Estamos organizando o RS pelo whats

Por Letícia Baptista de Castro, para Coletiva.net

Letícia Baptista de Castro - Crédito: Arquivo pessoal

A tragédia climática que assola o Rio Grande do Sul desde o dia 1º de maio revelou diversas faces da nossa organização social. A dos governos, que preferiram "não achar culpados"; a dos técnicos, que se dedicam dia e noite a resolver questões que poderiam ter sido evitadas; a imprensa, focada em informar e desmentir 24/7; e a sociedade civil, que na hora da crise, se encontrou. 

São tantas camadas que formam este cenário, que fica até difícil descrever em ordem de importância, então vamos começar pelo básico. Por quem não esperou a sirene de emergência soar e correu para criar grupos no WhatsApp com amigos que poderiam conectar outros amigos, que assim, incluiriam outros amigos. Todos capazes de alimentar com informações as equipes voluntárias de resgate com barcos, caminhões, jet skis, helicópteros e toda sorte de equipamentos possíveis para garantir a vida das pessoas, dos animais e da moral do povo gaúcho. Nessas horas, a polarização deu uma trégua. Os grupos, articulados pelos mais íntimos, acabaram alcançando os menos próximos ideologicamente, nos mostrando que há esperança de nos unirmos em torno do que realmente importa: um outro mundo (realmente) possível. 

Claro que há problemas em reunir tantas mentes, claro que há egos feridos, claro que há disseminação de desinformação, mas ficou tudo tão pequeno diante da grandeza dos gestos, que a luz não parece tão no fim do túnel. Está mais próxima e ao alcance das mãos. O meio que é capaz de compartilhar fake news está, hoje, mais ocupado em compartilhar a localização de um cachorro preso em um alagamento. É mais rápido para garantir o transporte de uma doação que vem da Paraíba, do Rio ou do bairro Três Figueiras. É mais relevante para quem espera a ajuda vir do céu do que um pronunciamento de colete. E é infinitamente mais ágil para quem vai resgatar vidas do telhado. O whats é mídia, é banco, é logística, é mercado, é segurança, é assistência social, é apoio emocional, só não pode ser tribunal. 

A sala de crise do governo teria orgulho de ver não apenas a organização dos grupos de conexões do whats local, como teriam muito o que aprender. A forma como se busca solução sem uma meta e sim tarefa é, no mínimo, inspiradora. 

O governo paralelo do whats tem um poder positivo sobre o qual precisamos nos debruçar para entender depois que tudo isso passar. As bancas de ciências políticas vão verter todo tipo de artigo traduzindo o que estamos vivendo. Estamos fazendo história. Ainda que numa situação de calamidade e de perdas, estamos mostrando a quem tem o orçamento público, que a vontade de fazer é soberana ao poder. São anônimos. Trabalhadores (in)comuns, artistas, atletas, nerds, empresários, amigos de amigos que só ganham promessas de um reencontro presencial em um bloquinho de carnaval, churrasco e chimarrão para revelar os rostos por trás de tanta capacidade de movimentar a máquina da empatia. 

No computador, na água, no abrigo ou no ar. São anônimos, são coletivos, são únicos em suas demonstrações de serem tantos. São as Amandas, as Natálias, os Lucas, Júlias, Antônios, Adolfos, Chrys e Cristinas, Louinnies, Sofias, Rafaeis, Bias, Lauras, Danis, Rodrigos, Nicoles, Valérias, Lucis, Guilhermes, Sandrinhos, Alissons, Camiles, Neros, Déboras, Anas. São inúmeros. São infinitos. São imparáveis.

Nosso whats nunca mais será o mesmo. E nem deve. 

Gracias por tudo e por tanto. 

Letícia Baptista de Castro atua como Conexões e Logística no Grupo de WhatsApp Enchente RS - Contatos ([email protected])

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