Empresas se adaptam para lidar com diferentes gerações

Mercado de trabalho está mudando para acolher diversas visões de mundo que, agora, sentam lado a lado na mesma empresa

Pela primeira vez na história, estamos presenciando um mercado de trabalho sendo ocupado por quatro gerações distintas. Com características próprias e modos diferentes de vivenciar a vida pessoal e profissional, deram mais uma camada ao tema da diversidade corporativa. A intergeracionalidade é um conceito derivado de alguns estudos da década de 1990, que abordavam o conflito interpessoal de diferentes gerações nos relacionamentos familiares, e só nos últimos anos focou-se no mercado de trabalho. O próprio termo geração ainda é bastante debatido entre os estudiosos, mas a conceituação mais aceita é a de que uma geração define-se por grupos identificáveis que têm em comum anos de nascimento, idade, localização e eventos significativos em estágios importantes da sua vida. 

Ainda não existem muitos estudos que mapeiam por completo os conflitos entre as quatro gerações: Baby-Boomers (nascidos entre 1940 e 1960), geração X (nascidos entre 1960 e 1980), Millennials (nascidos entre 1980 e 1995) e geração Z (nascidos até 2019). Salienta-se que a entrada da geração Z no mercado de trabalho é recente, como também é novidade a permanência acentuada no meio produtivo dos Baby Boomers. O que se sabe é que os conflitos já geram prejuízos: um estudo feito pelas consultorias ASTD Workforce Development e VitalSmarts (hoje chamada Aspectum)  já mostrava, anos atrás, que uma a cada três pessoas desperdiça cinco horas ou mais por semana em conflitos entre colegas de diferentes gerações. Isso significa uma perda de 12% na produtividade do trabalho. Francine Malessa, especialista em Diversidade e fundadora da DiversaIn, plataforma de impacto social para conectar grupos socialmente minorizados com as empresas, ressalta neste contexto que "os atuais líderes do mercado de trabalho são Baby Boomers ou pertencentes à geração X,  e são grupos que aprenderam a exercer a liderança por meio do controle". 

Parece mesmo que um dos grandes desafios é a comunicação. Uma pesquisa realizada pela Randstad, empresa holandesa especializada em soluções de trabalho flexível e Recursos Humanos, apontou que 44% dos funcionários e candidatos dizem ser difícil se comunicar com colegas de diferentes idades. "As gerações Millennial e Z são as que mais estão sofrendo porque precisam de feedback constante, e isso é visto como insegurança para os mais velhos", destaca Cristina Doretto, cofundadora da Pulsa Relações Intergeracionais, empresa de consultoria e aconselhamento para diversidade geracional.

Gerindo conflitos intergeracionais

A pergunta que fica é: como as empresas têm percebido essa ebulição geracional? Sócia-diretora e cofundadora junto com Fábio Bernardi da HOC - House Of Creativity, agência gaúcha de publicidade com mais de 160 colaboradores, Lara Piccoli ressalta que as diferenças acentuaram-se com a pandemia. "A geração X sente mais falta de contato físico. Já os Zs não se incomodam tanto com a interação mediada por uma tela, até porque muitos deles entraram no mercado de trabalho já nesse contexto", exemplifica. Quem também ponderou sobre a pandemia como potencializadora dessas diferenças foi a gerente executiva de Gestão de Pessoas do Grupo RBS, Fernanda Damiani. Ela explica que a crise global causada pelo Coronavírus (Covid-19) acelerou tendências, trazendo as individualidades para a mesa de debate. "Tempos atrás, fazíamos tudo para todos da mesma forma. Atualmente, toda ação precisa ser pensada para cada geração, evitando ruídos e conflitos", completa.

Gerir conflitos faz parte do contexto atual de qualquer empresa que lide com intergeracionalidade. Cristina afirma que, independentemente da ação, é fundamental enxergar o outro, de fato. "As gerações mais novas precisam de atenção porque, muitas vezes, não falam claramente sobre os conflitos, mas oferecem inúmeros sinais. Se nada for feito, não pensam duas vezes antes de procurar outro lugar", analisa. Já a geração X, segundo a especialista, aprendeu que quando se está no trabalho o emocional fica do lado de fora. "Já para os Millennials ou Zs, emocional e profissional são a mesma coisa", distingue. 

