Luiz Borges: Por um acidente de percurso

O nome é Luiz Gonzaga, o sobrenome Borges, mas todos os conhecem simplesmente por Luiz Borges. Ele nasceu em Torres, a 14 de dezembro …

Luiz Borges - Reprodução

O nome é Luiz Gonzaga, o sobrenome Borges, mas todos os conhecem simplesmente por Luiz Borges. Ele nasceu em Torres, a 14 de dezembro de 1952, e embora tenha passado quase 20 anos em São Paulo, onde iniciou sua carreira, gosta de enfatizar: "Sou gaúcho". Após terminar o colegial na cidade litorânea, onde a família tinha uma pequena pousada, o jovem resolveu fazer diferente de seus amigos, que vinham para Porto Alegre cursar faculdade, e foi para a capital paulista morar com um amigo. Seu desejo era cursar Administração de Empresas e o colega alertou: "A melhor faculdade, uma das melhores do mundo, é a Getúlio Vargas. Tu vieste para cá para fazer diferente, então vai ter que cursar a melhor". Claro que o amigo já estudava lá e por isso o influenciou bastante.

Mas não seria fácil ingressar na melhor faculdade de Administração, foram necessários três vestibulares até que Borges conseguisse ser admitido, no turno que era sua última opção. Durante um ano e meio, estudou e trabalhou numa financeira, do ex-governador do Rio de Janeiro Carlos Lacerda. "Cheguei lá e já consegui um emprego na área que queria", conta. Mas teve que abandonar esse trabalho para poder cursar a faculdade à tarde. Assim, saiu do mundo dos bancos, no qual Borges conta que estão todos os seus colegas da GV, para ingressar na área de Comunicação. "Estou em jornal por um acidente de percurso", brinca.

Com o horário para trabalhar limitado, foi bater na porta de O Estado de S. Paulo, que procurava alguém para atuar, das 22h às 5h, em programação de computador, assunto que dominava um pouco. "Um jovem de 20 e poucos anos estudando na Getúlio Vargas tinha um currículo e tanto e eles me contrataram", explica. Em 1976, começou a sua tarefa, a de ser treinado para produzir jornais usando computadores. Sua função era ler um monte de manuais e conhecer todas as áreas do veículo. Passar temporadas pela redação, áreas comercial, administrativa, financeira, industrial foi fácil. O problema estava em ler os manuais, todos em inglês, idioma que Borges só conhecia o básico, do colegial.

Experiência americana

Munido de dicionários, leu tudo e, nove meses depois, foi enviado para os Estados Unidos, onde seria desenvolvido o software de produção do jornal. Trancou a faculdade e foi junto com o colega que trabalhava no turno diurno para ficar trabalhando numa empresa de sistemas durante três meses. Primeiro, ficou num hotelzinho de Nova York, depois alugou um apartamento em Manhattam. Cinco meses depois, o sistema não estava pronto e o Estadão queria que eles voltassem, pois a estada no país estava sendo muita cara. "Expliquei para o meu chefe na empresa que teríamos de ir embora. Ele me perguntou quanto custávamos para o jornal e respondi 'Mandam US$ 2 mil por mês para cada um'. Então, ele disse que nos pagaria", lembra. Os dois foram incluídos na folha de pagamento e só retornaram ao Brasil em 1978.

Enquanto esteve lá, teve a oportunidade de estagiar em jornais importantes, como The New York Times, Wall Street Journal e Daily News. "Ficamos tanto tempo lá que meu colega conheceu uma menina, namorou e voltou casado", conta. E quando voltou aceitou uma proposta de trabalho feita pelo Jornal do Brasil. Assim, Borges ficou sozinho na função no Estadão. Reativou sua matrícula na faculdade e começou a implantar o sistema, "que foi o primeiro na América do Sul a usar terminal de vídeo e tirar fotocomposição", empolga-se. "Foi uma experiência legal, porque esse software ficou 10 anos em funcionamento", explica.

