Jean Schwarz: Lentes no futuro

Fotógrafo autodidata, a relação com as imagens vem desde pequeno

Entre as tesouradas e o cair de cabelos dos clientes do avô barbeiro, Arnold, o pequeno Jean Pierre Schwarz, em Bento Gonçalves, passava o tempo fazendo colagens com recortes das antigas revistas Manchete que ali descansavam, a atividade preferida. A cena, que todos que passavam presenciavam, parecia ser coisa boba ou apenas brincadeira de criança, mas era muito mais do que isso. Aquilo foi o começo de uma longa relação dele com a imagem. Foi a partir dali que se tornou um fotógrafo, autodidata, aliás, e usava a câmera que havia ganhado da mãe, Valmi, que, como o pai, Jorge Luiz, era comerciante, para tirar fotos de tudo o que o interessava.

Para Jean, o futuro é o presente. Ele está sempre olhando para frente, buscando inovações, antecedendo tendências e buscando o que fará depois de hoje. E é aí que entra uma das grandes qualidades: a obstinação. Característica daquele que persegue sempre o objetivo e não se contenta com pouco. Deve ser por isso, inclusive, que disse que o principal defeito é a teimosia. Entretanto, um alerta: não se deve pensar que a obstinação é uma ganância. "As pessoas confundem muito. Sou obstinado dentro das coisas que acredito, que desejo. Montei uma produtora do nada, porque coloquei na cabeça", salienta.

Foi por conta deste olhar no futuro e do amor à tecnologia que aprendeu a programar e criou o aplicativo Meu Mundo POA, o qual contava com quase 200 estabelecimentos comerciais e servia como um guia de Porto Alegre. A invenção chegou a chamar atenção do Google, que sondou a ferramenta. "Conseguíamos fazer uma câmera de 360 graus com o celular, enquanto eles precisavam colocar em um carro", relembra. Com isso, a gigante do Vale do Silício o convidou para a inauguração da sede em São Paulo.

E a paixão pela tecnologia plantou na cabeça de Jean a ideia que tomou conta da sua vida: uma produtora de vídeos, que, além de entregar aos clientes o produto convencional, ofereceria clipes interativos. Assim nasceu a Yellowbird Films, em parceria com o sócio Felipe Daroit. "Nós damos a possibilidade de a empresa oferecer para o espectador que ele monte a jornada dele. E isso é muito legal."

Câmera, uma companheira

A paixão pelas imagens e a obstinação levaram Jean a vários cantos do mundo. Mas, antes, passou por um triste trauma. Perto de completar 18 anos, perdeu a mãe, que lhe deixou de herança um carro. O veículo, no entanto, foi vendido e, com o dinheiro, Jean comprou uma câmera. Apaixonado por skate, esporte que praticava, aproveitava o tempo nas pistas de manobras para fazer fotos. Ao fazer uma acrobacia com a prancha, rompeu os ligamentos de um dos joelhos. Ali terminava a carreira de um esportista e começava a de um fotógrafo.

E esta trajetória se iniciou de forma profissional assim que completou a maioridade, depois que foi morar em São Paulo. A oportunidade surgiu após os editores da revista Tribo gostarem de seu portfólio. "Você não topa ir para São Paulo trabalhar? De todos os trabalhos que a gente viu aqui, o teu é o que mais tem a cara da revista", conta sobre o convite, que foi aceito de pronto. Mesmo recém-chegado, uma das imagens que tinha feito virou capa de uma das edições. Porém, achando que já seria colocado na labuta de primeira, enganou-se. Antes, teve que passar por um processo de aprendizagem, o que considera como "muito positivo".

Naquele momento, Jean estava se tornando o profissional que seria para o resto da vida. Um dos grandes aprendizados, ele demorou pra entender. Sempre que recebia um filme rebobinado, ele vinha com "três ou quatro poses apenas". A questão é que, como lhe explicaram, tinha que se acostumar a conseguir "a foto ideal na primeira tentativa", sem precisar de muitas alternativas. O aprendizado ficou na memória, tanto é que, como afirma, até hoje não é daqueles que "descarrega a máquina", precisando sempre de cerca de três cliques diferentes para conseguir a imagem que quer.

O começo da vida em São Paulo não foi dos mais fáceis, mas também se adaptou à cidade com certa rapidez, uma vez que já havia morado lá por um breve período anos antes. Nesse reinício, ainda sem renda fixa, não conseguia achar ninguém disposto a alugar para ele um apartamento. Por isso, precisou morar de favor na casa de alguns amigos e, para compensar, ajudava nos afazeres domésticos, desde cozinhar feijão, até limpar a casa. Ele chegou até a morar em um depósito de revistas, que ficava em um loft no bairro Jardins. "Às vezes eles alugavam outros 'apês' e eu podia mudar de quarto. 'Hoje vou dormir no 84. Não, hoje quero ir pro 24'", se diverte ao relembrar.

Foi nesta época que conheceu um dos seus mestres e melhores amigos até hoje, Fernando Moraes, que o ensinou muitas das técnicas que utiliza. "Eu mal sabia fotometrar. Ele pegava uma revista e marcava os pontos de fotometria. Me dizia o que fazer quando a luz entrava de um jeito ou do outro", lembra sobre a parceria. É com ele que passa horas no telefone contando as novidades e, sempre que volta a São Paulo a trabalho, faz questão de encontrá-lo.