Do lado do gestor, Lara afirma que vê várias jornadas de experiências. Conforme a sócia-diretora, são públicos geracionais com expectativas e rotinas tão diversas e, mesmo assim, é necessário que a empresa consiga entrelaçá-los com a sua cultura. "Sempre digo que o problema não é engajamento. Eles passam horas na frente de uma tela interagindo com os amigos. A questão é como a gente, empresa, consegue interagir de um jeito que faça sentido pra eles", provoca.

Mas não são só os mais jovens que desafiam o mundo corporativo. De acordo com Francine, existe a questão de os mais velhos estarem se vendo perdendo espaço ou relevância em algumas empresas. Além disso, ela enfatiza, a geração X tem a síndrome do filho do meio, uma vez que, enquanto suas mães se juntavam aos pais no mercado de trabalho, tiveram que desenvolver um senso de maturidade sozinhos em casa. "Agora que estão começando a alcançar o nível sênior no mercado de trabalho, não querem lidar com quem precisa de validação constante para tudo que faz", compara.

 Saindo da zona de conforto

O fato é que o acúmulo de experiência leva a cargos de gestão. Mas será que precisa ser sempre esse o caminho? Francine provoca convocando a uma mudança de visão da hierarquia. Ela enfatiza que precisamos desaprender obviedades se quisermos diversidade geracional em uma equipe. Para a especialista em diversidade e banco de talentos diversos, é muito importante que as empresas façam uma mediação ativa. Ela aponta que muitas estão fazendo o que se chama mentoria reversa. Conforme explica, a ação consiste em colocar, por exemplo, um jovem da geração Z com um integrante da geração X ou um Baby Boomer para que um aprenda com o outro em demandas coletivas. "Quando falamos em conciliar visões de mundos diferentes, deixamos de falar em tolerar e falamos em incluir", justifica. 

Lara também defende a importância de estimular uma troca sincera entre as gerações. Conforme a cofundadora da HOC, esse momento entre gestor e equipe é importante para percebermos mais claramente as possibilidades. "Existe função pra todos os tipos de profissionais, e elas podem mudar ao longo do tempo", opina. Contudo, ela pondera que as pessoas esperam que as lideranças tenham todas as respostas. Porém, neste momento tão diverso, os líderes precisam se permitir tentar, ouvir, aplicar e tentar de novo. Segundo a diretora da agência, é uma caminhada constante.

 

Ser líder é admitir não saber de tudo

Ser gestor em um mercado de trabalho cada vez mais diverso é um desafio que se acumula aos olhos das empresas. Um relatório do Great Place To Work (GPTW), consultoria global que apoia organizações a obter melhores resultados por meio de uma cultura saudável, apontou o preparo técnico e emocional das lideranças como principal estratégia para garantir a construção de ambientes de trabalho emocionalmente saudáveis e para o alcance de resultados. Com isso, o que os dados diagnosticam é que, em 2022, as organizações deverão investir fortemente na capacitação dos seus líderes. 

Para a sócia da Diversidade Conecta, também é o momento de rever os arquétipos que temos dos nossos gestores. Francine explica que ainda associamos bons líderes ao arquétipo de pessoa que decide tudo sozinha, que não admite desconhecer respostas e que precisa gerar medo nas equipes. "Mas as convivências geracionais mudaram essas expectativas, já que novas gerações querem novos modos de trabalho", exemplifica. Lara é um exemplo de que flexibilidade é mais importante do que nunca: "Por causa das diferentes gerações, estamos nos encaminhando para diferentes formatos de contratação, de desenvolvimento de talentos e de construção de áreas." A questão, continua ela, é a transparência e o diálogo nas formalizações para que todas as gerações possam montar planos de carreira, seja de crescimento, de avanço com lateralidade, ou qualquer outro que julgue adequado para o momento da sua vida. 

Por causa de toda essa complexidade, o que é comum na opinião de todos é que não existe uma receita de bolo. Fernanda Damiani, gestora do Grupo RBS, define o papel da liderança no contexto intergeracional como alguém disposto a rever conceitos para ser um facilitador. "É preciso desprendimento para estar aberto a experimentar. O que as organizações se propõem a entregar para o mundo? E como isso se relaciona com as diferentes gerações e seus desejos?", provoca. 

