Edgar Lisboa: Em constante movimento

Há 40 anos na Comunicação, Edgar Lisboa relembra os desafios da profissão e fala da busca pela atualização

Quatro décadas de trabalho dedicadas ao Jornalismo e passagens por dezenas de veículos de comunicação fizeram da vida de Edgar Lisboa uma coletânea de histórias. Da fronteira do Rio Grande do Sul à capital do Amazonas, foi de repórter a diretor executivo e assume que se transformou em uma espécie de bombeiro na profissão. "Onde havia problema, eu entrava", esclarece. Engana-se quem pensa que o jornalista vive agora um momento de quietude. Longe de diminuir o ritmo, o profissional que enviava matérias de ônibus à redação no fim da década de 1960 agora aprende a lidar com a tecnologia. Esforça-se para acompanhar os recursos dos novos tempos e defende que "a experiência não pode servir de desculpa para não se atualizar".
Entre os veículos pelos quais passou, estão Correio do Povo; Rádio Guaíba; Grupo Sinos; Jornal de Brasília; Diário Popular, em São Paulo; Jornal do Brasil, Agência JB, rádios Globo e CBN, no Rio de Janeiro; e jornal A Crítica, em Manaus. Ainda atuou como diretor-executivo da Associação Nacional de Jornais (ANJ) e representante da organização Repórteres Sem Fronteiras no Brasil. De raciocínio rápido e bastante detalhista - característica vista por ele como um defeito -, aos 62 anos, considera-se preparado para atuar no jornalismo impresso, televisivo, radiofônico e digital. Autor da coluna Repórter Brasília, no Jornal do Comércio, mantém há cinco anos um blog que leva seu nome e agrega plataforma de vídeo e uma rádio web, além de dirigir a Texto Final Comunicação.
Um caminho de acasos
Foi ainda na cidade natal, a serrana Bento Gonçalves, que, aos poucos, o jornalismo entrou na vida de Lisboa. Quando adolescente, costumava ajudar a transportar os equipamentos de uma rádio local, em um artifício para entrar no estádio de futebol e assistir às partidas de graça. Não demorou muito para que se tornasse repórter e, mais tarde, apresentador de um programa na emissora. Um desentendimento em família o levou para longe do município, mas não o separou do jornalismo.
Aos 17 anos, foi passar uma temporada na casa dos tios em Alegrete e acabou ficando pelo município. Integrante da União de Estudantes Secundários de Alegrete, certa vez redigiu uma nota para publicar no jornal Gazeta de Alegrete. Ao ter seu texto rabiscado com lápis vermelho, Lisboa contestou o editor do veículo e, ao fim da pequena discussão, recebeu um convite: "Queres trabalhar aqui? Começas amanhã". Desafio aceito, teve no diário a oportunidade de produzir diversas reportagens de todo o tipo, principalmente denúncias, e aos 19 anos, tornou-se editor-chefe. De lá, passou a correspondente da Folha da Tarde, da extinta Companhia Jornalística Caldas Júnior, em um trabalho que em seguida o levaria a Porto Alegre.
Lidando com a censura
Na carreira, diversas foram as pautas e situações vividas que chamam a atenção. Uma delas, ainda no início da trajetória, resultou na sua prisão. Era 1969, em meio ao governo de Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), quando noticiou em reportagem de capa uma briga entre soldados do Exército e da Brigada Militar. O conflito entre um tenente e um conhecido fazendeiro local se iniciou "por causa de uma moça bonita", como conta. Houve tiroteio, mas nenhuma morte. Na época correspondente da Folha da Tarde, enviou o material por ônibus à noite. Na tarde seguinte, o jornal chegava ao município e, às 17h, Lisboa foi preso, permanecendo detido durante toda a noite. Após o episódio, o veículo decidiu por sua transferência para Porto Alegre.
No Correio do Povo, passou pelas editorias de Polícia, Política e Economia, até que Breno Caldas, proprietário da Caldas Júnior, decidiu que o jornalista passaria a trabalhar diretamente com ele. "Não queria trabalhar com ele, queria fazer notícia", conta, ao relatar que o editor até tentou livrá-lo da tarefa, mas, sem opções, concluiu "Ou tu começa ou vai para rua". Embora contrariado, assumiu novo posto. "Ele recebia muitas pessoas, tinha reuniões e eu sentava lá e não fazia quase nada. Sugeri: Quem sabe coloco uma mesa ali fora da sua sala e vou adiantando alguma coisa?" Surpreendendo Lisboa, em poucos minutos a mesa estava lá.
Foi como assistente da presidência, que, em 1984, na coordenação da Rádio Guaíba decidiu que a emissora transmitiria o Grito do Campo. Com o País em processo de redemocratização, o ato organizado por produtores rurais contaria com discurso do então candidato à presidência da República Tancredo Neves e não era aceito pelo regime militar. Por isso, a transmissão havia sido vetada pelo Departamento Nacional de Telecomunicações (Dentel). Ele lembra que, em meio aos trabalhos, recebeu uma ligação de Breno Caldas questionando por que estavam transmitindo. Lisboa disse que a proibição era um absurdo e que levaria ao ar apenas o som ambiente e que, durante o discurso, os comunicadores Rogério Mendelski e Lasier Martins comentariam o ato.
Pela liberdade
A atitude ganhou o apoio não só do dono da empresa, mas também de Maurício Sirotsky Sobrinho, à época, presidente da ANJ (1984-1986). A partir de um telefonema elogioso do fundador do Grupo RBS, recebeu convite para atuar na entidade. O trabalho junto à associação o levou ao que deveria ser apenas uma temporada de dois anos em Brasília, mas que perdura até hoje, já que, passadas mais de duas décadas, ainda reside na Capital Federal.
