Liberato Vieira da Cunha : Palavras íntimas

Entre Jornalismo e Literatura, Liberato Vieira da Cunha se mostra um apaixonado pelas duas carreiras

Por Márcia Farias
Em um apartamento grande e aconchegante, no centro de Porto Alegre, ele guarda lembranças de 67 anos de vida. Algumas delas estampadas na parede, outras em estantes, algumas ainda em uma sala exclusiva. Trata-se de quadros, fotografias, discos, livros e prêmios de Liberato Vieira da Cunha, homem de ar sereno, mas com um humor que permite piadas e sorrisos constantes. Certa dificuldade de locomoção não o impede de mostrar a biblioteca particular, espaço que agrega mais de 5 mil livros. No mesmo local, Liberato guarda uma máquina de escrever - que pertencia ao pai, de quem herdou uma discoteca com mais de 100 discos. Na sala, também exibe diversas premiações: ARI de Jornalismo, Açorianos de Literatura, Negrinho do Pastoreio e até uma medalha francesa, a qual, explica, é equivalente ao título inglês de Sir.
O jornalista vive de lembranças, mas também pudera, são muitas. A família está espalhada em diversos porta-retratos pelo apartamento, seja na parede, em estantes ou em mesas de canto. Natural de Cachoeira do Sul, Liberato orgulha-se ao contar que vem de uma família de jornalistas e que iniciou sua carreira na cidade natal. Fascinado por tudo que era impresso, aprendeu a ler sozinho, observando especialmente as capas de jornais e, aos 14 anos, trocava as férias escolares pela produção de matérias para o Jornal do Povo.
Quando tinha 11 anos, recebeu o impacto da morte prematura dos pais, em acidente aéreo ocorrido em Bagé. Era abril de 1957, e Liberato pai, secretário de Educação do governo estadual, viajava com a esposa Jenny em um vôo de carreira da Varig. O golpe obrigou o menino a amadurecer muito rápido. Mesmo reconhecendo a saudade, diz que prefere guardar apenas as boas lembranças, que são muitas, do tempo em que pôde conviver com eles. "A grande herança que eles me deixaram foi o amor pelas artes, seja Literatura, Música, Cinema ou Pintura", conta. Mais velho de uma prole de quatro, mantém uma grande amizade com os irmãos: a professora universitária Miriam e o artista plástico Eduardo, assim como foi com a jornalista Maria Bernadete, que faleceu aos 30 anos.
Gratas experiências
Liberato consolidou sua carreira basicamente nos dois jornais de maior circulação de Porto Alegre, Correio do Povo e Zero Hora. No primeiro, foram 15 anos, ainda quando o diário pertencia ao hoje extinto grupo Caldas Júnior. Mas é o extinto Diário de Notícias, onde começou, que credita ser "uma verdadeira escola". Começou como copydesk e fazia reportagens especiais para as edições de domingo, no Segundo Caderno - geralmente, a capa e a contracapa ficavam por conta dele. "Era interessante, pois tudo tinha que surgir da minha cabeça. Na época, não existia a figura do pauteiro." Também foi redator, subsecretário de redação, secretário de redação, secretário gráfico, editorialista e editor nacional.
Foi no Correio do Povo que Liberato diz ter enfrentado o maior desafio da carreira, no final da década de 1960. Era uma terça-feira, quando o proprietário Breno Caldas o chamou para dizer que queria criar um caderno dominical de 16 páginas, com reportagens de variedades (páginas femininas, infantil, entre outras). "Aceitei na hora e perguntei: para quando? A resposta foi: 'Para domingo, ora'. Na sexta-feira, estava com o tal caderno fechado", detalha, para em seguida contar que o suplemento, chamado de Especial D, foi um sucesso espantoso entre os leitores.
Logo após o fechamento do jornal, em 1984, Liberato recebeu um telefonema de Lauro Schirmer com o convite para trabalhar em Zero Hora. "Foi uma experiência muito interessante, pois começamos a ter mais liberdade para escrever, já que era época em que foi aberta a política do Brasil, no final da ditadura", lembra. E lá se foram mais 20 anos de dedicação ao Jornalismo. A paixão por escrever era tão grande que, mesmo depois de deixar o dia a dia do jornal, permaneceu como cronista do Segundo Caderno por mais cinco anos.
Acumulou experiências também no serviço de imprensa da Secretaria de Educação de Porto Alegre, teve uma breve passagem como secretário de redação da Folha da Tarde, e, em paralelo às atividades em veículos de comunicação, ele ainda era funcionário público. Foram quase 30 anos na Fundação de Economia e Estatística (FEE), onde era responsável pela disseminação de matérias da instituição junto a veículos do interior do Estado.
A clareza do texto