Todos ganham, inclusive a empresa

Mais do que ser uma forma de gerar diversidade com equidade no mercado de trabalho, fomentar diversidade geracional faz bem para os negócios. O relatório 'Diversidade Importa: América Latina', da McKinsey & Company, ressaltou que colaboradores de empresas que adotam a diversidade apresentam níveis mais altos de inovação e colaboração. Eles têm 152% a mais de chance de propor novas ideias e tentar novas formas de trabalho, assim como 64% de colaborar com propostas e melhores práticas. "Sem diversidade, não existe criatividade. Afinal, criatividade nada mais é do que diferentes pontos de vista somados e o quanto isso gera um olhar do mundo diferente", defende Lara. 

De acordo com a estrategista de marcas da HOC, para algumas empresas pode ser tentador voltar o modelo mais impositivo, porque cria a ilusão que é mais rentável por ser mais rápido. No entanto, ela faz questão de reafirmar que não é. "A longo prazo, não considerar as demandas das diversas gerações não vai manter as equipes na sua empresa. Afinal, não tem como manter pessoas motivadas se elas não se conectam com o ambiente", sinaliza.

Os temidos jovens da geração Z

Um olhar mais demorado está sendo dado para os novos ocupantes dos locais de empregabilidade: a geração Z. Segundo Fernanda, as gerações mais novas querem ser tratadas de forma individual e, para isso, é preciso estar atento aos movimentos e às discussões que eles estão trazendo. Gorick Ng, consultor de carreira de Harvard, acadêmico de Berkeley e autor do best-seller do Wall Street Journal 'The Unspoken Rules' ('As regras não ditas', em tradução livre), entrevistou centenas de jovens ao redor do mundo para saber qual a prioridade deles em relação à carreira. De acordo com as pesquisas, menos de 2% desse público tem a ambição de subir na pirâmide corporativa. Conforme ratifica Francine, "esses jovens preferem o modelo de hierarquia horizontal, em que os funcionários contam com mais autonomia e se sentem parte importante de todos os processos da organização". 

Isso se confirma em fenômenos como o 'quiet quitting' e o 'acting your wage', os quais foram propagados pela geração Z. Basicamente, o 'quiet quitting' é um movimento que defende não assumir tarefas além das atribuições do cargo, e o 'acting your wage' defende trabalhar com esforço proporcional ao salário recebido. "É uma nova geração que exige uma nova forma de gestão com conselhos deliberativos diversos", contextualiza Francine, que levanta outras questões. "Já pensou ter um diretor de uma grande empresa que recém saiu da faculdade? Pra isso, precisamos desconstruir o que queremos de um gestor e o pensamento que temos de um cargo operacional: os dois podem ser feitos por gerações diferentes, desde que tenham as habilidades necessárias para isso", enfatiza.

Seja qual for a maneira que as empresas estão encontrando para lidar com a intergeracionalidade, uma certeza existe: não há manual de instruções. Ao falar de conflito geracional, mais do que receitas prontas, precisamos enxergar quem são essas pessoas e o que querem. Assim, fazer a gestão do conflito, liderar com atenção e alinhar bem-estar cultural e negócios acabam criando um caminho mais claro - ainda que cheio de tentativas, erros e novas tentativas.

Autor
Luan Nascimento Pires é jornalista e pós-graduado em Comunicação Digital. Tem especialização em diversidade e inclusão, escrita criativa e antropologia digital, bem como em estratégia, estudos geracionais e comportamentos do consumidor. Trabalha com planejamento estratégico e pesquisa em Publicidade e Endomarketing, atuando com marcas como Unimed, Sicredi, Corsan, Coca-Cola, Auxiliadora Predial, Deezer, Feira do Livro, Museu do Festival de Cinema em Gramado, entre outras. Articulista e responsável pelo espaço de diversidade e inclusão na Coletiva.net, com projetos de grupos inclusivos em agências e ações afirmativas no mercado de Comunicação. E-mail para contato: [email protected]

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