Vanderlei Dutra: Navegando na Comunicação

Editor-chefe e sócio de O Timoneiro, profissional mantém orgulho da origem como jornaleiro

A Comunicação faz parte da vida de Vanderlei Silveira Dutra da Silva Filho, ou  Vanderlei Dutra Filho, como ele usa. Até teve um período em que ele tentou fugir, mas, mesmo cursando uma faculdade relacionada à saúde, encontrou um caminho de incluir a área na pesquisa. É assim desde que começou os primeiros trabalhos em O Timoneiro, de Canoas. A atuação no grupo, aliás, se confunde com a vida pessoal. Apesar de ter trabalhado em outros lugares, foi no jornal canoense que conheceu o ofício e onde, hoje, procura qualificar a missão social.

Filho de Maribel, Vanderlei herdou o nome do pai. Nascido em 4 de maio de 1982, em Porto Alegre, quando tinha nove anos, eles se separaram. Em busca de trabalho para sustentar os filhos, a mãe fez concurso para o governo do Estado e virou merendeira em escola. "Minha mãe era aquela leoa, que fazia tudo pelos filhos", lembra, orgulhoso. Vanderlei tem um irmão, José Augusto, que mora em São Paulo, e irmãs gêmeas, Simone e Sinara, que também trabalham em O Timoneiro.

Um pouco antes do divórcio dos pais, quando tinha oito anos, a família se mudou para Tramandaí, onde moraram por cerca de quatro anos e meio. Foi na cidade litorânea que o adolescente conheceu o que até hoje é seu hobby preferido: o surf. Atualmente morando em Porto Alegre, não pratica tanto, pois o tempo livre é compartilhado com a esposa Giana e as filhas Giovanna, de nove anos, e Rafaela, de sete.

Cerca de um ano após retornar à capital gaúcha, o pai faleceu (dona Maribel também se foi, há cinco anos). Por incentivo do tio Jorge Uequed, que o chamou para ser office boy (hoje, auxiliar administrativo) em seu escritório de advocacia, o jovem de 13 anos ingressou no mercado de trabalho. Dois anos depois, foi o mesmo parente que o convocou para ingressar em O Timoneiro, como jornaleiro.

Timoneiro - a navegação 

De ajudante do barco a um dos responsáveis pela navegação. Assim é a vida de Vanderlei no veículo de Comunicação, e o comunicador já exerceu as mais diferentes funções na empresa. Tudo começou em 1997, aos 15 anos: "Fiquei sabendo que o Jorge tinha comprado o jornal porque numa sexta-feira cheguei para trabalhar no escritório e tinha o jornal para ser distribuído em cima da mesa. Ele me falou: 'vai distribuir'". Este foi o primeiro contato com uma função a qual desempenhou por muito tempo, mesmo já sendo repórter. 

Sem saber diagramar, Vanderlei lembra do primeiro impresso que criou - e não foi para a empresa, mas para um trabalho do primeiro ano do Ensino Médio, quando um professor de História pediu aos alunos que escrevessem sobre a Revolução Francesa em forma de matérias. À noite, na redação, ele desenhou uma edição, imprimiu em folhas tamanho A4 e colou umas nas outras.

Com registro profissional junto ao Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors), ele cita O Timoneiro como "a escola". Como referência e professores, destaca três pessoas. Começa lembrando do seu fundador, Antônio Canabarro Tróis Filho, conhecido como Tonito, que morreu em 22 de outubro de 2020. "Ele era um escritor, um jornalista da cidade muito importante para a comunidade, e sempre manteve  ligação com o jornal até morrer." Assim, com a supervisão dele, Vanderlei começou a escrever pequenos conteúdos e, "quando viu, já estava na rua, caçando pauta". Mas, antes disso, foi um verdadeiro "faz tudo" e, por um tempo, também conciliou com o escritório de advocacia. "Entregava o jornal na sexta-feira, e nos outros dias digitava texto, fazia serviço bancário. Tudo que pedissem, eu fazia", explica.

