Marcelo Villas-Bôas: O homem de 55 chefes

Ele conduz com descontração uma rotina de excessos, na qual trabalha incansavelmente para cinco dezenas de parlamentares e consegue exagerar até nos prazeres

Às vésperas de completar 30 anos de jornalismo - profissão que começou a exercer com 18 -, Marcelo Villas-Bôas, superintendente de comunicação social da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, trabalha no mínimo 12 horas por dia e garante que consegue desfrutar com furor seus momentos de lazer. Pai de dois filhos, apaixonado por política, literatura e churrascos aos domingos, o jornalista aprecia a simplicidade da vida e odeia viajar. A correria do dia-a-dia é o grande exercício desse incansável fumante inveterado, avesso a qualquer tipo de esporte.


Nascido há 47 anos em uma família de classe média da capital gaúcha, Marcelo viveu uma infância que considera felicíssima, nos bairros Bom Fim e Cidade Baixa. Filho de um pianista talentoso e de uma "multiprofissional" batalhadora - a mãe, de dona-de-casa passou a professora e, mais tarde, tornou-se advogada do Estado -, o jornalista recebeu um choque forte, aos 12 anos, que abalou a alegria da família e alguns aspectos de sua conduta. "Quando meu pai faleceu, eu, que sempre tive uma forte relação com música e até freqüentava a escola de artes, me desinteressei por isto", lembra. Foi aí que Marcelo resolveu eleger uma nova paixão, à qual assegura ser fiel até hoje: a leitura. Embora não fosse um aluno exemplar - pelo contrário, era um indisciplinado integrante da "turma da bagaceirada", como ele mesmo define -, já era um devorador de livros naquela época em que lia de Monteiro Lobato a Júlio Verne. "Percebi que o hábito de ler era a minha matéria-prima para escrever. Ali, eu já sabia que queria ser jornalista", diz.


Aos 18 anos, logo após ingressar na Faculdade de Comunicação Social da PUCRS (Famecos), venceu uma concorrida seleção para uma vaga de redator na Rádio Farroupilha. Orgulhoso pela conquista, mas com um ego ainda não muito robusto, resolveu sondar o chefe sobre as qualidades de sua própria redação. A resposta não foi precisamente um estímulo: Marcelo conta que não haviam lhe contratado pelas virtudes de seu texto, mas sim pela sua ágil datilografia. "Isto me marcou muito. Aprendi que a habilidade do jornalista ao utilizar as ferramentas essenciais para desempenhar a profissão é tão importante quanto o talento", analisa. Ainda na rádio, foi repórter e produtor até ser chamado pela Folha da Tarde, um ano depois, onde começou a atuar na área política. Em 1981, já formado na universidade, Marcelo teve uma breve experiência em Brasília como repórter da sucursal do jornal Correio do Povo. Sem agüentar a saudade da terra natal, logo já estava de volta a Porto Alegre e também à Folha da Tarde, onde chegou a chefe de reportagem. A forte tendência pela política já se manifestava na época, inclusive quando aderiu à histórica greve da Caldas Júnior, no início da década de 80, reivindicando salários atrasados.


Foi em 1982, como assessor de imprensa, que Marcelo começou sua trajetória na Assembléia Legislativa gaúcha. Durante um tempo, ainda era empregado da Caldas Júnior, e dividia os dois empregos nos três turnos do dia. "A partir desse momento, me acostumei a trabalhar muito", conta o jornalista que, até hoje, nunca trabalha menos que 12 horas diárias, além de "exercitar a escrita" nas madrugadas. Marcelo ainda foi chefe de reportagem da sucursal do jornal O Globo e teve passagens por Zero Hora, Gazeta Mercantil e Correio do Povo. Na Assembléia, ele participa efetivamente da modernização dos mecanismos de comunicação da entidade - como a TV Assembléia, a Agência de Notícias e a Radio Web -, que ganharam notória visibilidade nos últimos anos. Além de escrever discursos, desenvolver estratégias políticas, o jornalista tem tantas tarefas que a lista não caberia aqui. "Imagine ter 55 chefes. Pois é, são 55 deputados no Parlamento", resume.


Sedento por trabalho, sedentário para o resto


Rúbia, Francisco e Amanda são os maiores responsáveis pelos respiros de Marcelo longe do trabalho. Casado há 25 anos com Rúbia, com quem teve os dois filhos - o rapaz, de 22, é estudante de design, e a menina, de 18, estuda publicidade -, ele garante que não abre mão de brechas na agenda para curtir uma pizza ou um cinema com a família. Mas sábado parece ser o único dia da semana que consegue dedicar totalmente ao lazer: "É o meu dia. É o dia de acompanhar o trabalho do jardineiro no meu jardim, de jantar fora, de assistir a uma peça de teatro". O churrasco em casa, aos domingos, é quase uma regra. Além da família, o alegre ritual conta com a presença de amigos do casal e dos filhos, mas logo é interrompido pelo celular de Marcelo, que a partir do meio da tarde começa a tocar e não pára até a sexta-feira seguinte.


Poucas coisas parecem ser tão apreciadas pelo jornalista quanto um bom prato de comida. Ele fala com entusiasmo de suas preferências gastronômicas, que vão de massas ao sempre bem-vindo churrasco, e conta que come de tudo - com exceção de tomate e rúcula, que detesta. "O médico, certa vez, orientou para que eu comesse menos. Então, resolvi cortar a salada", brinca Marcelo, que não é adepto de esportes nem para queimar calorias. "Eu sei que deveria, ao menos, fazer algumas caminhadas e fumar menos. Mas sou absolutamente sedentário. É impressionante como odeio esportes", confessa com certo remorso, revelando que fuma quatro maços por dia.


Fã número um de Rubem Fonseca, ele garante que está sempre lendo três livros simultaneamente. Agora, estão na cabeceira Desvarios no Brooklin, de Paul Auster, Memórias de Minhas Putas Tristes, de Gabriel García Márquez, e Mandrake: A Bíblia e a Bengala, de Rubem Fonseca. Marcelo é aficcionado por CDs e DVDs de jazz e MPB, com admiração especial por cantoras - "O Brasil tem uma belíssima safra de vozes femininas" -, destacando Nana Caymmi, Leny Andrade e Elis Regina. É raríssimo ele tirar férias, mas, quando consegue estender alguns dias de folga, Garopaba é o deslocamento máximo. Viagens ao exterior, ou de maior distância geográfica, não são nem um pouco apreciadas: "Na verdade, odeio viajar. Não tenho disposição para isto, não me sinto seduzido. Prefiro meu cotidiano de sempre".


Marcelo assume que a radical aversão a viagens, muitas vezes, se manifesta como um exemplo de sua personalidade. A teimosia é seu maior defeito, segundo ele mesmo. Ao atribuir uma qualidade a si próprio, menciona a humildade. "Pode parecer um pouco paradoxal, mas acho que sou exatamente assim", revela, enfatizando que, em 30 anos de jornalismo, aprendeu que a arrogância não leva a lugar algum. Ele afirma que não nutre nenhum sonho e que prioriza viver o presente. Seus planos profissionais giram em torno de continuar apresentando um trabalho eficiente, com novos projetos e estratégias que aproximem cada vez mais a atividade política da população. "Em todos esse anos, nunca levantei da cama reclamando do dia de trabalho que viria pela frente. Faço o que gosto, com vontade e obstinação", orgulha-se Marcelo, apagando outro cigarro e atendendo a mais um telefonema repassado pela secretária.

Imagem

Comentários