Filipe Peixoto: Dedicado em tudo que faz

Repórter da TV Bandeirantes em São Paulo relembra a infância em Dom Pedrito e conta o que gosta de fazer fora da telinha

Filipe Peixoto, repórter da Band TV, em São Paulo - Arquivo Pessoal

Filipe Peixoto da Silva poderia estar na definição do Aurélio como "um cara gente boa". Educado, cordial, gentil e com aquela sensibilidade que todo bom jornalista tem - ele passa essa impressão. E não são necessários mais do que alguns minutos para saber que o menino lá de Dom Pedrito, a 442 km de Porto Alegre, é mesmo um cara do bem. Bem família, bem comilão, bem estudioso e bem obstinado, o jornalista contou nesta entrevista, feita no intervalo do tribunal do julgamento da Boate Kiss, que a vida em São Paulo, para onde se mudou há dois anos, tem sido bem vivida.

Engana-se quem pensa que o início da trajetória profissional começou no Jornal Zero Hora, quando entrou no ano de 2005, como estagiário. O relacionamento com o Jornalismo vem das longínquas tardes de sábado, na rádio Sulina, lá de Dom Pedrito, quando Filipe foi convidado pela emissora para ser o apresentador do 'Fala, Galera'. "A rádio estava procurando alguém bem jovem para apresentar o programa e me fizeram o convite", relembra.

E as primeiras lembranças da infância são ainda mais afetivas e remetem à 'campanha' do avô, como os gaúchos costumam chamar a propriedade rural de grande extensão: "A gente ia todos os finais de semana para lá e eu andava a cavalo. Era uma experiência em família, ia com meus pais, meus irmãos, via meu pai cavalgando e era a oportunidade de conhecer um pouco da realidade do campo. É uma lembrança muito querida", conta Filipe, que na época tinha oito anos.

O dia 2 de fevereiro não é só mais um feriado na família Peixoto. Nessa data, também é comemorado o aniversário de Filipe, desde 1987. E mesmo que, na maioria das vezes, não possa estar junto, em razão da distância geográfica, recebe com muito carinho as mensagens carinhosas do pai, Flávio Espartel da Silva, e dos irmãos Lelis, de 29 anos, e Fábia, 37. O que sente mais falta, sem dúvida, é de comer a sobremesa favorita, a ambrosia da mãe, dona Glória Fortes Peixoto. Agora, o aquariano se contenta com as postagens dela, que sempre o felicita pelas redes sociais, toda coruja, "aniversário do meu melhor jornalista", nas palavras dela.   

Dedicação, a marca registrada

Filipe se graduou em Jornalismo e também fez mestrado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), mas como acredita que o jornalista tem que estudar constantemente, optou por cursar Direito na Universidade de São Paulo (USP). Recém-concluído o quarto semestre, ele divide o trabalho como repórter em São Paulo no Jornal da Band com as aulas noturnas no ensino a distância. "Quando começou o julgamento - da Boate Kiss -, eu estava em período de provas. Fazia o vivo e depois corria para terminar o exame", relata.

Pode-se dizer que dividir o trabalho com o período de avaliações é algo corriqueiro na vida do estudante, já que também estava prestando provas quando o presidente Bolsonaro foi internado e ele fez os vivos do hospital em SP: "Ainda bem que é tudo EAD", descontrai Filipe, que sempre foi um aluno estudioso. "Confesso que dava vontade de entrar no salão do júri e tirar algumas dúvidas sobre Direito Processual", comentou, referindo-se ao caso da Boate Kiss. 

O jornalista ainda não se imagina exercendo a profissão de advogado, isso porque, conforme explicou, optou pelo curso para se aprimorar. "A escolha tem a ver com um projeto de qualificação pessoal." O próximo passo seria fazer doutorado, porém essa é uma escolha para quando estiver mais maduro.

Analisado, ele coloca em prática o que trabalha na terapia: "Estou dando opções para o Filipe daqui a 10 anos. Sempre cogitei o Direito, se depois vou atuar, não sei. Tenho que mergulhar na profissão e ver se me identifico com ela". Mas ele não pensa nunca em abandonar o Jornalismo, apenas que, daqui a um tempo, talvez possa ocupar um jornalístico mais especializado ou de opinião. "Não gosto de fixar o que eu vou fazer. Seria muito cruel com o acaso e é tão bom dar oportunidade a ele", afirma um Filipe ponderado.

Um mergulho entre corais e recifes

O que tira esse aficionado por Jornalismo do hard news? Um mergulho de cilindro, mas isso só acontece uma vez ao ano, quando o repórter tira férias. E entre os lugares pelos quais conseguiu praticar o que pode virar um hobby -  ainda não é porque precisa fazer curso de mergulho -, estão: Fernando de Noronha, a ilha colombiana de San Andres e, na viagem mais recente, em Cozumel, onde viu um dos maiores recifes de corais do mundo.

"Uma coisa que eu ainda gostaria de fazer é viajar pelo Brasil e pelo mundo para produzir conteúdo jornalístico. Fiz isso algumas vezes como eventualidade, não como algo mais frequente", revela. Em dias de folga, gosta mesmo é de sair para beber e comer com os amigos. Frequentador itinerante de bares da rua Augusta e dos arredores do Largo do Arouche, ele preza mesmo é por uma cervejinha gelada.

A simplicidade também define o jornalista quando o assunto é comida. "O que eu gosto mesmo é arroz, feijão, salada e carne", e é neste último item que a saudade do pampa bate mais forte: "No Rio Grande do Sul é notadamente melhor, estou sentindo falta de carne boa em São Paulo", reclama.