Além de Tonito, outra pessoa importante para ele foi o tio Jorge. "Um professor de vida, mas também um profissional muito forte, que, além de deputado federal, também era jornalista", recorda. Já no dia a dia da redação, o comunicador destaca João Luís Xavier, o qual considera "amigão e mestre". Atual diagramador do Correio do Povo, João também passou pelo veículo de Canoas. "Colei nele, tipo papagaio de pirata", brinca. Foi com o colega que aprendeu diagramação e arte final, e foi nesse setor que o jornalista começou a se aprofundar na redação. "Comecei a fazer pequenos anúncios, aqueles cartõezinhos de visita, e fui indo. Então, digitava texto, fazia artes e entregava o jornal na sexta-feira", conta, detalhando a versatilidade inicial.

A primeira diagramação que fez profissionalmente foi por necessidade, no início dos anos 2000. Já com o hoje extinto fotolito pronto para ser impresso na gráfica, houve um problema técnico e a edição inteira foi perdida. Na época, não havia esse acesso livre à internet e o caso ocorreu perto das 21h de uma quinta-feira, poucas horas antes da distribuição, que acontece no início das manhãs das sextas-feiras. Era preciso reescrever e reestruturar. "Lembro que sentei do lado do João e falei 'pode deixar que eu diagramo umas páginas'". Depois de algumas horas, o trabalho estava concluído. "Ele me ensinava tudo, sempre, nunca teve problema com nada disso", enaltece. 

Essas impressões com fotolito e chapa são algumas das dificuldades que ele destaca do início da carreira. Por um tempo, O Timoneiro imprimiu na gráfica da Gazeta do Sul, em Santa Cruz do Sul. Sem scanner na redação, eles montavam a matriz e deixavam espaços para as fotos e os anúncios. Vanderlei saía às 18h de Canoas e os colegas mandavam as últimas páginas por meio de internet discada. A diagramação era finalizada pouco antes de ir para a rotativa. 

Recordar esse processo hoje o agrada, mas a transição tecnológica entre 1997 até o início dos anos 2000 foi o principal desafio da trajetória. Isso porque as gráficas mudaram seguidamente os processos de impressão, pois toda hora alterava o sistema operacional. Essa dificuldade foi superada, acredita, nos últimos 10 anos, quando o procedimento passou a não sofrer mais tantas modificações.

Pautas investigativas - as rotas preferidas

"Sempre gostei de investigação", exalta. E essa foi a editoria na qual mais atuou. Entre os trabalhos destaques estão algumas matérias sobre o escândalo do Detran, em 2007. Vanderlei recorda que, antes de atingir um nível estadual, o problema nasceu na prefeitura de Canoas, no governo Marcos Antônio Ronchetti (PSDB). Por isso, "quando a RBS resolveu botar a mão, a gente já trabalhava a pauta há um ano e meio, dois". E quem estava na linha de frente era ele. Uma das reportagens preferidas foi sobre os imóveis do secretário do poder executivo canoense, Chico Fraga, em um condomínio de luxo em Tramandaí. Depois de uma ligação de um vizinho do gestor público, o repórter foi até a cidade litorânea e conversou com pescadores. Além das histórias, em um barco, ele conseguiu fotografar a mansão de Fraga.

Outra matéria que ele gostou de fazer foi sobre a "viúva negra canoense". Lembra que foram meses de investigação sobre uma senhora que vivia no bairro Rio Branco e se relacionava com idosos de cerca de 80 anos. Ela os envenenava de um modo que ninguém descobria, mas todos tiveram câncer. A série de reportagens foi usada pela polícia e ela foi presa. Depois de um tempo, pela idade avançada, foi solta e apareceu na redação querendo falar com Vanderlei, porém, ele não estava (ufa!).

