Luis Henrique Benfica: Comunicação no DNA

Dos microfones de Osório às coberturas pelo mundo, comunicador tem trajetória que permeia os bastidores do jornalismo esportivo gaúcho

Passasse um desconhecido pelo estúdio, até poderia estranhar a cena que se apresentava. Mas não os funcionários da Rádio Osório em meados de 1960. Estes, embalados pela célebre voz local de Argeu Gomes Benfica, estavam habituados a ver o filho caçula do comunicador deitar-se no chão, espalhando as páginas do jornal, para apreciá-las, com toda a curiosidade de seus cinco anos. Entre memórias guardadas e vivências contadas, esta é uma das mais vívidas de Luis Henrique Benfica com o pai.

O marido de dona Maria transmitiu a paixão pelo veículo aos dois filhos homens da prole. Silvio Luiz Benfica, o mais velho - também reconhecido no jornalismo esportivo -, teve a oportunidade de atuar lado a lado com o pai. Mas Luis Henrique não ficou para trás: da leitura no chão do estúdio, passou aos microfones já aos 14 anos, e, menos de três décadas depois, tinha coberto três Copas do Mundo.

A presença de seu Argeu marcou a história de Benfica, tanto quanto sua ausência. A morte do pai fez o guri, de apenas 11 anos na ocasião, abraçar a timidez como uma das principais características. A introspecção lhe trouxe, acredita o radialista, uma capacidade de observar e ouvir que qualifica seu trabalho. Mas, aos 61 anos de vida, ainda sofre desconfiança quando conta que é tímido. Afinal, quem ouve o profissional em ação sente a desenvoltura das quase cinco décadas de experiência.

Academia da vida

O radialista e jornalista, que, hoje, considera-se "um operário da Comunicação", não frequentou a academia na área, aprendendo na prática, com o exemplo do irmão e a herança do pai. Após três passagens pelos microfones da Rádio Osório, um namoro que virou casamento e um filho, decidiu deixar o Interior. A primeira oportunidade, na Rádio Eldorado, em Criciúma, Santa Catarina, trouxe novos horizontes e uma amizade, que seria duradoura, com David Coimbra.

O deslanchar da carreira, no entanto, não tinha como ser longe do Rio Grande do Sul. O irmão mais velho, que trabalhava na rádio Gaúcha, sugeriu que Luis Henrique enviasse boletins sobre o futebol catarinense para transmitirem. O trabalho chamou atenção da concorrência e ele retornou aos pagos, como contratado da rádio Guaíba. Foram 13 anos atuando na empresa da Caldas Júnior, onde também escreveu para o Correio do Povo.

Pelo caminho, ainda houve passagens pela Band. A emissora é, inclusive, a casa profissional para onde voltou, atualmente, dividindo o tempo entre o programa 'Apito Final', no FM 94.9, e conteúdos independentes em seu próprio canal no Youtube. Porém, ele considera que o ápice de realizações na trajetória foi quando, após muita insistência de David Coimbra, ingressou no Grupo RBS.

Sempre foi Jorge

"Sorte" é uma palavra que se ouve muito de Luis Henrique sobre as conquistas de sua história. Mas, contraditoriamente, ele admite que não acredita nela pura e simplesmente. As diversas vezes em que esteve "no lugar certo, na hora certa", o comunicador atribui à proteção de São Jorge. A fé no Santo Guerreiro está em toda a parte: na pulseira que usa em homenagem ao protetor, nas imagens que possui em casa e, é claro, na planta do seu padroeiro, presente no cenário de gravação dos seus conteúdos para as mídias digitais.

A crença em um 'poder maior' levou Luis Henrique a estudar o espiritismo. Porém, a doutrina kardecista tornou-se apenas conhecimento adquirido, visto que, hoje, ele se considera um cristão e segue alguns dogmas do catolicismo. O filho da dona Maria garante que é grato à educação recebida em casa e às oportunidades divinas. Fã de música, ele ilustra a fé, declamando a canção de Violeta Parra, imortalizada na voz de Mercedes Sosa: "Gracias a la vida, que me ha dado tanto...".

De Osório para o mundo

A possibilidade de ganhar o mundo é uma das vitórias atribuídas pelo osoriense aos céus. Foi durante as coberturas esportivas internacionais que viveu suas maiores aventuras. Somente em Copas do Mundo, passou por Itália, em 1990; Estados Unidos, em 1994; e França, em 1998; afora as tantas empreitadas jornalísticas acompanhando as partidas pela América Latina. Luis Henrique relembra com satisfação os tantos passeios feitos nas horas de folga, como um bom turista.

Certa vez, no país da Torre Eiffel, a equipe da rádio Guaíba deixava o estádio em que a Seleção treinava, quando se deparou com um lugar vazio, onde deveria estar o carro - com todo o equipamento. Em meio ao desespero, já contabilizando o prejuízo, notaram franceses rindo da situação. Mas o então colega Luiz Carlos Reche, arranhando o idioma, desvendou o mistério: o veículo havia sido guinchado, e não roubado, para alívio dos brasileiros.