Ao todo, são 10 livros publicados. Aliás, o 11º está pronto e trata-se do romance 'O homem que inventou a eternidade'. Lançar? Ainda não: "Sem pressa para fazer isso", pondera. Lembra bem do primeiro lançamento, no qual reuniu contos e crônicas já estampados pelo Correio do Povo. "'Miss Falklands' foi uma experiência muito gostosa. Praticamente todo mundo do CP escreveu sobre o meu livro", conta, visivelmente orgulhoso. Outra obra especial é o romance que foi considerado um dos mais importantes do Rio Grande do Sul, 'Torrentes de Santa Clara', ao qual não faltam referências veladas à cidade natal e momentos de sua vida.
Também é da Literatura que guarda um elogio marcante. O escritor Luiz Antonio Assis Brasil levou-o às alturas com uma crítica positiva ao seu romance 'O homem que colecionava manhãs'. "Foi incrível como ele entendeu todas as minhas intenções e todos os meus personagens", comemora. A mesma obra recebeu elogios do crítico Wilson Martins, que publicou suas opiniões positivas no jornal O Globo. Ambos o fizeram prezar ainda mais pela clareza em seus textos. Tanto que a característica o faz, hoje, não gostar de leituras em que seja necessário se esforçar para entender o que o autor quer dizer.
Pé na estrada
A carreira no Jornalismo proporcionou muitas viagens, atividade pela qual é apaixonado até hoje. A primeira vez que colocou o pé na estrada foi a convite do consulado alemão, para acompanhar as eleições parlamentares no país. Depois de 15 dias de trabalho, ainda se deu ao luxo de realizar o sonho de conhecer Paris, onde permaneceu durante um mês inteiro. Anos depois, voltou para a Alemanha, dessa vez para realizar um curso de Jornalismo avançado, em Berlim. Uma experiência de quatro meses, que o marcou pela vida toda. Conforme conta, o grupo de profissionais de 15 países iniciou como pessoas de culturas, raças, línguas e religiões diferentes, mas terminou como uma família de 15 irmãos.
"Foi um período que me deu a oportunidade de conhecer a forma de fazer Jornalismo na Europa e a chance de repensar a maneira como eu o fazia no Brasil", diz, acrescentando que as amizades foram mantidas por muitos anos e, até hoje, recebe cartas de pessoas desse grupo. No final da década de 1980, repetiu o curso. Desta vez, o Instituto Internacional de Jornalismo havia escolhido os 15 melhores alunos de todas as edições anteriores. Liberato, claro, foi um deles. Ainda voltou para o país a passeio por mais duas vezes e, hoje, mantém uma relação íntima com Berlim, pois diz ter se adaptado extraordinariamente bem à cultura local.
Além da Alemanha, a capital francesa tem espaço especial no coração de Liberato. Por muito tempo, foi a Paris ao menos uma vez por ano. A paixão, aliás, está estampada em quadros, pendurados em diversos pontos do apartamento.
Vida tranquila
Com uma vida de aposentado, Liberato diz que tem diversas atividades tranquilas e mantém sua rotina sempre cheia de ocupações. Separado da professora Flávia, com quem faz questão de dizer que mantém uma relação maravilhosa, tem com ela dois filhos: o publicitário Marcelo Firpo e a psicóloga Lúcia. A felicidade do avô-coruja é ter por perto os três netos, "com seus risos e vozes enchendo a casa". Uma das práticas preferidas é a caminhada, algo que faz todos os dias, geralmente pela manhã, momentos em que devaneia pelo centro da cidade que ama. Outra felicidade, da qual diz que nunca abandonará, é acompanhar o time do coração. Herança do pai, Liberato se intitula "colorado doente".
Como não poderia ser diferente, na lista de prazeres estão o cinema, a música e, obviamente, a leitura. Nesta última, a preferência é por títulos americanos, franceses e alemães. Para ouvir, o estilo preferido é apenas um: a música clássica. Para assistir, entram filmes diversos, mas jamais terror ou ficção, pois gosta de obras que tenham uma grande carga de humanidade. Na TV aberta, aprecia um gênero específico: assiste a todos os telejornais do dia.
Ensinamentos
Liberato se sente um profissional muito realizado, tanto no Jornalismo como no campo da Literatura. Fez tudo que um dia sonhou que faria, garante. Após a longa jornada, se tivesse que começar de novo, faria tudo exatamente da mesma forma. Aos jovens, ele dá um recado: "Jornalismo é uma profissão fascinante, uma escola maravilhosa para quem pretende escrever. Tenham como premissa a clareza e a precisão nos textos. Pratiquem a arte de escrever uma sentença declarativa simples. Isso é fundamental para a carreira".
Para o jornalista, vocação é uma soma de sentimentos que leva a uma direção determinada e que nos faz sentir realizados. "É isso que o Jornalismo e a Literatura significam pra mim", revela. E diz mais: "Sou um grande sonhador, um apaixonado pelas artes e um homem com grande apetite pela vida".
Imagem

Comentários