Hilmar Kannenberg: Radialista do mundo

Com visão avançada sobre a comunicação, Hilmar Kannenberg se tornou uma das pessoas que auxiliou na difusão do rádio no Estado.

Por Juliana Freitas, em 28/08/2014.
Em um tempo em que a comunicação começava a se tornar cada vez mais importante para a sociedade, Hilmar Kannenberg já se mostrava à frente do seu tempo. Com 73 anos de idade e mais de 50 de carreira, dono da Rede Dial de Comunicação, iniciou aos 16 anos no rádio, sem conhecer nada de técnicas ou linguagens adequadas, e fez da oportunidade uma trajetória de sucesso. Tanto que acabou se tornando uma das pessoas responsáveis por participar de momentos históricos na comunicação gaúcha.
Experiente e tendo viajado o mundo todo devido a compromissos com entidades mundiais de comunicação, participando de comissões e sendo presidente e vice-presidente, fala inglês fluente, além de um dialeto alemão, que aprendeu em casa, com a mãe. Certa vez, quando olhava as figuras de uma revista, aos cinco anos, um jovem lhe avisou que a publicação estava de cabeça para baixo. "A expressão foi "estás com a revista na cabeça". Como a língua alemã é diferente do dialeto, não entendi e disse que que não tinha nada na minha cabeça", lembra, rindo do episódio.
Teólogo formado pela Faculdade EST, de São Leopoldo, veio de Ati Açu, interior de Sarandi, com os pais carpinteiros. Também é pós-graduado pela Universidade Livre de Berlim, graças a uma bolsa de estudos. Na mesma viagem aproveitou para estudar sobre redação e edição de programação de rádio na Inglaterra e Holanda. Para Hilmar, a escolha de ir para longe foi um grande desafio. "Primeira vez, quando me convidaram para trabalhar em rádio, quando eu ainda era adolescente, sem saber de nada, eu disse quero. Na segunda vez eu também disse quero, mesmo sem saber se eu teria condições", afirma.
Do comércio para o rádio
O convite para trabalhar em rádio surgiu pelo fato de saber falar alemão. Trabalhando em comércio nas férias da escola humanística, onde era bolsista, Hilmar foi chamado para apresentar um programa, mesmo sem nunca ter entrado em um estúdio de rádio antes. "Foi em Venâncio Aires, quando eu ainda era adolescente. Trabalhava em uma ferragem quando o dono de uma rádio da região me chamou para apresentar um programa", recorda. Apesar de não saber nada sobre a área, o proprietário da emissora lhe transmitiu os ensinamentos básicos, e ali iniciou o que seria sua grande paixão.
Permaneceu no primeiro emprego como radialista durante três meses. Quando veio para São Leopoldo para cursar teologia, negociou com a rádio da cidade um horário para apresentar um programa. "Era aos sábados, às 14h. Eles não faturavam nesse horário. Então, me comprometi a ir atrás dos patrocinadores", conta. Apresentando um programa cultural, que também trazia informações sobre a região, Hilmar descobriu sua verdadeira vocação. "Foi ali que eu peguei gosto pelo rádio", revela.
Devido ao programa, Hilmar ainda receberia um convite para se especializar na Europa. "Um professor me disse que meu programa era muito ruim, mas era o único que ainda trazia alguma cultura para a comunidade. Então, me ofereceu a oportunidade de aprender mais sobre rádio", conta. Os estudos em comunicação foram conciliados com a bolsa no exterior que tinha recebido para fazer pós em Teologia. Durante dois anos, estudou na Alemanha, Inglaterra e Holanda, e aproveitou para conhecer órgãos de comunicação europeus.
Foi na viagem de estudos, no início da década de 60, que Hilmar fez contatos e conheceu entidades mundiais de comunicação. Em Londres, na Inglaterra, visitou a World Association for Christian Communication (WACC) (Associação Mundial de Comunicação Cristã), entidade que trabalha comunicação alternativa e, na época, lutava contra a ditadura militar na América Latina. Foi vice-presidente e teve obteve apoio quando quis difundir o conceito da comunicação participativa. "Eu não concordava com a questão de o rádio transmitir e o público apenas ouvir. Acreditava que tinha que haver interação", diz.
Com o término do período da bolsa, voltou ao Brasil e trabalhou pelo País antes de se instalar em Três de Maio, onde faria sua primeira radionovela. "Gravávamos depois da meia-noite, quando o estúdio fechava", revela. Com tema englobando a defesa de Judas, o apóstolo que traiu Jesus Cristo, Hilmar revela que era uma maneira de expressar as opiniões em plena ditadura militar, sem que fosse preso.
Gravando em 3, 2, 1
Quando foi 1969, época em que era Secretário de Comunicação da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), nascia a ISAEC Gravações e Produções. Criada para a captação de recursos para a produção de programas religiosos que seriam distribuídos nas rádios do interior do Estado, a gravadora acabou sendo um incentivo para a cultura do Estado. "A ideia era dar um apoio cultural à sociedade em geral. Moral da história: a produtora foi responsável por um boom na música regional", afirma.