Contudo, a vida na capital paulista teve fim cerca de 10 anos depois. Ao sair da Tribo, trabalhou na 100% Skate por mais dois anos, até que se cansou da fotografia no mundo do skate. Rindo, conta que o peso da idade já pairava, mesmo aos 20 e poucos, e viajar em carro lotado, deitar-se no piso quente do sol para achar algum ângulo e receber um "skatada" na nuca já não eram mais pra ele. Foi então que um novo convite chegou na hora certa. O amigo Eduardo Cariboni, que estava à frente da revista do Grêmio, Nação Tricolor, o chamou para participar do projeto. Com o aceite, Jean voltou a Porto Alegre.

Andanças

Em solo gaúcho novamente, dividia-se entre o trabalho com a Nação, que acabou durando alguns meses, e alguns jobs temporários. Em um deles foi chamado para uma produção em uma aldeia indígena no bairro Lami, extremo sul de Porto Alegre. Ao se encantar com o lugar, fotografou uma das principais fotos da carreira: "Vi um indiozinho em cima de um tronco, em um contraluz maravilhoso, só a silhueta. Ele pulou na água". A cena, imortalizada no clique, o fez tomar a decisão de passar três meses morando naquele local.

"Mágica", assim ele define a experiência que o tornou um "outro tipo de fotógrafo, mais humano". E isso aconteceu pelo convívio, por tentar entender como aquelas pessoas viviam. O trabalho o levou para Índia, Lituânia e mais cerca de quatro países, onde pôde expor as fotos que fez na aldeia. Em Nova Déli, participou como o único brasileiro no meio de fotógrafos renomados do Deli Foto Festival, evento da área realizado em 2011, do qual ele guarda a recordação e um livro derivado da galeria.

No mesmo ano, aproveitou as férias da Zero Hora para realizar outra viagem, mas, agora, o destino era bem diferente: ele iria cobrir a guerra civil na Síria, durante os desdobramentos da Primavera Árabe. Tudo isso aconteceu após enviar uma mensagem por Facebook para André Liohn, renomado fotógrafo brasileiro, que em 2011 vencera o 'Robert Capa' - prêmio internacional dado a trabalhos de destaque na área. No contato, Jean explicou a situação, disse que seria um sonho cobrir o conflito e que "era o que faltava na carreira". Ao ver o portfólio, André aceitou levá-lo ao país da Península Arábica.

Lar, doce lar

Mesmo tendo visitado vários lugares, o preferido continua sendo o lar. Ele, que se diz um "cara caseiro", sai em poucas ocasiões. Como um amigo leal, outra característica positiva pela qual afirma se destacar, uma das saidinhas preferidas é para tomar chope com os confrades. Todavia, adverte: "Acha que me encontra em shopping para comprar roupa? Não. Eu compro pela internet e, se não servir, mando de volta e peço a troca", diverte-se, ao contar.

E é em casa que tem uma rotina definida. Acorda sempre por volta das 5h da manhã, arruma a cama, já que é daqueles que só consegue começar o dia com tudo nos trinques, e parte para a oração matutina. Jean alega ter uma forte conexão com a religiosidade, traço aprendido com a mãe. Faz questão de agradecer a Deus diariamente por tudo o que tem, e por aquilo que não ainda não conquistou, pois "entendo que se não temos algo, é porque não é para nós ou só não chegou a nossa hora ainda. Embora não siga nenhuma religião, o contato com o sagrado norteia sua vida. "Tenho essa relação muito genuína. De acreditar mesmo que não estamos aqui por causa de uma explosão e se estamos, alguém a gerou. Porque tudo é tão perfeito", enfatiza.

Além disso, o que não abre mão é das leituras, que sempre têm a ver com o ofício, já que, para ele, "trabalhar é um prazer". A literatura da vez é tudo o que envolve o Metaverso e a realidade aumentada, por conta dos projetos na Yellowbird e pelo amor à tecnologia que vem desde criança. Exemplo disso é a vez que desmontou um Game Boy para conferir as peças, remontou-o e saiu jogando, o que deixou os primos de boca aberta achando que ele havia estragado o videogame.

A ligação com as imagens também está presente no consumo de filmes, que diz "devorá-los", e gosta de pausar a exibição várias vezes e retroceder, para conseguir pegar cada detalhe da película. Inclusive, lamenta-se por não ter conseguido assistir a todos os indicados ao Oscar.

Para uma pessoa que vê o futuro no presente, o agora de Jean não é nenhum mistério. Ele, que se sente realizado e que tem tudo o que precisa, como bom ambicioso, quer conquistar ainda mais, porém com um passo de cada vez. Em 2017, Marcelo Nunes lhe deu a oportunidade atuar como diretor na Bandits Filmes, o que o fez sonhar em se tornar diretor de cinema, "o que vai acontecer em cinco ou oito anos"; outro é consolidar ainda mais o Big Yellow, braço da produtora que cuida exclusivamente de soluções tecnológicas. E é por isso que o lema que leva para vida o define: "o imporssível não existe para aqueles que acreditam que podem".

 

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