Somos diversos e esta é a nossa grande riqueza

De Lelei Teixeira, para Tendências - Especial Diversidade

Falar de diversidade, considerando que somos diferentes e contrapondo-se ao preconceito, é desafio urgente. A discriminação que nos ronda é implacável e seguir nesta caminhada desafiadora é libertar muitas vozes. A sociedade deveria ser o reflexo das diferenças que nos fazem sujeitos únicos e não criaturas hipoteticamente iguais. Já escrevi muito sobre isto e vou escrever quantas vezes forem necessárias. Promover a inclusão de pessoas com deficiência física, intelectual, visual, auditiva, autismo, superdotadas ou com altas habilidades - é reconhecer a nossa diversidade e o direito de ir e vir com autonomia, usufruindo de recursos que facilitem o cotidiano em todos os espaços, com políticas públicas adequadas. Respeitar a diversidade é acolher o outro sem julgamento.  

Há um fenômeno peculiar na formação humana ancorado no preconceito em relação a alguns grupos e suas origens. De um lado, traços de identidade são fortalecidos. De outro, a exclusão de determinados grupos é evidente porque não correspondem às características aceitas. Assim se construiu uma teoria da normalidade discriminatória, que afasta os "diferentes". Mas quem são esses "diferentes", historicamente marginalizados? Pessoas com deficiência, negros, comunidade LGBTQi+, até os estigmas tribais de raça, nação e religião.

A mensagem da normalidade instituída é clara. Cada grupo no seu lugar fazendo o seu papel. O impulso primeiro do excluído, para garantir a sobrevivência nesse meio hostil, é ocupar os espaços pré-determinados e responder, passivamente, às expectativas. Mas a atitude saudável é não ocupar tais espaços. E aqui precisamos falar da diversidade que nos constitui. Minha reflexão é justamente sobre esse deslocamento e os efeitos benéficos que este movimento provoca no meio social em que estamos inseridos. 

Entendo por Diversidade o que caracteriza e diferencia o fazer dos povos. Cada grupo social tem seus rituais. E são esses rituais que dão identidade às tribos humanas que ocupam determinados territórios e ali constroem suas vidas e preservam suas histórias através da linguagem, da memória, das tradições, crenças, costumes, modos de agir. Aprendizados plurais que passam de geração para geração, a partir de trocas e misturas com outras tribos e suas culturas, fazendo a diferença no campo pessoal, social, profissional e político. 

Reconhecer as diversidades é o que nos impulsiona a sair das bolhas e acolher as diferenças deste nosso vasto universo. É o contato com o que nos faz transcender também a condição social/econômica, abrindo possibilidades para outras relações e experiências. É buscar, efetivamente, políticas públicas inclusivas, que possibilitem que as pessoas se representem com a sua diferença. Não sejam representadas. 

A declaração de Madri de março de 2002, primeiro documento internacional sobre pessoas com deficiência, traz a frase "Nada sobre Pessoas com Deficiência, Sem as Pessoas com Deficiência" que se transformou no lema "Nada Sobre Nós, Sem Nós". O que vale para todas as singularidades. Mas só a partir de uma educação libertadora é possível falar de fato em diversidade, relativizar o mito da perfeição imposto pelo meio social e abrir portas para a complexidade do existir. A curiosidade pelo que é diverso nos faz impetuosos e criativos nesta caminhada porque nos tira da apatia da normalidade que enquadra, discrimina, limita nosso olhar e nossa liberdade.

A diversidade, aliada à acessibilidade, à inclusão e à sustentabilidade, proporciona que as pessoas, independente da condição - física, intelectual, mental, social, cor, sexo, financeira ou de comportamento, idade, enfim - participem da vida da sua comunidade, usufruindo do cotidiano com segurança e acolhimento. Só seremos diversos a partir desta fusão. São muitas as questões que se movem neste universo. E aqui vale lembrar a canção dos Titãs, "Comida" (1987 / Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Sérgio Britto) - "A gente não quer só comida / A gente quer comida / Diversão e arte / A gente não quer só comida / A gente quer saída / Para qualquer parte". 

Não é possível anular as diferenças, porque elas efetivamente existem. Não é possível reduzir a discussão à conquista de dispositivos legais, através da ação do Estado. Abstrair uma situação oriunda de um processo histórico e cultural que fixa um modelo, no qual o sujeito se inscreve desde o nascimento, não é simples. O que quero é alertar para o que incorporamos desde um ponto de vista padronizado que nos afasta da diversidade, que é acessibilidade, inclusão e sustentabilidade.

A Lei Brasileira de Inclusão, criada para assegurar direitos e liberdades fundamentais, aponta para a cidadania. Baseada em Convenção da ONU, define como pessoa com deficiência "Aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, e que, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas". Temos mais de 45 milhões de pessoas com alguma deficiência, segundo o IBGE/Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em 2019 - quase 25% da população do país. Mas quem está preocupado em fazer adaptações para que uma pessoa em cadeira de rodas, para dar apenas um exemplo, possa usufruir da vida com dignidade, sem ser constrangida de alguma maneira? Quem está verdadeiramente interessado em políticas voltadas para a diversidade?

Estas perguntas estão no centro da cena. E falo do que considero patrimônio da humanidade, assim como a biodiversidade. São questões que devem estar na base dos programas e projetos dos municípios e dos estados em nome da nossa autonomia em todos os recantos deste Brasil tão diverso. Afinal, independente de gênero, raça, cor, orientação sexual, tamanho, opinião, posição social - não deveríamos ser aceitos como somos, com nossas capacidades e limites? Só seremos sustentáveis quando a diversidade fizer parte do nosso cotidiano. Ninguém é igual a ninguém. E essa é, sem dúvida, a nossa grande riqueza. 

 

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