicato, com a Fenaj e com o Coorjonal aconteceu simultaneamente com a carreira profissional. Ficou no rádio até 1968. Saiu para trabalhar na Caldas Júnior. Inicialmente, trabalhou na Folha da Tarde Esportiva, mas logo passou por outras editorias e, de novo, esteve presente em um projeto importante para a imprensa gaúcha, a criação da Folha da Manhã, em novembro de 1969. Ficou na Caldas Júnior até 1984, quando foi demitido, em função da greve organizada pelos funcionários em prol dos salários atrasados. João, que  tinha grande envolvimento com o sindicato, participou da comissão de negociação do movimento que só foi deflagrado depois de, segundo ele, estar  esgotada qualquer possibilidade de entendimento. Para ele, o movimento foi "a primeira e única greve de jornalistas julgada legal". 


Ao lado de Antônio Gonzales, se envolveu na formação do ?Estado do Rio Grande?, do Grupo Sinos, empresa de Novo Hamburgo que ousou editar um jornal em Porto Alegre. "Mas para azar da categoria não deu certo". O jornal teve vida curta, "oito ou nove edições", lembra. Retornou para a Zero Hora, em 1985, a convite de Carlos Fehlberg. Passou por diversas editorias e funções e, em 1994, surge um novo desafio: participar da criação da Agência RBS de Notícias, como gerente de editoria. Três anos depois, voltou para o jornal, em sua editoria preferida, a política. Ali ficou até se aposentar.


Entre os trabalhos e áreas que mais o encantaram fala, sem hesitar, que foi a reportagem e a editoria de política. Revisando o passado, destaca como mais significativo a cobertura da posse do presidente Ernesto Geisel, a entrevista com Leonel Brizola, durante a qual percebeu que o político não iria para a Cuba e sim para os Estados Unidos; e a participação no jornal Última Hora. "A Última Hora mexeu com o mercado de Porto Alegre porque chegou com idéias novas, com a intenção de ser mais popular, mas com um enfoque maior na política".


João acredita que é a combinação ?contatos mais dedicação? que permitiu uma caminhada bem- sucedida. A persistência está entre as suas características mais marcantes e, sem dúvida, contribuiu nas atuações como repórter. O jornalista usa o Movimento da Legalidade, ocorrido em 1961, para exemplificar a persistência e a dedicação. "Eu estava lá para fazer a matéria sobre o possível fechamento do Palácio. Tava aquele rolo, fecha não fecha. Quando percebi que ia ser fechado, resolvi ficar lá dentro e passar a matéria por telefone. Porque se saísse não voltava", lembra. "Participei de alguns projetos importantes. Tive a felicidade de estar junto dessas iniciativas que fizeram e fazem parte da imprensa gaúcha", diz. 


No paraíso


No início da vida profissional, João trabalhou em empresa vinculada ao Sindicato dos Metalúrgicos e nessa época  vislumbrava outro destino profissional. "No início dos anos 60 meu projeto de vida era outro. Pensava em cursar a faculdade de Direito", relembra. Tudo mudou com o convite para trabalhar no jornal ?A Tribuna?, que uniu trabalho e prazer. "Sempre gostei de ler, desde guri". Lembra da época da escola que português era sua matéria preferida.


Atualmente, o lugar preferido de João e sua esposa é um local de tamanho suficiente para abrir os braços e não bater com os dedos na cerca. A frase é usada para caracterizar o sítio que tem em Águas Claras, onde gosta de passar os finais de semana. "É grande? Não, é pequeno. Mas tem tamanho suficiente para abrir os braços e não bater com os dedos na cerca". Lá cria galinha, pato, cachorro e ainda cultiva plantações de verduras e frutas. É em Águas Claras que João aproveita para colocar em prática sua filosofia de vida, "viver bem, viver o teu momento, respeitar quem está em torno de ti". 

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