João Carlos Belmonte: Viver bem e fazer o bem

Com sete Copas do Mundo na bagagem, ele também cobriu muitos dos jogos mais importantes da dupla Grenal

As vidas pessoal e profissional do apresentador, comentarista e jornalista João Carlos Calvano Belmonte sempre andaram lado a lado. Dono de uma memória invejável, o único filho do mestre de obras Ismar e da enfermeira Maria de Lourdes conta a origem dos sobrenomes: Calvano é italiano e Belmonte é português e espanhol, aliás, ele ensina, é o mesmo nome da cidade em que nasceu Pedro Álvares Cabral. Além disso, na Espanha, é o nome de um dos maiores toureiros da história. "Então, eu sou uma mistura de Portunhol", conta, com orgulho. 

Gaúcho de Itaqui, cidade que fica a 730 quilômetros de distância de Porto Alegre, nasceu em plena Segunda Guerra Mundial, em 30 de junho de 1943. Quando tinha 10 anos, a família se transferiu para Uruguaiana, por um acontecimento que, na época, era um verdadeiro escândalo: os pais se separaram. 

Aos 16, veio para Capital para estudar e trabalhar. Cursando Técnico em Contabilidade, no Colégio Protásio Alves, conseguiu um emprego na Companhia Atlântica de Seguros. Porém, no colégio, tinha um colega que era um dos sócios de uma empresa de Engenharia e Construção, que o convidou para trabalhar com ele. A empresa ganhou uma concorrência para fazer uma obra em Uruguaiana, e como sua mãe ainda morava por lá, acabou sendo o escolhido para executar o trabalho na cidade. 

Amor, meu grande amor

Regressando ao interior, voltou a ser o Caio, apelido dado por um primo que não sabia falar seu nome. Recordou a infância maravilhosa, quando as brincadeiras eram na rua e as peladas de futebol eram jogadas na beira do Rio Uruguai, assim como a natação atrás das balsas e as caminhadas pelos pátios das casas da vizinhança, para comer frutas direto do pé. 

Foi lá que conheceu aquela que seria a sua companheira de vida. Ligia Villar Belmonte, falecida há pouco mais de um ano em decorrência de um câncer de pulmão, foi seu grande amor. Foram 53 anos casados e muito bem vividos. Duas quadras de distância eram o que separava o casal, que costumava ir à missa aos domingos e acabava se encontrando. Até que a ida a um aniversário os uniu como namorados e não se desgrudaram mais.

Da relação, nasceu o Beto e o Caco. Puxando a profissão do pai, ambos são jornalistas. Roberto Belmonte tem 53 anos, é jornalista e professor universitário de Jornalismo Ambiental na Uniritter, e Ricardo Belmonte tem 49 anos, é jornalista e escritor. Desde que o pai ficou viúvo, Caco fechou seu apartamento e foi morar com João Carlos.

Cada lembrança traz um pouquinho da companheira, entre elas, alguns dos poucos pratos que aprendeu a fazer com a esposa: o espaguete com molho de atum, o ensopadinho de massa com ovos em cima, a carne de panela e o arroz com ovo. "Sou um cozinheiro de poucos pratos e agora cozinho cada vez menos, uma vez que o Ricardo é quem assume a culinária em casa", compartilha. Entre os pratos favoritos, estão feijão com arroz e massa espaguete de todos os jeitos - a de molho de queijos do filho está entre as favoritas.

Para tudo tem um começo

Em 1963, a Igreja da cidade natal fundou a Rádio São Miguel de Uruguaiana e, por acaso, foi convidado pelo amigo José Antonio Degrazia a apresentar ao seu lado um programa, apenas com o objetivo de cobrir um colega. Seria a segunda vez que pisava em uma emissora de rádio, pois a primeira foi quando entrou no edifício União, na sede da Rádio Gaúcha, quando atuou como radioescuta. A apresentação gerou curiosidade e acabou juntando várias pessoas no estúdio. Então, uma freira perguntou: "O senhor trabalha em rádio há muito tempo?", ao que ele respondeu: "Há 20 minutos". E assim nasceu um contrato.

Naquela época, teve um campeonato estadual de futebol de salão, atual futsal, e o jornalista da 'Folha da Tarde' Fernando Martins foi cobrir o evento. Antes de ir embora, se virou para o jovem e disse: "Tu tens tudo para trabalhar em qualquer emissora de rádio de Porto Alegre". Um ano depois, Degrassi teve um desentendimento com o bispo e pediu demissão. Em solidariedade ao amigo, fez o mesmo e, desempregado, decidiu que viria trabalhar na capital gaúcha.

Foi falar com Lígia, que lhe disse que, se ele fosse embora, não teria como manter o relacionamento. Então, passou a noite pensando: se ao se despedir ela não rompesse o namoro, ele iria pedi-la em casamento, mesmo sem aliança ou emprego para oferecer. No dia seguinte, quando se encontraram, ela admitiu que não queria terminar e ele cumpriu a promessa: fez a proposta e ficaram noivos. 