A ISAEC recebia músicos de todas as regiões do Rio Grande do Sul e auxiliou a difundir a música regional pelo Estado. Era mais econômico para os músicos, lembra Hilmar, que ao invés de levar toda a equipe para São Paulo e gastar com hotel e tudo mais, gravavam em um estúdio perto de casa. Com direção artística de Geraldo Flach, compositor e músico já falecido, a gravadora cresceu, contando com uma grande quantidade de produções do selo Continental. Mas isso não impediu que a operação encerrasse suas atividades nos anos 90.
Sua única decepção, segundo Hilmar, foi não ter conseguido os resultados culturais que visava na época. "Eu esperava que ela desse maiores resultados." Apesar da aceitação da gravadora no mercado, ele afirma que seu fim tinha data marcada, quando viu um computador pela primeira vez. "A primeira pergunta que fiz foi "grava áudio"?", conta. Com a abertura de estúdios mais modernos, a ISAEC se tornou supérflua e fechou suas portas na década de 90.
Rede Dial
Hilmar é dono da Rede Dial de Comunicação, que já conta com rádios em Novo Hamburgo, Gramado , Estrela , Glorinha, Lajeado , Panambi e Candelária . Tudo começou quando, depois de 11 anos, deixou a então Fundação Isaec, que já englobava, além da gravadora, a administração de rádios em Novo Hamburgo e região, para trabalhar como professor e pastor.
Na mesma época, foi convidado para participar de um evento com o então ministro das Comunicações, Haroldo Corrêa de Mattos, em Brasília, e voltou do Distrito Federal com três FMs. "Na época, eram poucos os que acreditavam na FM como algo promissor. Por isso, era fácil de conseguir uma frequência. Era só pedir", lembra. A partir de então foi criada a União FM em Novo Hamburgo e Blumenau, em 1980. Com o auxílio da esposa Marta, que era experiente em marketing de rádios e responsável por 70% das empresas, foi atrás de recursos.
Quando lembra do início de tudo, Hilmar ressalta o orgulho que sente quando percebe que conseguiu firmar uma ideia de comunicação diferenciada. "Difundimos a ideia da comunicação dialogal, onde o ouvinte deixa de ser objeto, para ser sujeito", diz. O conceito surgiu ainda em 1971, quando ele era membro da Comissão de Comunicação da Federação Luterana Mundial (FLM), sediada em Genebra, na Suíça. Desde então, faz parte da maneira de comunicar de suas rádios.
Um exemplo está em Gramado, onde se encontra a primeira rádio da Rede Dial, inaugurada em 1991. A emissora auxiliou no crescimento do turismo da região. "A Rede Dial não é repetição de programação. A programação é regional. O principal é a "aldeia". É ecoar o que está acontecendo na comunidade. Informações que levem ao desenvolvimento da região", ensina, ao detalhar a receita usada na emissora. Através de ações que levaram a população local a valorizar a região, conseguiram chamar mais a atenção dos turistas e aumentar a presença deles na região serrana.
União e vida
Grande parte do caminho trilhado por Hilmar contou com a companhia da esposa, Marta. Já são 46 anos de convivência, cumplicidade e divisão na dedicação à Rede Dial. "A Marta estudava na escola ao lado da minha. Da sala de Química, eu via ela. Minha química estava lá fora", brinca, contando ainda que teve que disputar seu coração com o então namorado dela na época. Da união, nasceram três herdeiros. O advogado Alexandre, que ajuda o pai na administração das rádios, e no período dos editais acompanhou a tramitação burocrática das concessões; o engenheiro Gustavo, mestrado em engenharia de produção; e o ator Felipe, que protagonizou o filme "Menos que Nada", dirigido pelo gaúcho Carlos Gerbase.
Simpatizante do trio "arroz, feijão e churrasco", afirma fazer hidroginástica e revela que a saúde já causou um susto em uma viagem. "Estava indo para uma reunião da WACC, em Angola, e passei mal no avião. A sorte é que caí aos pés de um médico", conta. Na época, Hilmar viajava por diversos países, chegando a realizar os trajetos seis vezes por ano. Após o incidente, que teve causas desconhecidas, finalizou os relatórios e decidiu priorizar a saúde, deixando o cargo na entidade em 1993.
É colorado e diz que adora uma pescaria. "Essa preferência vem da infância, onde tenho lembranças das malandragens entre os amigos, na beira do riacho", conta. A época da escola ainda lhe influenciaria em outras preferências, como por filmes históricos e livros policiais. Criativo, acredita que seu maior defeito é realizar várias atividades ao mesmo tempo, deixando, por vezes, que a criatividade influencie na realidade.
Admite que nunca parou para pensar em outra profissão. "Nunca me imaginei." Porém, há um interesse à parte, que Hilmar revela gostar: a neurociência. "Nunca estudei em faculdade. Mas sempre busquei sozinho conhecer o tema, principalmente, dentro das comunicações", diz. Quando questionado o que espera estar fazendo no futuro, ele revela um desejo pessoal. "Estar escrevendo no computador, sem precisar digitar, apenas ditando", afirma, admitindo que troca muitas letras quando vai digitar um texto.
 

Comentários