Ele foi crescendo no jornal. De programador para analista de sistemas e depois gerente de produção, cargo que ocupava em 1987, quando deixou o jornal. A saída do Estadão se deu porque recebeu um convite para ser gerente-industrial de Zero Hora. "A RBS tem um negócio bom, que é mandar seus executivos para viagens, convenções. Conheci muitos deles nesses eventos, pois ia umas duas ou três vezes para os Estados Unidos, enquanto estava no Estadão", diz. Papel, papel, papel? A idéia de voltar ao Rio Grande do Sul lhe apeteceu. Estava casado com uma namorada de Torres, Síria, e os dois viviam em São Paulo com os três filhos pequenos: Luiz Henrique, com dois anos na época, e os gêmeos Luiz Gustavo e Luiz Fernando, ainda com alguns meses. "Tudo Luiz, Luiz me persegue. Meu nome é Luiz, meus três filhos são Luiz, o obstetra era Luiz Carlos. Eles nasceram na maternidade São Luís, que fica na Avenida São Luís", conta. E os gêmeos - idênticos - davam muito trabalho, pois "eram praticamente trigêmeos". Borges diz isso porque quando nasceram, o mais velho ainda não tinha completado dois anos. "Criamos os três juntos, quase ficamos loucos", recorda.

Ainda em negociação com Zero Hora, veio a Porto Alegre para conversar com o diretor Christiano Nygaard. A entrevista, conta Borges, foi interrompida umas três vezes para o executivo atender telefonemas nos quais falava sobre papel. "Era papel, papel, papel?! Eles estavam enfrentando uma crise de papel", lembra. Ao voltar para São Paulo, começou a estudar o jornal. "Antes mesmo de ser contratado, já tinha uma idéia do que ia fazer para economizar muito papel. Tinha encontrado a solução para a crise", diz. Ele começou no veículo em março de 1987 e em abril sugeriu uma alteração nos cadernos de Classificados: em vez de sete colunas, passariam a ter oito.

Ninguém entendeu a proposta e o acusaram de estar tentando "matar a galinha dos ovos de ouro de ZH". Mas Borges entendia tudo sobre montar um jornal, era sua especialidade, e passou uma madrugada na gráfica com um operador, fazendo os Classificados como ele queria. "Mostrei para o Nygaard o que eu queria fazer, ele olhou e não viu diferença alguma. Então, lhe expliquei que as páginas tinham oito colunas e que isso representaria uma economia de US$ 2 milhões por ano. Então, ele me deu duas semanas para colocar no mercado", recorda.

Não sou engenheiro

Após cinco anos como executivo da área industrial, surgiu uma vaga na circulação e ele pediu para ser gerente. Houve um estranhamento geral, ninguém sabia que Borges tinha formação em Administração, pensavam que era engenheiro. "Tive que vender meu peixe, contar que me formei na GV, com ênfase em Marketing. Mas consegui convencê-los", fala. Ele queria muito atuar nesse setor, mais de logística, que envolvia vendas, assinaturas. Borges lembra que a RBS queria lançar um jornal mais popular - mais tarde lançaria o Diário Gaúcho -, mas o executivo acreditava que não era uma boa idéia no momento e que o grupo deveria investir em Zero Hora. Então, em 1994, se comprometeu a vender 30 mil assinaturas aumentando o desconto para assinantes de 5% para 50%. O número subiu de 47 mil para quase 80 mil, em apenas 75 dias.

A promoção se repetiu, como o mesmo sucesso, em 1996 e quando ele deixou o jornal havia cerca de 120 mil assinantes. Em 1998, a RBS promoveu uma série de mudanças e Borges saiu do grupo. Então, trabalhou na Innovation, por quase dois anos, empresa que prestava consultoria em circulação, vendas e projeto gráfico para jornais da Europa, América do Sul e Caribe. Também atuou por dois meses como diretor da área de Comunicação e Artes do Senac, até ser convidado por Mércio Tumelero, que havia assumido a direção do Jornal do Comércio, para trabalhar no veículo, que passava por certa dificuldade. Em seguida, desistiu da empresa de consultoria para se "dedicar de corpo e alma" ao JC.

Jornal do Comércio

Borges assumiu o cargo de diretor-comercial e começou uma reformulação do jornal, que deixou de ser exclusivamente o veículo no qual as empresas descarregam sua publicidade legal. "Ampliamos nosso leque, leitores, circulação, anunciantes. Ainda temos muito que crescer como um 'Jornal de Economia e Negócios do Rio Grande do Sul' e estamos no caminho certo, com projetos respeitados como o Marcas de Quem decide, novos cadernos, mudança de conteúdo", diz. "Porque aqui no Sul, cada jornal tem seu segmento de mercado, jornal de economia só no Rio de Janeiro e São Paulo, como a Gazeta Mercantil e o Valor Econômico", explica. No JC, Borges também chegou tentando vender a idéia de implantar cor no jornal, o que lhe responderam que era impossível. "Esqueciam que eu conhecia todo o processo industrial de um jornal", explica.