Mas os hábitos gauchescos cessam por aqui, pois admite que não sabe assar churrasco e que a bomba e a cuia ficam guardadas no armário de casa e só são usadas por dona Glória e seu Flávio, quando visitam o filho. O anfitrião tem um lugar preferido para ir quando recebe alguém: "Eu não sou muito de sair, não vou a muitos lugares, mas sempre que vem gente de fora, vou ao Beco do Batman. Lá, no fim de tarde, tem música ao vivo e uma boa cerveja".

Começo da carreira

Enquanto ainda estava na faculdade, Filipe estagiou nos jornais Zero Hora e Diário Gaúcho, e foi lá que teve o primeiro contato com a TV, pois no DG fazia as manchetes para a TVCOM. A primeira vez que trabalhou diretamente em televisão, porém, foi no estágio de uma emissora da Globo, no Rio de Janeiro, quando tinha 20 anos: "Ali, aprendi que o jornalista tem que saber um pouco de cada coisa. Na GloboNews, tive que aprender de tudo e muito rápido. Eu passei por diferentes editorias e tudo foi muito desafiador", rememora.

Foi na emissora carioca que tomou "um puxão de orelha" que lhe proporcionou outra grande lição. A editora lhe perguntou pelo Mahmoud Ahmadinejad e ele respondeu: 'Quem'?". Era o presidente do Irã e o estagiário não havia reconhecido pelo nome. "O assunto não era muito interessante para mim, eu não absorvi sobre ele. Mas eu tinha que saber, tinha que estar atualizado", admite.  

Aquele terno verde

É às gargalhadas que ele fala de outro grande desafio do início da carreira: comprar uma roupa para "aparecer na TV". Só que, de acordo com o repórter, o paletó era horrível, tinha pouco dinheiro, comprou um terno barato, mas este era horroroso. "Não sei onde estava com a cabeça quando escolhi aquela cor verde-musgo". A peça foi doada pouco tempo depois da aquisição.

A definição no Aurélio de um cara gente boa não existe, mas tem uma que define bem o jornalista, de acordo com Filipe: obstinado, aquele que persiste; firme, pertinaz. "Não entro em um projeto para fazer pouco, faço bem aquilo que me proponho, sou seguro do que eu quero e dedicado em relação às minhas escolhas", define-se. Diferentemente do que considera seu defeito, está a procrastinação: "Para que fazer agora o que você pode fazer depois?", descontrai. Segundo Filipe, o deixar para depois é usual na vida pessoal, mas não no trabalho, pois o Jornalismo não deixa brecha para isso. O timing das pautas não tem espaço para prorrogação, esclarece o colorado, que não é muito fã de esportes e que deve horas na academia. 

Católico não praticante, diz ter afinidade com o espiritismo, que estudou quando era adolescente, mas afirma não frequentar mais o centro espírita, nem igrejas. "Tenho uma simpatia pelas religiões afro, apesar de conhecer pouco. Quero estudar mais o assunto." Só que os livros de cabeceira do momento são mesmo os de Direito. Lia muito Agatha Christie quando era adolescente. Na conta dele, foram mais de 30 títulos da autora britânica. "O jornalista sempre quer saber o que aconteceu, acho que a escritora plantou essa semente em mim. Foi importante na minha formação, com o hábito de ler e conhecer vocabulário", reconhece. Filipe conta que era uma vitória quando acertava o assassino dos crimes das tramas policiais.

O ARI no início de carreira

Quando o assunto é a sétima arte, ele se diz bem convencional. "Meio blockbuster", ele não mergulha muito no universo do cinema, porém diz apreciar os filmes brasileiros que despontam e está curioso para assistir 'Deserto Particular', o qual conta a história de um policial exemplar, que comete um erro e coloca a carreira em risco. Filipe afirma não perder nenhuma estreia da Marvel por conta do hábito que adquiriu junto ao irmão mais novo. "O Lelis sempre gostou de ver os filmes de super-heróis, então assistimos juntos porque tem esse lado afetivo", justifica.

Filipe guarda com carinho o primeiro prêmio que ganhou, o ARI de Jornalismo, conquistado quando era um jovem repórter. "Contei a história de um menino que queria se tornar um grande bailarino, mas tinha uma vida difícil. Era pobre e sofria preconceito dos amigos que diziam que ballet era coisa de mulher", detalha. O repórter conta que acompanhou dois testes do dançarino para a Escola do Teatro Bolshoi: "Ele realizou o sonho dele e a matéria ganhou o primeiro lugar".   

Outro momento de satisfação na carreira foi quando recebeu o convite para trabalhar na capital paulista. "Acho que foi um caminho natural e me mostrou que meu trabalho foi reconhecido e bem feito nos últimos 13 anos em que eu estou na Band", comemora.

Rotina

O dia do jornalista nunca é igual, a começar pelo horário de trabalho, às vezes de noite, outras no turno inverso. O que ele não abre mão é tomar o café ao acordar sossegadamente. E o que mais o agrada no exercício profissional dentro da redação é transcrever o que foi dito pelos entrevistados. "Não é todo mundo no telejornalismo que gosta de decupar, mas, como repórter, gosto de ouvir novamente a entrevista e fazer um texto de TV casado com as falas", revela.

E talvez seja todo esse cuidado que arranque o que considera um ótimo elogio: "Mais de uma vez, as pessoas me falaram que consigo passar a informação de forma clara em meus textos", comenta. É que agora que você leu a reportagem até o fim já sabe que Filipe Peixoto é 'dedicado em tudo que faz'. 

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