Vou pra Porto Alegre, tchau! 

Chegando em Porto Alegre, foi em busca de Amir Domingues, na rádio Guaíba, a quem havia sido recomendado. Com medo de não conseguir um emprego, não conseguiu esperar a resposta e foi logo fazer um teste na Rádio Difusora. Resultado? Aprovado na hora. Um ano depois, um vai e vem. Finalmente, teve a oportunidade de ir para a emissora do Grupo Caldas Júnior, mas uma proposta irrecusável do antigo trabalho (e primeiro na Capital) o fez voltar rapidamente.

Pouco tempo depois, foi a vez da Rádio Gaúcha reconhecer o seu talento e o puxar. Por lá permaneceu seis anos, até acontecer uma grande revolução promovida pelos profissionais da empresa, o que fez com que acabasse voltando a atuar na Guaíba. Foi nos microfones dela que, após a inauguração do estádio Beira-Rio, em abril de 1969, tornou-se o primeiro repórter esportivo, uma vez que o jornalista Lauro Quadros passou a ser comentarista. 

Ainda no mesmo ano, viajou por toda América do Sul cobrindo as eliminatórias da Copa do Mundo, e no ano seguinte, 1970, cobriu a Copa do Mundo no México. Deste feito, ganhou o primeiro lugar no Prêmio ARI de Jornalismo e em tantos outros reconhecimentos importantes, como o Bola de Ouro.

Viajando pelo mundo

Belmonte destaca que teve três grandes momentos na carreira, os quais o fizeram se emocionar. Quando cobriu a vitória da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1970; a primeira conquista do Campeonato Brasileiro pelo Internacional, em 1975; e o título mundial do Grêmio, em 1983. Não abre o time do coração, pois diz que sempre foi bastante elogiado por sua imparcialidade. E como trabalhou em grandes jogos dos dois clubes, muitas vezes se emociona com ambos. "Marquei minha carreira de quase 50 anos com imparcialidade, e acho que assim devo mantê-la", defende-se.

Fez muitas viagens pelo planeta e contabiliza sete Copas do Mundo na carreira, encerrando com a de 1994, quando o Brasil saiu com o Tetracampeonato. Trabalhou por 48 anos ininterruptos, até os seus 68. Destes, 18 foram dedicados à Rádio Guaíba, outros 18 anos à Gaúcha e mais 10 anos à antiga Bandeirantes. Sua última casa foi na Rua Caldas Júnior, há poucos anos, em 2011. 

Nota oito, com louvor 

É formado na universidade da vida e em Técnico em Contabilidade, atividade esta que nunca exerceu. "Teve uma época, no auge da minha carreira, em que eu viajava o mundo inteiro com o Grêmio, o Inter e a Seleção Brasileira, e tive que aprender a me comunicar com o gestual e em inglês. Então, acabei aprendendo a língua", conta. 

Aprender outras línguas se deu por força do trabalho, como aconteceu também quando foi cobrir a Copa da Itália, para o Grupo RBS, e teve que apresentar um programa que seria transmitido de Roma, com cinco horas de duração, chamado 'Boa Noite, Brasil', 'Buongiorno, Itália'. Por isso, sempre diz ao neto João Pedro, de 22 anos, que estudar é algo muito importante. 

Quando decidiu se aposentar, os amigos lhe diziam para cuidar do vazio existencial. Seguindo o conselho, fez sua rotina ser bem ocupada. Acorda entre 7h e 9h da manhã, lê o jornal na companhia do chimarrão, toma café e faz sua caminhada pelo bairro Menino Deus - aos finais de semana, porém, o exercício é no Parque Marinha do Brasil. Aos 78 anos, é impossível não ter muitas manias, mas uma das principais é também uma ótima dica de saúde: beber dois litros de água por dia. Além disso, ensina, é bom pensar na vida, fazer palavras cruzadas e atualizar sempre as leituras.

Aficionado por esse último item, entre suas últimas estão as biografias de Getúlio Vargas, de Roberto Carlos, de Roberto Marinho e de Lula. Mas os dois melhores livros da vida são os que foram escritos em casa: 'Lambuja', escrito pelo filho mais novo, o Caco, e 'Fala, Belmonte! Memórias do Cronista Esportivo', de sua autoria. Além disso, gosta de assistir ao noticiário, filmes na Netflix e adora novelas. 

Entre os defeitos, afirma ser um "cara maniático". Já como qualidade, considera-se bondoso e modesto. Totalmente realizado, quer viver no mínimo até os 93 anos e se define como alguém simples e bom, que se preocupa com aqueles que precisam ter o que não têm. Se pudesse se dar uma nota de um a 10? "Oito, com louvor". E o que espera da vida? Viver bem, fazendo o bem e se afastando do mal.

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