Tanto era possível que foi feito e o JC circula com diversas páginas coloridas. Seu plano, hoje, é participar desse crescimento do jornal, que é um projeto no qual acredita. "O JC tem 71 anos e nunca deixou de circular", exalta. Ele chega na sede da empresa por volta de 7h30min e lê todos os jornais de Porto Alegre, além dos do Rio e São Paulo, separa os anúncios da concorrência, visita agências e clientes e ainda cuida da parte operacional do jornal. "Quando vejo já são 19h30min. É puxado, mas tem pelo menos uma vantagem sobre os outros jornais: é de segunda a sexta-feira, não tem edição no fim de semana", diverte-se.

Cachaça

Borges não pretende deixar a área de Comunicação. "Jornalismo é como cachaça, não tem como largar, ou gosta ou não gosta. É diferente de trabalhar numa fábrica, por exemplo, onde tudo é certinho. Aqui, o trabalho é notícia, informação, emoção. Não tem hora para entrar ou sair", diz. Ele se considera um pouco jornalista, pois trabalha com jornalistas há quase 30 anos e até começou a cursar Jornalismo, em São Paulo, mas não chegou a se formar, até porque, na época, o diploma não era exigido. "Gosto desses profissionais, é gente com quem se aprende. Uma classe que tem amor à causa, que trabalha por amor, porque é uma profissão estressante e que não paga bem.

Nunca vi nenhum jornalista rico, mas muitos inteligentes", brinca. Apesar de ter essa forte ligação com a Comunicação, seus filhos decidiram se voltar para a área de formação do pai. Luiz Henrique cursa Administração com ênfase em Marketing, na ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), mesma faculdade na qual foram aprovados os gêmeos, Luiz Fernando e Luiz Gustavo. Mas Borges jura não ter influenciado.

Prazeres da vida

Ele é muito ligado à família e sempre vai ao Beira-Rio assistir aos jogos do Internacional com seus filhos, que são colorados. Futebol é uma paixão. Tem uma turma com a qual joga todos os finais de semana. "Ninguém pode faltar, é sagrado. Se não puder ir, tem que pagar multa, mandar outra pessoa", conta. Como gosta de estar sempre em forma, Borges também pratica ginástica, tanto em casa como no Grêmio Náutico União, clube próximo à sua residência, na Rua João Obino. Caminhada é outro esporte que lhe atrai. Caminha com sua esposa pela rua. Em 2003, estiveram em Paris e caminharam por toda a cidade. "Poderia escrever um livro: 'Conhecendo Paris a pé'", brinca. Outros hobbies são leitura, filmes e música. Afirma que só não lê mais porque lhe falta tempo, mas sempre que pode está envolvido com romances, biografias ou livros sobre Propaganda e Marketing.

A música também o acompanha constantemente. "Gosto de todos os estilos, de som, mesmo", explica, contando que sempre faz sua ginástica em casa acompanhado de algum DVD musical. Nos finais de semana, costuma ir para Curumim. Não tem casa em Torres, apesar de seus irmãos ainda viverem lá: "Perdi as raízes". Borges reconhece que agora, com os filhos crescidos, ele e sua mulher podem ter mais tempo. Ela fazia Direito e trabalhava em contabilidade, mas parou para se dedicar à família. "Eu acho, sem nenhum machismo, que foi a decisão certa, porque nossos filhos se tornaram pessoas bem-educadas, de bem", alega. E já não precisam mais levá-los e buscá-los em festas, pois se viram sozinhos. Reavaliando vida e carreira, o executivo acredita que sua entrada para o mundo de jornal foi "um acidente feliz".

A vinda para Porto Alegre também. "Foi muito bom voltar para o Sul. No início, estranhava que ia ao cinema e sempre encontrava gente conhecida, mesmo sem nunca ter morado aqui. Lá em São Paulo, isso não acontece", compara. "Viajei por muitos lugares, mas não troco Porto Alegre por lugar nenhum do mundo", diz.

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