Partiu para o Centro-Oeste brasileiro em 1987, para atuar em defesa da liberdade de imprensa junto à Assembleia Nacional Constituinte. Ainda recorda com orgulho a realização de um encontro com donos de veículos, jornalistas e sindicatos, buscando definir quais seriam as pautas defendidas junto à Constituinte. "Achavam que todos iriam se matar, mas houve uma aproximação maravilhosa. Mudou o equilíbrio de tudo", avalia, ao relembrar que, até então, havia conflitos entre os grupos, que tornavam a reunião algo inimaginável.
Lisboa teve em Breno Caldas algumas das atitudes que inspiraram seus atos, principalmente na forma de lidar com a censura imposta nos anos de chumbo. "Lembro que uma vez liguei para ele de madrugada e disse que a polícia iria apreender o jornal. Ele disse: "Eles apreendem fora o jornal, da Caldas Jr. ele vai sair". Perdemos uma edição inteira. Era alguém que bancava o prejuízo em favor de uma coisa maior", explica.
O que lhe cai bem
Lisboa tinha 17 anos quando deixou sua terra natal, ainda assim é visível o carinho que mantém por Bento Gonçalves. Filho do funcionário público Adolfo Antoniazzi Lisboa e da dona de casa Hortenila Rosália Valério, mudou-se para Alegrete após uma temporada na casa dos tios. "Fui passar uns dias e acabei ficando por lá. Meus tios me levaram para conhecer a escola secundária da cidade e uma das turmas tinha 52 mulheres e dois caras, eu seria o terceiro. Gostei muito da parceria", conta, aos risos. "Foi uma bela experiência, fiz bastante coisa, aprendi muito", acrescenta, ao relatar que lá começou a alcançar visibilidade enquanto jornalista.
Há quatro anos casado com a advogada Magna, é pai de Rogério e Vanessa, do casamento anterior. Ambos na área de Comunicação e vivendo em São Paulo, o Rogério é repórter da Rádio Estadão e apresentador na BandNews FM, enquanto Vanessa trabalha na produção de eventos. Já o relacionamento com a esposa pode ser traduzido pela complementariedade e troca de conhecimentos. "Ela é uma grande parceira, até me ajuda no blog", relata.
As publicações na plataforma - geralmente divididas em quatro etapas, com atualizações às 7h, ao meio-dia, ao fim da tarde, e à meia-noite, quando vai ao ar a coluna - constituem quase um ritual no cotidiano, assim como as visitas diárias ao Congresso. Como o trabalho costuma ocupar até mesmo parte do sábado, é comum aproveitar a tarde em sessões de cinema. Nesse quesito, se diz muito bem atualizado. "Um filme que vi e não estava na minha programação é Somos Tão Jovens, sobre Renato Russo. Fala muito de Brasília, é bom ver na tela coisas que vivemos, como as blitze (durante o período militar). Isso refresca a memória do pessoal".
Para decidir o que assistir, tem a seguinte tática: "Se os críticos falam mal, acho que alguma coisa eu vou gostar". Além disso, aprecia bastante as produções que exploram as tecnologias e comédias. "A vida é muito dura, comédia ajuda a gente a ver as coisas de uma forma mais leve", justifica. Apesar do gosto pela temática futurista, produções mais antigas também têm espaço reservado na estante de Lisboa. É o caso das produções de Steven Seagal.
Um cara do jazz e da MPB
No estilo musical, se destaca o gosto pela MPB e pelo jazz, embora admita não ter conhecimento aprofundado sobre o gênero. "Não entendo muito quem é, e quem não é o cara, mas gosto muito", assume. Praticamente um fanático confesso por televisão, costuma assistir aos noticiários da manhã, e, em seguida, acompanhar a programação das TVs Câmara ou Senado. Já a prática da leitura é bastante destinada às notícias. Diz que, embora seja um grande admirador do jornalismo impresso, atualmente tem acompanhado os acontecimentos cotidianos mais pela internet. "Ainda que isso aconteça sem querer, pelo meu passado, me incomoda um pouco", afirma.
Os livros relacionados à comunicação também estão entre os preferidos. A última obra a deter sua atenção foi "Argentinos", de Ariel Palacios, correspondente do jornal O Estado de S. Paulo em Buenos Aires. Para os períodos de férias, costuma programar uma viagem internacional, mas sem se distanciar completamente do mundo da Comunicação. Isso porque no roteiro de viagem em geral há uma visita a um veículo. Entre os lugares já visitados estão a Bloomberg e a Associated Press, em Nova Iorque; e a France Press, em Paris, além de jornais da Áustria e Alemanha. A razão das visitas? "Buscar a evolução."
Entre o impresso e o digital
Entre vantagens e desvantagens, Lisboa entende que a comunicação digital permite ao profissional fazer um bom trabalho, mesmo sem sair da frente do computador. "Em Brasília, se você for ao Congresso, dificilmente consegue falar com um deputado ou senador. Talvez, pegue ele no corredor. Mas se ligares no telefone, ele atende, mesmo estando em uma reunião", afirma. O ponto negativo, para ele, é que esse jornalismo "não mexe muito com a emoção, fica só no texto frio".
Para ele, a notícia no meio impresso é, sem dúvida, mais aprofundada, o que também possibilita mais reflexão sobre o tema abordado. Ainda assim, crê na importância de acompanhar a velocidade e aproveitar as possibilidades do online. É o que procura fazer em seu blog. O plano para os próximos anos é focar na produção de conteúdo para qualquer formato e segmento. "Quero investir no blog, para que eu possa fazer meu trabalho onde estiver. Pretendo trabalhar com a internet e fazer disso um veículo de resultados", conclui.
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