Mudança na rota, mas nem tanto

Em 2015, em busca de outros ventos, Vanderlei passou no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e optou por estudar Saúde Coletiva na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), pois gostou da ideia de "olhar para a saúde do ponto de vista social, antropológico, econômico, muito mais amplo do que um corpo, do que uma doença". A faculdade, diz, o transformou. No entanto, apesar de tentar se afastar da Comunicação, não conseguiu. Viu que a Saúde possuía uma deficiência no setor. Assim, o trabalho de conclusão de curso, que está para finalizar, relaciona a estrutura das fake news e a pandemia. A intenção é poder sugerir formatos de Comunicação Institucional para a Saúde que sejam mais eficientes. "Entrei lá para sair da Comunicação, mas percebi que continuarei na área"

Nessa busca por rotas diferentes, em 2016, ele começou como chefe de gabinete da então vice-prefeita de Canoas, Gisele Uequed, onde ficou por quatro anos. Uma experiência que ele também considera transformadora. Nesse período, atuou em especial na Educação. Com a gestora, liderou o processo de ampliação de vagas na educação infantil e de implementação do sistema Google for Education no município. "Na pandemia, foi outra experiência trágica, difícil, mas foi muito bom participar e ter feito um pouquinho de diferença", exalta. 

Com o término do mandato, finalizou também a sua contribuição no poder executivo. Em 2021, Vanderlei criou, com o sócio Fabiano Flores, a trendsPro - Conteúdo com Propósito, uma produtora de infoprodutos para desenvolver ações com impacto social. Um dos feitos da empresa foi o curso 'Antirracismo - Como Identificar e Combater o Racismo Estrutural', apresentado por Rafa Rafuagi. O comunicador ainda desenvolveu impressos como o Surf RS e o Correio Estudantil. 

De volta ao barco, agora também no leme

No final daquele ano, Jorge Uequed o convidou para voltar para O Timoneiro e se associar a ele. Neste retorno, como editor-chefe, foram ampliadas as atividades do jornal, que passou a ser um grupo de Comunicação. A ideia foi utilizar a força da marca e a relação com a comunidade, mas ampliar o negócio. E, assim, foram criados um estúdio, onde são gravadas produções de áudio e vídeo de Jornalismo e de entretenimento do veículo, e um novo produto: o otPlay. Braço audiovisual da empresa, oferece serviços para a comunidade, como Marketing de Conteúdo e de Influência. Ainda, a marca engloba Assessoria de Comunicação, que Vanderlei já fazia com a Dutra Comunicação - empresa própria pela qual ele trabalhou com entidades e gestores públicos, como sindicatos de professores e associações de servidores. 

Atualmente, o profissional também integra o Conselho de Administração do grupo ao lado dos filhos de Jorge, que assumiram a parte do pai depois que este morreu. "Para dar conta de tudo que ele fazia, a gente teve que juntar quatro", enfatiza, elogiando o tio. Sobre o retorno, Vanderlei destaca que aceitou o desafio na busca de uma Comunicação que atenda à classe baixa. Se antigamente o que o movia era a adrenalina do Jornalismo Investigativo, hoje a ideia é muito mais com o olhar da comunicação social da base mesmo. Nesse sentido, a intenção é promover a educação e a saúde. 

Sempre em busca de novos mares

Sem fazer um planejamento de longo prazo, ele tem algumas tarefas que quer realizar. Um dos desejos é se dedicar exclusivamente aos podcasts e produzir conteúdos sobre o que mais gosta. Antes, pretende finalizar o planejamento do grupo, para que a empresa se estabilize na produção de audiovisual e do Marketing de Influência. Apesar dessa vontade, não quer deixar de ter o "espírito jornaleiro", função da qual sente muito orgulho. "Sempre gostei de fazer a entrega do jornal, ter esse contato direto com o público. Porque, às vezes, na redação, a gente fica tão longe da realidade", reflete.

Vanderlei valoriza a sua caminhada, por ter chegado onde está por competência e não ter "pisado na cabeça de ninguém". "Fui um cara que não tinha nada, meus pais eram muito pobres e eu agarrei as oportunidades. Sou grato porque sempre tive muitas possibilidades", garante. Ele também acredita que teve privilégios por ser homem, branco e extrovertido. Características que não enxergava como vantagens, mas que foi entender como tais na faculdade de Saúde Coletiva. "Vi que sempre tive privilégios em relação às pessoas que estavam no mesmo lugar que eu, até dentro da minha família, com as minhas irmãs, por exemplo, pelo fato delas serem mulheres", conclui. 

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