De todos os destinos, foi a Terra do Sol Nascente que mais desafiou Luis Henrique. Em sua primeira empreitada, em 1996, para acompanhar Grêmio e Independiente, vinha de um amistoso na China e não conseguiu visto para ingressar no Japão. Em 1999, o caso foi diferente. Com toda a documentação correta, ele não apenas conseguiria entrar no país, como seria o único profissional da Guaíba a cobrir o confronto entre o Palmeiras de Luiz Felipe Scolari e o Manchester United. Teve que se hospedar, locomover-se e reportar sozinho desde o outro lado do mundo.

'Tempo Rei'

Independente e curioso desde a infância, o caçula homem da família Gomes Benfica começou a ler cedo, segundo lhe contou dona Maria - quem sabe, fruto da rotina com os jornais no trabalho do pai. Em meio aos periódicos, descobriu, ainda, uma paixão que poucos conhecem sobre ele: o desenho. Luis Henrique devorava as charges e se arriscava nos traços autorais, deixados de lado, entretanto, pela falta de tempo.

Gilberto Gil canta: "Tempo rei, ó, tempo rei, ó, tempo rei, transformai as velhas formas do viver". Em uma simples frase, de uma única obra, o músico traduz tanto da vida de um de seus fãs. Enquanto o relógio corria, Luis Henrique amadureceu, virou pai de Marcelo, Carolina e Lucas, avô de Júlia, firmou residência nos arredores da Glória, em Porto Alegre, divorciou-se, viajou o mundo a trabalho...

O tempo para Gil e sua trupe da Música Popular Brasileira foi reduzido. Do jovem que se encantou com um show do baiano em Osório e passou a frequentar as apresentações do artista - sonhando até em ser cantor, caso a Comunicação não prosperasse -, Luis Henrique se tornou um homem que dedica à MPB os contados minutos de seu banho. Os anos de atenção integral ao jornalismo esportivo roubaram o espaço dos hobbies, da família e do descanso.

Entre mestres e lições

Quase a metade do tempo de trabalho do radialista foi dedicado ao Grupo RBS: 19 anos. No conglomerado midiático, atuou na rádio Gaúcha e em Zero Hora, convivendo com mestres dos quais não esquece. Além do irmão Sílvio e do amigo David Coimbra, destaca os conhecimentos absorvidos de nomes como Jones Lopes da Silva e Sérgio Villar. "Aprendi Jornalismo ali", recorda. Foi na rádio do grupo que apresentou o 'Domingo Esporte Show', por uma década.

A atuação na RBS lhe rendeu um 'Prêmio ARI', em 2004, junto com Jones Lopes, pela reportagem 'Dossiê Grêmio'. O conteúdo surgiu a partir de uma ligação de Luis Henrique com o então presidente Tricolor, Flávio Obino. O gestor não encerrou a chamada e o comunicador ouviu críticas a Tite, técnico do time no período, que teria jogadores preferidos, chamados de "ovelhinhas" pelos envolvidos. A expressão, divulgada na reportagem, perpetuou-se e segue sendo utilizada para designar favoritismo no futebol.

Como setorista do Grêmio na empresa de Sirotsky, passou sufocos com o temperamento de alguns jogadores. "Eles liam a Zero Hora e, no outro dia, eu estava lá pra cobertura e partiam pra cima", relembra. Carlos Alberto, meio-campista contratado pelo clube tricolor em 2011, não gostou de ser questionado pelo radialista sobre a fama de 'bad-boy' e os seguranças tiveram que contê-lo, para evitar uma possível agressão. Já em 2014, foi a vez de Renato Portaluppi discutir intensamente com Luis Henrique, durante entrevista após o Gre-Nal 398. Hoje, o comunicador conta aos risos as situações de medo vivenciadas.

Conectado e reconectando

Em 2019, depois de ser demitido do Grupo RBS, decidiu descansar. Aposentado e indenizado, chegou a investir na venda de importados, negócio que o fez descobrir-se um enófilo (apaixonado por vinhos).  A partir dali, não deixou de ler um dia sequer sobre o tema e colocou como meta, para os próximos 14 anos, viajar pela Europa conhecendo uvas. O período sabático pós-RBS foi interrompido por convites de emissoras de rádio, entre elas a Band, que acabou levando a melhor.

O ritmo, porém, agora é outro. Luis Henrique, que priorizou, por anos, as empresas, atualmente, foca em si. Em paralelo ao rádio, criou um canal no Youtube, onde compartilha suas visões sobre o mundo da bola. Apesar de não ser muito digital, conta com uma equipe especial: os filhos Marcelo e Lucas. O pai fala orgulhoso da qualidade do trabalho de edição dos guris e diz sentir-se "um navegador", descobrindo os mares da internet.

O momento também é de reconexão. O comunicador confessa que sente essa proximidade profissional da produção para o Youtube como uma compensação familiar, pelo convívio que lhes foi roubado devido ao seu trabalho. O tema é motivo de emoção. Como se seguisse o conselho de Gil, em 'Tempo Rei': "transformando, tempo e espaço navegando todos os sentidos", Luis Henrique, com a voz embargada, garante: "A vida, para mim, está só começando".

Comentários